sábado, 19 de fevereiro de 2011

Lucídio Freitas, pré-modernista

Revista Ephemeris – Semente do Modernismo Brasileiro

Para Teresinha Queiroz

Lucídio Freitas, filho de Corina e Clodoaldo Freitas, nasceu em Teresina, a 5 de abril de 1894. Fez os primeiros estudos no Liceu Piauiense, onde concluiu os Preparatórios. Orientado pelo pai, desde cedo adquiriu sólida cultura humanística. Compôs os primeiros poemas ainda na adolescência.
Em 1911, estudante na Faculdade de Direito do Recife, foi eleito conselheiro da primeira diretoria do Centro Acadêmico do Recife, filiado à Federação dos Estudantes Brasileiros que, por sua vez, era filiado à Liga dos Estudantes Sul-Americanos. A eleição se processou numa das salas da Sociedade dos Artistas Mecânicos e Liberais. Eis a diretoria, completa: presidente, José de Góes Cavalcanti; vice, Bandeira de Mello; 1º secretário, Waldemar C. Leitão; 2º secretário, Henrique Figueiredo, orador, Eurico Souza Leão; vice orador, Eládio Ramos; tesoureiro, Pedro Allaian Teixeira; bibliotecário, Carlos Gonçalves. Conselheiros: José de Barros Wanderley, Augusto Pessoa, Malta Filho, Souto Maior, Lucídio Freitas, Agrício Mello, Samuel Chaves, Alexandre Lopes, Assis Costa, Marques de Oliveira, Mattos Barbosa e Afonso Neves Batista. A posse se deu a 24 do corrente, de acordo com nota publicada no jornal A Província (PE), edição de 11 de setembro de 1911, primeira página.
Em 1912, aos 18 anos de idade, estreou em livro com Alexandrinos, coletânea de versos, em parceria com o irmão Alcides Freitas. O livro foi bem recebido pela crítica literária, angariando elogios. Por aquele tempo, a casa do pai era um dos pontos de encontro da intelectualidade piauiense.
“Neste mesmo ano, preocupado com a preservação da memória cultural do Estado, distribuiu questionário aos intelectuais, depois publicando, em jornais, as respostas, com o objetivo de definir, na visão dos mesmos, quem era e quais foram os principais intelectuais do Estado, bem como avaliar o movimento literário local e as expectativas para o futuro”, relata Teresinha Queiroz, em Os Literatos e a República. Teresina: FCMC, 1994).
Ainda em 1912, nas eleições para a substituição do governador Antonino Freire, por insistência do pai, Lucídio Freitas engajou-se na campanha oficial e vitoriosa de Miguel Rosa para o governo do Piauí (1912 – 1916). Em retribuição, foi nomeado Lente de História do Brasil no Liceu Piauiense e Delegado Geral da Capital.
O jornal O Apóstolo, órgão oficial da Diocese do Piauí, edição de 12 de maio daquele ano, página 3, sob o título No Liceu, publicou: “Tudo acanalhado!
O governador teve o cinismo de nomear lentes do Liceu criançolas, sem composturas, como Lucídio Freitas e Christino Castelo Branco.
Os briosos estudantes não engoliram a pílula.
Expulsaram o primeiro debaixo de uma tremenda vaia.
Quando ao segundo – o nanico Christiano, azucrinaram-lhe os ouvidos com uma bomba inocente, fazendo molhar as calças e correr em busca do coronel Cazuza Avellino, diretor da Instrução Pública, pedindo providência. O severo Cazuza respondeu formalizado:
- Que quer, meu senhor?! Os meninos são terríveis! Faça como seu Lucídio! Não venha mais aqui!
Eis a que se reduziu a primeira casa da instrução pública! O governador acanalhou tudo. Os estudantes é que não estão pelos autos e tangem os poldrinhos a cabo de vassoura.
É mais uma lição.”
O Apóstolo, que tinha como diretor chefe Elias Martins, era órgão ligado à União Popular, que fazia oposição ao governador Miguel Rosa.
A 9 de abril de 1913 recebeu o grau de Ciências Jurídicas e Sociais da Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro, junto com Oscar Couto, Pergentino Pereira Guimarães, Antônio Antunes Figueiredo, Francisco de Paula Santiago, Victor Mattos Rudge e Armando de Aguiar Cardoso, conforme nota publica no jornal A Época do Rio de Janeiro, edição de 10 de abril de 1913, página 7. Ainda estudante chegou a ser nomeado promotor público da comarca de Amarante, não tendo assumido efetivamente o cargo.
A 18 de novembro daquele ano (1913), por discordar radicalmente da política imposta pelo governador Miguel Rosa, homem de gênio irascível, brigão, malcriado, rancoroso, de poucos amigos e muitos inimigos, exonerou-se dos dois cargos e, acompanhado pelo poeta Zito Batista, seguiu para o Rio de Janeiro, onde ficou mais de um ano trabalhando na imprensa e fazendo literatura.
“É deste período sua maior aproximação com as rodas literárias cariocas, pelas mãos de Clóvis e Amélia Bevilácqua. Torna-se amigo de Mário Pederneiras, da revista Fon-Fon, e insinua-se nos grupos literários mais famosos, frequentando assiduamente as casas de Coelho Neto, grande animador dos valores novos, de Félix Pacheco, de Hermes Fontes e outros. Circula pelas livrarias da moda e faz parte da boêmia literária carioca”, de acordo com Teresinha Queiroz.
Vejamos texto publicado na revista Fon-Fon, Rio de Janeiro, edição de 8 de novembro de 1913, no 45, ano II, página 46: O Norte Intelectual – “(...) Foi sempre doutrina literária de Fon-Fon não cingir-se a preferência de escolas nem feitio de versos. Acolhe o que seja bom e que tenha mérito.
Agora a moderna Poesia do Norte vem trazer a Fon-Fon o seu contingente de sangue novo da nova geração que ali floresce.
E é o pequeno e esquecido Estado do Piauí que se apresenta, cavalheirescamente, na elevada ação literária dos nossos dias. São os modernos poetas piauienses que Fon-Fon recebe de braços abertos e com grande orgulho.
Lucídio Freitas, Zito Batista, Abdias Neves trazem a Fon-Fon a documentação do seu valor de poeta, de bons poetas, em produções que denunciam um excelente movimento literário nortista.
E seja feita aqui uma referência especial a uma individualidade literária piauiense desaparecida prematuramente do mundo.
É Alcides Freitas que, com seu irmão Lucídio, publicou, o ano passado, um excelente Plaquette, que recebeu o nome de Alexandrinos.
Alcides de Freitas morreu, há meses, novo, pouco depois de se haver doutorado em Medicina na Bahia.
Era um poeta originalíssimo, de uma dolorosa originalidade triste, pela natural expressão que, como médico, lhe produzia certeza do seu fim próximo.
Deixou um magnífico livro de versos inéditos e outro de crônicas e impressões.
De todos estes novos poetas, novos e bons, Fon-Fon vai ter o prazer de publicar produções que justifiquem a afirmação com que iniciou esta nota: o Norte Intelectual movimenta-se”.
Lucídio Freitas ingressou na magistratura, sendo nomeado, a 14 de abril de 1915, Juiz Substituto da Vara Criminal de Belém do Pará, conforme nota publicada no Jornal do Brasil, edição de sexta-feira, 13 de abril de 1915.
A 16 de setembro de 1916 casou-se com Maria Ocenira Gomes de Figueiredo (às pressas – a noiva estava grávida). A cerimônia civil foi realizada às 17 horas e 30 minutos no Palacete do Foro e a religiosa, a seguir, na Igreja de Nossa Senhora de Nazareth. O casal teve três filhos: Corina, Alcides e Genuíno. Ela era filha de Genuíno Amazonas de Figueiredo e de Maria Gomes Figueiredo. Genuíno Amazonas de Figueiredo foi senador, tendo ocupado a 2ª vice presidência da Mesa do Senado; membro do Partido Republicano, desde a cisão de 1897; colaborador do jornal Pará, órgão do citado partido; lente da Faculdade Livre de Direito do Pará; secretário de Estado do Interior, Justiça e Instrução Pública, durante a maior parte do período de Governo do Dr. Augusto Montenegro; diretor do Ginásio Paes de Andrade.
Em 1917, publicou Vida Obscura, segundo livro de poesia, que adquiriu grande aceitação no meio literário. Segundo a crítica especializada, Lucídio Freitas se afirmaria como um dos maiores líricos da poesia piauiense, com versos sonoros, rítmicos e perfeitos.
No final de 1917, doente, veio a Teresina repousar por alguns dias. Entretanto, a atividade literária não permitiu o completo repouso. No início do mês de dezembro, no jardim público da Praça Rio Branco, proferiu conferência sob o título Elogio do Heroísmo, versando sobre a Guerra Mundial. Aglutinador de homens e irradiador de ideias, Lucídio Freiras foi um dos baluartes na criação da Academia Piauiense de Letras, a 4 de agosto de 1901, mas só concretizada a 30 de dezembro de 1917. Conhecida como “Casa de Lucídio Freitas”, teve, nos dez refundadores – Clodoaldo Freitas (primeiro presidente e pai de Lucídio Freitas), Higino Cunha, João Pinheiro, Edison Cunha, Jônatas Batista, Celso Pinheiro, Antônio Chaves, Benedito Aurélio de Freitas (Baurélio Mangabeira) e o próprio Lucídio Freitas - as cabeças mais abertas do tempo.
A Academia, segundo ele, nascia no calor das novas ideias.
Ocupou a cadeira número 9, cujo Patrono é o falecido irmão poeta Alcides Freitas, tornando-se, depois, Patrono da cadeira de número 23, ocupada por Amélia de Freitas Beviláqua, Joaquim Raimundo Ferreira Chaves (Mons. Chaves) e, atualmente, por Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz.
Com a saúde abalada pela tuberculose, retornou a Belém, onde continuou a atividade profissional. A doença agravou-se, retornando a Teresina por algumas vezes. Na terra natal buscava forças para enfrentar o mal que tanto atormentava a vida.
Em 1918, foi criada, em Teresina, a Sociedade Literária Arcádia dos Novos. Lucídio Freitas fez a apresentação e o elogio da mocidade que a compunha, conforme nota publicada no Jornal do Commércio, do Amazonas, edição de sexta-feira, 23 de agosto de 1918, primeira página.
Naquele mesmo ano, por concurso público, assumiu a titularidade da cadeira de Teoria e Prática do Processo Civil e Comercial na Faculdade de Direito do Pará, cuja direção estava entregue ao professor Ernesto Chaves. A tese foi publicada em 1919, com o título de Direito Processual.
Portanto, ainda jovem estava com o nome consolidado no Pará, como poeta, jornalista, magistrado e professor. Imediatamente se destacou nos meios jurídicos, literários e sociais em razão da cultura extrema e refinada. Foi secretário da Sociedade dos Homens de Letras do Pará.
A professora e acadêmica da Academia Piauiense de Letras, que o tem como Patrono na cadeira número 23, Teresina Queiroz assim o descreveu: “Tornara-se figura expressiva das vanguardas literárias, ao lado dos sonhadores do momento - José Maria Leoni, Peregrino Junior, Oswaldo Orico, Genésio Cavalcanti, Eduardo de Azevedo Ribeiro, os irmãos Cruz Lima, Andrade Queiroz, Martins Napoleão, Nunes Pereira, Flexa Ribeiro e Álvaro Maia. Além das figuras mais expressivas como Tito Franco de Almeida, Severino Silva, Rocha Moreira e Remígio Fernandez. E ainda Raimundo Morais, Paulo Maranhão, Dejard de Mendonça, Eurico Vale, Alves de Sousa, Luiz Estevão e outros, desiguais em idade, mas não em entusiasmo”.
Raimundo Morais, no jornal Estado do Pará, edição de domingo, 29 de maio de 1921, primeira página, sob o título Lucídio Freitas, escreveu: (...) Lucídio Freitas se constituiu aqui o centro elegante das letras, o Petrônio magnífico destas tertúlias bizarras, onde o intelectual amado de outras terras, como Perícles Moraes, vinha ouvir na doce hospedagem, junto duma xícara de chá fumegante e dum charuto perfumado, as histórias das estrelas e os combates dos deuses. A sua casa lembrava a casa dum grego ilustre, em cujas salas toda Atenas ia conversar e aprender ser galante. (...)
O poeta Lucídio Freitas foi descrito pelo primo Cristino Castelo Branco, como loiro, bonito, amável, simples, alegre, comunicativo, bem educado, trajando sempre com esmero, causer delicioso, pleno de elegância, de graça, de espírito, de finura e de distinção, parecendo um ser à parte, baixado do Olimpo à terra (Castelo Branco, Cristino. Vida Exemplar. Teresina: APL, 1922).
Em 1917, foi publicado Há uma gota de sangue em cada poema, de Mário de Andrade, de caráter nitidamente simbolista, sob o pseudônimo de Mário Sobral. Publicando Paulicéia Desvairada, em 1922, Mário de Andrade tornou-se guia e “Papa do Modernismo”.
Como Mário de Andrade, o poeta Lucídio Freitas publicou, em 1917, Vida Obscura, igualmente simbolista. Como Mário de Andrade, Lucídio Freitas era poeta da síntese e da busca. Como Mário de Andrade, Lucídio Freitas acreditava que “O passado é lição para se meditar, não para / reproduzir” (Artista, in Paulicéia Desvairada).
Era de ser esperar, portanto, que Lucídio Freitas chegasse a atingir, de todo, a estética modernista, participando, inclusive, da Semana de Arte Moderna. Mas, o precoce falecimento, aos 27 anos de idade, a 14 de maio de 1921, tolheu esta perspectiva. Pouco antes do óbito, por iniciativa do venerando pai, foi publicado o último livro, Minha Terra.

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Ephemeris – semente do modernismo brasileiro: Lucídio Freitas foi um dos responsáveis pela edição da revista Ephemeris que representou um movimento de renovação cultural em Belém do Pará e no restante do país. Era mensal, publicada na segunda quinzena de cada mês. Foram publicados três números. O primeiro saiu a 30 de agosto de 1916. O segundo a 3 de dezembro de 1916. O terceiro número ainda em pesquisa. Os participantes, entre outros, liam Mallarmé, Rimbaud, Verlaine, Verhaeren e Nietzsche,” conforme Peregrino Junior, um dos redatores da revista. Estavam sintonizados com a poética e a filosofia modernas do Brasil e do mundo.

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O jornal Estado do Pará, edição de quarta-feira, 26 de julho de 1916, na primeira página, sob o título Ephemeris, destaca: Sob este título, por todo o mês vindouro começará a circular, em Belém, um mensário literário e científico, de grande formato, colaborado por literatos e cientistas paraenses e dos outros Estados.
Ephemeris, se realizar o modelo que os seus fundadores traçaram, vem de encontro às necessidades intelectuais de um grande público, como o de Belém, que procura inteligentemente pôr-se ao par do que ocorre por toda parte, encontrando, de passagem literária e ciência, tudo reunido numa publicação artística e regular, ao alcance de todas as pecúnias.
Ephemeris satisfaz plenamente a esta ideia. No seu texto, de 40 páginas, impresso em papel encorpado, de linho e de grande formato, colaborarão os mais conhecidos prosadores, poetas e cientistas paraenses, apenas, e em outro papel, virão as páginas de comentários e notícias internacionais, crônicas de moda e elegâncias, nótulas e curiosidades regionais, bibliografia e registro mundanos.
As senhoritas encontrarão, nas páginas da Ephemeris, tudo o que de mais moderno registram as publicações elegantes do Rio, da América do Norte e da Europa.
O público paraense saberá, com certeza, compensar, com o seu apoio, o esforço que fazem os fundadores da Ephemeris para dar-lhe um mensário artístico e noticioso, moderno e variado.
São fundadores da Ephemeris: Lucídio Freitas, diretor, Arthur dos Guimarães Bastos, Emílio de Macedo, Curcino Silva, João Bento de Souza e Andrade Queiroz, redatores.
O Estado do Pará, edição de sexta-feira, 4 de agosto de 1916, página 2, sob o título Ephemeris, noticiou: Ephemeris – Até o dia 20 deste mês entrará em circulação o primeiro fascículo d’esta grande revista literária e científica, que está sendo esperada com o maior interesse.
Ephemeris terá 40 páginas de texto e formará volumes de 6 em 6 fascículos. O trabalho material está confiado a uma das mais bem montadas oficinas tipográficas de Belém, o que vale por uma certeza da sua absoluta perfeição.
No primeiro número começará a ser publicado um estudo filológico do professor Ferreira dos Santos, do mais alto interesse, e destinado, pela sua novidade, ao maior sucesso.
Entre outros, colaboram no primeiro número: Paulino de Brito, Augusto Meira, Olavo Nunes, Arthur dos Guimaraens Bastos, Clodoaldo de Freitas, Tito Franco, Viega Cabral, Cureino Silva, Alves de Souza, Paula Guimarães, Alfredo Lamartine, Emílio de Macedo, Remígio Fernandes, cônego João Crolet, Dejard de Mendonça, Andrade Queiroz.
O Estado do Pará, edição de domingo, 27 de agosto de 1916, primeira página, sob o título Ephemeris, esclareceu: Ephemeris – Contratempo imprevisto na composição d’esta revista motivou a demora da sua saída, que vinha sendo marcada para o dia 20 passado.
Ephemeris, que está sendo aguardada com o mais alto interesse, circulará impreterivelmente a 30.
O 1º fascículo da Ephemeris comportará para cima de 50 páginas de texto, excluídas as páginas apensas de notas e comentários mundanos.
Em seguida, publicamos pela ordem de paginação o sumário do 1º fascículo da Ephemeris:
I - Crônica, Alves de Sousa; II - Salomé, Arthur dos Guimaraens Bastos; III - Lucano e o Estoicismo, Clodoaldo Freitas; IV - Laus Veneris, Tito Franco; V - Da virilidade literária, João Crolet; VI - Smart, Olavo Nunes; VII - Imagens da vida, Viega Cabral; VIII - Profissão de Fé, Dejard de Mendonça; IX - Mulher, Emílio de Macedo; X - Catão e a Morena, José Oiticica; XI - Um Problema Estético, Curcino Silva; XII - Signos, Augusto Meira; XIII - Dúvidas e Conjecturas sobre a pontuação tônica de Getulo, Batavo e Incude, Ferreira dos Santos; XIV - No Meu Deliquio Mortal, Franklin Palmeira; XV - Laura e as suas bonecas, Paula Guimarães; XVI - Sonho de Angústia, Albano Vieira; XVII - A Confissão de Mathias, Quaresma Andrade Queiroz; XVIII - Soneto, Lucídio Freitas.
O Estado do Pará, edição de quarta-feira, 30 de agosto de 1916, primeira página, sob o título Ephemeris, informou: Ephemeris – Hoje à tarde, nas principais livrarias de Belém será posto à venda o fascículo 1º do 1º volume d’esta revista, cuja publicação, aguardada com tanta ansiedade, marca um acontecimento literário da maior importância.
Ephemeris aparece com o intuito altamente louvável de se tornar o órgão dos intelectuais paraenses, por forma a aproximá-los cada vez mais do público que, embora os conheça, tem poucas ocasiões de os ler, quase todos limitando-se às publicações rápidas da imprensa diária.
O interesse com que é esperada esta revista não deixa dúvidas sobre o sucesso que ela traz.
Ephemeris traz, neste primeiro fascículo, 56 páginas de texto, excluídas as 8 páginas apenas de notas mundanas.
Depois do meio dia, pode o público procurar o 1º número de Ephemeris nas livrarias Pará-Chic, Alfacinha, Agência Martins etc.
Eis o sumário do 1º fascículo da Ephmeris:
Crônica, Alves de Sousa; Salomé, Arthur dos Guimaraens Bastos; Lucano e o Estoicismo, Clodoaldo Freitas; Laus Veneris, Tito Franco; Da virilidade literária, João Crolet; Smart, Olavo Nunes; Imagens da vida, Viega Cabral; Profissão de Fé, Dejard de Mendonça; Mulher, Emílio de Macedo; Catão e a Morena, José Oiticica; Um Problema Estético, Curcino Silva; Signos, Augusto Meira; Dúvidas e Conjecturas sobre a pontuação tônica de Getulo, Batavo e Incude, Ferreira dos Santos; No Meu Deliquio Mortal, Franklin Palmeira; Laura e as suas bonecas, Paula Guimarães; Sonho de Angústia, Albano Vieira; A Confissão de Mathias, Quaresma Andrade Queiroz; Soneto, Lucídio Freitas; O mundo vai pelo mundo e por fora do mundo e o Mês Elegante.
O Estado do Pará, edição de quinta-feira, 31 de agosto de 1916, página 2, sob o título Ephemeris, saldou: Ephemeris – Circulou ontem o fascículo primeiro d’este mensário científico e literário.
Ephemeris vem preencher uma lacuna que se fazia sentir cada vez mais à falta de uma publicação de moldes modernos onde tivessem entrada todos os escritores dizendo sobre literatura ou ciência sem as preocupações menores, que tanto e constantemente têm separado a uns e feito paralisar o trabalho a outros.
Os paraenses que se ressentiam da falta de um periódico neste gênero devem dar a Ephemeris todo o seu apoio e toda a sua simpatia.
A feição material do novo magazine nada deixa a desejar: impresso nitidamente sobre papel acetinado, colaborado pelos mais conhecidos literatos do norte, oferece leitura variada e instrutiva, por forma a satisfazer a todas as exigências, Ephemeris está à venda nas principais livrarias de Belém, entre outras, Pará-Chic, Alfacinha, Agência Martins, Livraria Progresso etc.
O Estado do Pará, edição de sexta-feira, 1º de setembro de 1916, página 2, sob o título Ephemeris, noticiou: Ephemeris – Está publicado o primeiro número d’este grande mensário literário e científico. Comprem a Ephemeris, o mais bem feito mensário do norte, nas livrarias Pará-Chic, Alfacinha, Progresso, Agência Martins e Standart.
Este mesmo texto seria repetido nas edições de 2 (páginas 2, 3 e 4) e 3 (páginas 3 e 4) de setembro de 1916.
O Jornal, do Maranhão, edição de terça-feira, 26 de setembro de 1916, página 4, sob o título Ephemeris, publicou: Ephemeris – A última mala trouxe-nos a agradabilíssima visita da revista Ephemeris, mensário que apareceu o mês passado em Belém do Pará, dirigida pelos homens de letras daquela capital Arthur Guimaraens Bastos, Lucídio Freitas, Andrade Queiroz, Curcino Silva, Emílio de Macedo e João Bento de Souza.
Constituindo um elegante fascículo de 56 páginas, o número inicial surge duma feita artística cuidada e atraente.
Alves de Souza, o artista impecável da prosa, apresenta a revista, prevendo, na sua apresentação, um novo elemento da cordialidade fraternal! Em seguida, Ephemeris traz esta seleta súmula:
Salomé, Arthur dos Guimaraens Bastos; Lucano e o Estoicismo, Clodoaldo Freitas; Laus Veneris, Tito Franco; Da virilidade literária, João Crolet; Smart, Olavo Nunes; Imagens da vida, Viega Cabral; Profissão de Fé, Dejard de Mendonça; Mulher, Emílio de Macedo; Catão e a Morena, José Oiticica; Um Problema Estético, Curcino Silva; Signos, Augusto Meira; Dúvidas e Conjecturas sobre a pontuação tônica de Getulo, Batavo e Incude, Ferreira dos Santos; No Meu Deliquio Mortal, Franklin Palmeira; Laura e as suas bonecas, Paula Guimarães; Sonho de Angústia, Albano Vieira; A Confissão de Mathias, Quaresma Andrade Queiroz; Soneto, Lucídio Freitas; O mundo vai pelo mundo e por fora do mundo e o Mês Elegante.
É correspondente epistolar da Ephemeris no Maranhão o nosso confrade Astolfo Marques.

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O número 2 da Ephemeris também mereceu destaque na imprensa paraense.
O Estado do Pará, edição de sábado de 30 de setembro de 1916, página 4, sob o título Ephemeris, noticiou: Ephemeris – Circulará por estes dias o fascículo 2º d’esta revista que obteve um tão ruidoso sucesso.
Ephemeris, que está sendo feita numa das melhores oficinas de obras d’esta capital, trará perto de 60 páginas de texto, excluídas as de anúncio e comentários mundanos e elegantes, devidos à pena brilhante do conhecido cronista da imprensa diária.
Eis o sumário do segundo fascículo d’este belo mensário:
I – Crônica, Alves de Souza; II – Brasil, Luiz Guimarães Filho; III – Vita Nuova, Alfredo Lamartine; IV – Dentro da Sombra, Nunes Pereira; V – O Conceito de Biologia, Acylino de Leão; VI – O Romance de um Secretário de Legação, Arthur dos Guimaraens Bastos; VII – Cantares, Olavo Nunes; VIII – Machiavel e Bismarck, Mecenas Dourado; IX – Dúvidas e Conjunturas Sobre a Acentuação Tônica de Getulo, Batavo e Incude, Ferreira dos Santos; X - Na Aza do meu Delírio, Franklin Palmeira; XI – Um Jornalista do Tempo de Perícles, João Crolet; XII - Atavismo Latino, Angyone Costa; XIII – Signos, Augusto Meira; XIV – Lucano e o Estoicismo, Clodoaldo Freitas; XV – O que vai pelo mundo e por fora do mundo, direção.
O Estado do Pará, edição de domingo, 3 de dezembro de 1916, página 2, sob o título Ephemeris, anunciou: Ephemeris – Desde hoje começa a ser vendido nas principais livrarias d’esta capital o número II d’este brilhante mensário.
Se o I número da Ephemeris lhe deu o alto lugar que ela goza entre as publicações congêneres do país, este segundo número ainda mais confirmará este favor da opinião inteligente dos leitores, como facilmente se depreende do seguinte esplêndido sumário:
I – Crônica, Alves de Souza; II – Brasil, Luiz Guimarães Filho; III – Vita Nuova, Alfredo Lamartine; IV – Dentro da Sombra, Nunes Pereira; V – O Conceito de Biologia, Acylino de Leão; VI – O Romance de um Secretário de Legação, Arthur dos Guimaraens Bastos; VII – Cantares, Olavo Nunes; VIII – Machiavel e Bismarck, Mecenas Dourado; IX – Dúvidas e Conjunturas Sobre a Acentuação Tônica de Getulo, Batavo e Incude, Ferreira dos Santos; X - Na Aza do meu Delírio, Franklin Palmeira; XI – Um Jornalista do Tempo de Perícles, João Crolet; XII - Atavismo Latino, Angyone Costa; XIII – Signos, Augusto Meira; XIV – Lucano e o Estoicismo, Clodoaldo Freitas.
Ephemeris é vendida nas mais frequentes livrarias de Belém, entre outras: Agência Martins, Alfacinha, Pará-Chic, Livraria Cruz, Agência Standart etc.

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Sobre Ephemeris, nos dias de hoje, nos fala o professor Aldrin Moura de Figueiredo, do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Pará, no artigo De Pinceis e Letras: os manifestos literários e visuais no Modernismo Amazônico na Década de 1920: publicado na Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá, vol. 9, n. 2, jul.- dez., 2016: Outra modernidade - Sob o ponto de vista literário as conexões brasileiras tiveram outros caminhos. No Pará, em 1916, um grupo de literatos ligados à revista Ephemeris tomaram o campo da filosofia, da arte e da história como elemento fundante em suas preocupações intelectuais. Nomes como Arthur dos Guimaraens Bastos, Lucídio Freitas, Andrade Queiróz, Curcino Silva, Emílio de Macedo e João Bento de Souza deram o sopro inicial do debate sobre o significado do “moderno” na literatura e nas artes na seara das letras paraenses. Temas da filosofia e da história passaram pelo crivo da arte e autores como Henri Bergson (1859-1941) e Friedrich Nietzsche (1944-1900) tiveram recepção e repercussão nas páginas da revista (Estes autores não eram novidade entre os paraenses. O crítico José Veríssimo, radicado no Rio de Janeiro mas com grande interação com seus conterrâneos do Pará, já havia, desde a primeira década do século comentado as traduções francesas de Nietzsche. Cf. Veríssimo, José. As ideias literárias de Nietzsche. Jornal do Commércio. Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1907). Na crônica de abertura do segundo número de Ephemeris, Alves de Sousa construiu um texto art nouveau com a tentativa de trazer os movimentos do estilo para a prosa literária. A música Christoph Gluck e de Beethoven seriam tomadas a partir dos passos da dança e das linguagens do teatro. Havia também interesse em renovar a leitura dos clássicos. Dizia ele: “urge guardar alguma cousa desse mundo grego bem antigo”, mas melhor que fosse pelos pés e pelo movimento de Isadora Duncan (Souza, Alves de. Crônica. Ephemeris. n. 2. Belém, 1916, p. 57-59).
A universalidade da arte seria o grande tema e o humanismo contemporâneo seria o principal receptor dos legados culturais do Ocidente. Na segunda década do século XX, na literatura que se produzia nos círculos paraenses não parecia claro qualquer debate sobre regionalismo. O “universal” ainda seria a grande utopia dos artistas. Ephemeris, por ter sido efêmera, como quiseram seus autores, foi esquecida ou muito pouco lembrada. O que nos restam são pequenas passagens das memórias de Peregrino Júnior e Joaquim Inojosa (João Peregrino Júnior, que viveu em Belém entre 1914 e 1920, talvez tenha escrito a primeira memória desse grupo associando-o ao modernismo nascente. Cf. Peregrino Júnior, J. O movimento modernista. Rio de Janeiro: MEC, 1954. As notas de Joaquim Inojosa estão espalhadas em muitas de suas publicações, especialmente em O movimento modernista em Pernambuco. Rio de Janeiro: Tupy, 1968). Porém, neste mesmo período os literatos paraenses travam como que um distanciamento do passado próximo, recuperando um passado mais remoto. 1916 foi o ano que se comemorou o tricentenário de Belém (1616-1916). As efemérides pátrias e a refundação do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, em 1917, foram parte desse movimento que ecoou pela literatura, pelas ciências, pela política e também pelas artes visuais.

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Peregrino Junior dá depoimento a respeito da revista Ephemeris, In O Movimento Modernista - Ministério da Educação e Cultura, Rio de Janeiro, 1954: “(...) Devo esclarecer desde logo, porém, que não tomei parte na Semana de arte Moderna. Nunca fui ovelha de nenhum rebanho. E recusei-me sempre declaradamente a aceitar a tutela dos caciques literários que comandavam a campanha. Mas fui um ardente "torcedor" do Modernismo. "Torcedor" e escriba. Jornalista militante, dispondo primeiro de uma coluna diária no Rio-Jornal, depois no O Brasil e por fim no O Jornal, noticiei com probidade e simpatia todos os episódios do movimento, comentando-os com isenção, e entrevistei todos os seus líderes. Numa série de entrevistas, que publiquei no O Jornal, ouvi Graça Aranha, Paulo Prado, Mário de Andrade, Ronald de Carvalho, Manuel bandeira, Aníbal Machado, Álvaro Moreyra, Carlos Drummond de Andrade (que respondeu em versos), Emílio Moura, Abgar Renault, entre muitos outros, e nestas entrevistas - que Aníbal Machado sugeriu fossem reunidas em livro - estes líderes definiram, cada um do seu ângulo pessoal, a significação, a importância e os rumos do Modernismo. Manuel Bandeira, embora recebendo-me com uma queixa: - "Me deixa quieto, Peregrino!" - fixou corajosamente sua posição em face do Modernismo, do qual foi aliás precursor. Aníbal Machado, que já naquele tempo anunciava o seu teimosamente inédito João ternura, exprimiu na concisão de uma fórmula feliz a linha geral da atitude modernista: - ‘Nós não sabemos exatamente o que queremos, mas sabemos muito bem o que não queremos’.
Fui, portanto, testemunha dos acontecimentos, e só isto explica e justifica a minha presença neste ensaio.
Não experimento por conseguinte constrangimento ou dificuldade em opinar sobre o Modernismo e seus líderes. Aliás, eu era naquele tempo um simples estudante de Medicina, recém-chegado do Pará, e trabalhava na imprensa para viver. Era um "rapaz de jornal", como se dizia então. Mas trazia do Pará uma lembrança que me tornava o espírito receptivo, apesar da imaturidade, para a renovação literária que se tentava. Era a lembrança de um movimento de província, que o Rio desconhecia completamente e que fora anterior ao Modernismo. Quero referir-me ao movimento do grupo da revista Ephemeris, chefiado por Lucídio Freitas, Tito Franco, Dejard de Mendonça, Alves de Souza, e que representou uma corajosa e afoita tentativa provinciana de renovação literária, e que se processou em 1919 - 1920. Quem compulsar a coleção da Ephemeris - até materialmente original, discreta, diferente - verá que o "grupo paraense" merecia a atenção dos críticos e dos historiadores literários do nosso tempo. Este movimento, de resto, mostrava como as sementes do Modernismo estavam soltas no ar, há longo tempo, esperando apenas condições adequadas para germinar e frutificar... (...).
Além de Lucídio Freitas, outros piauienses participaram da revista Ephemeris como o pai deste Clodoaldo Freitas, e Benedito Martins Napoleão, que introduziu Peregrino Junior na leitura de Carnaval, de Manuel Bandeira, o São João Batista do modernismo brasileiro, lançado em 1919. Após devorar as páginas do livro, revela Peregrino Junior: “Guardei a lição antecipadora de Debussy”:

Para cá, para lá...
Para cá, para lá...
Um novelozinho de linha...
Para cá, para lá...
Oscila no ar pela mão de uma criança
(Vem e vai...)
Que delicadamente, quase a adormecer o balança
- Psio... –
Para cá e para lá...
Para cá e...
- o novelozinho caiu”...

Adiante Peregrino Junior acrescenta que “Quando sobreveio, em 1922, a Semana de Arte Moderna, não tive dificuldade nem hesitação em aceitar o Modernismo”.

A Careta, do Rio de Janeiro, edição de 6 de setembro de 1952, página 14, na coluna Um Sorriso Para Todos, assinada por Sir I (pseudônimo de Peregrino Júnior), apresenta: Exato, minha amiga. Foi precisamente há trinta anos que um grupo de escritores, poetas e artistas, sob o comando de Graça Aranha, realizou em S. Paulo, sob o implacável castigo de vaias homéricas, uma singular experiência intelectual: a Semana de Arte Moderna. A revolução modernista vinha, porém, mais longe. Tinha, talvez, suas raízes no primeiro livro de poemas de Manuel Bandeira – Carnaval, e a primeira exposição de pintura de Anita Malfati. Ao lado disto, em 1916, em Belém do Pará, circulou uma revista literária – Ephemeris, dirigida por Lucídio Freitas e Tito Franco, e que revelou ao Brasil a poesia de Verhaeren, que foi precursora incontestável do movimento modernista, pela sua orientação e pela sua feição. (...)
A mesma Careta, edição de fevereiro de 1954, página 14, na coluna Um Sorriso Para Todos, assinado por Sir I (pseudônimo de Peregrino Júnior), edita: Passei este final de semana em Vera Cruz escutando o rumor das águas claras do Rio Sant’Ana e lendo um grande livro de poemas: Opus 7, de Martins Napoleão. (...) Conheço este poeta há cerca de quarenta anos – e há quarenta anos o estimo e o admiro. O nosso encontrou deu-se quando iniciamos a vida em Belém do Pará. Osvaldo Orico, Martins Napoleão e eu – frequentando o Ginásio Paes de Carvalho e as revistas literárias da época. Éramos como três irmãos identificados na serena fraternidade das inquietações, dos sonhos e dos projetos. Lucídio Freitas – o poeta que centralizava em Belém a admiração das novas gerações – animava-nos com a sua simpatia. E, embora sem credenciais para aparecer nas páginas ilustres de Ephemeris, nem nas colunas austeras do Folha do Norte ou do Estado do Pará, publicava a nossa literaturazinha na Guajarina, e isto nos encantava. Gravitávamos, assim, em volta dos ídolos literários da época: Lucídio Freitas, Tito Franco, Raimundo Morais, Alves de Souza, Dejard de Mendonça, Severino Silva, Angione Costa, Paulo Maranhão ... E no meu Jardim de Melancia – nome pomposo e romântico de uma pobre mansarda da Rua Manoel Barata, passamos horas e horas, todos os dias, após a sesta, a discutir literatura, a debater ideias e livros do momento e analisar pessoas e coisas. Foi nestes encontros que aprendi a amar o velho Machado e os poetas Verhaeren e Verlaine e conheci o Carnaval, de Manuel Bandeira. Que longos e inquietos debates, os nossos! E que planos, que ambições, que sonhos! (...)

*****

Lucídio Freitas teve intensa e brilhante atividade jornalística no Piauí, no Pará e diversas partes do Brasil. No Piauí, colaborando com os jornais A Notícia, Diário do Piauí, O Norte, e O Piauí. No Pará, com o jornal o Estado do Pará, a revista Guajarina e outros. No Rio de Janeiro, com a revista Fon-Fon.
Além de Alexandrinos (1912), em parceria com o seu irmão Alcides Freitas, e Vida Obscura (1917), publicou, no campo do Direito, Questões Processuais.
Espírito inquieto, era um homem além do tempo. É necessário que se faça estudos com olhos mais abertos sobre Lucídio Freitas e suas produções literárias. Quem se habilita?
  

Kenard Kruel* Jornalista e escritor.
   
Um pouco da poesia de Lucídio Freitas

O Incêndio

O ar queima, o vento queima, a terra queima e abrasa.
Ondas rubras de Sol batem fortes na areia...
No espaço nem sequer um leve ruflo de asa,
Passa aos beijos do Sol que fustiga e esbraseia.

Fogo de um lado e de outro e o vento o incêndio ateia,
Da planície a fazer vasto lençol de brasa;
E o fogo sobe e desce, e volta, e mais se alteia,
E abraça e beija, e morde a ossatura da casa.

Nisto um grande rumor pela terra se escuta.
Braços abertos no ar, soluçando, o Castelo,
Se desmorona, enfim, depois de estranha luta.

Velho Castelo Real! Ó sombra de outra idade!...
Lembras hoje, depois desse horrível flagelo,
As ruínas de Sol no poente da Saudade!... 

Teresina apagou-se

Teresina apagou-se na distância,
Ficou longe de mim, adormecida,
Guardando a alma de sol da minha infância
E o minuto melhor da minha vida.

E eu sigo, e eu vou para a perpétua lida.
Espera-me, distante, uma outra estância...
É a parada da luta indefinida,
É a minha febre, minha dor, minha ânsia...

Como são infinitos os caminhos!
E como agora estou tão diferente,
Carregado de angústias e de espinhos!...

Tudo me desconhece. Ingrata é a terra.
O céu é feio. E eu sigo para a frente
Como quem vai seguindo para a guerra... 

Perscrutadoramente

Perscrutadoramente os olhos ponho
No que fui, no que sou, no que hei de ser,
E alucinado dentro do meu sonho
Sinto a inutilidade do nascer.

Minha origem componho e recomponho.
Venho do berço ao túmulo... viver
Um instante só, e após, ermo e tristonho,
Sob o ventre da terra apodrecer.

Homem - parcela humilde, humilde e obscura,
Que anda perdida e desapercebida
Buscando os vermes de uma sepultura -

O que foste? O que és? Para onde vais?
Esta angústia maldita da tua vida
Foi a maldita angústia dos teus Pais! 

A Meu Pai

Esqueço todo bem que, em minha estrada,
Prodigamente, como um Deus, semeio,
Fazendo meu o sofrimento alheio,
Amparando toda alma abandonada.

Quantas e quantas vezes tenho em meio
Da vida, dentro a noite erma e gelada,
Confortado a velhice desgraçada
Na mornidão amiga do meu seio!

Para servir aos meus irmãos padeço
E dou-lhes a água e o pão, o teto e o leito
E o beijo que consola e que bendiz...

Mas todo bem que faço logo esqueço
Para guardar apenas no meu peito,
A saudade de um bem que eu nunca fiz...

2 comentários:

Airton Sampaio disse...

Sem querer inticar, mas já inticando, é preciso saber se o "grande incentivador de valores novos" atribuído a Coelho Neto se refere apenas à idade. Porque Coelho Neto, segundo Oswald de Andrade, era, esteticamente, Coelho Avô. Ou seja, Coelho Neto era a cara encarnada e esculpida do ranço acadêmico ou, se preferirem a vox populi, a cara cagada e cuspida. É o que dá escrever sem precisão...

EMERSON ARAÚJO disse...

Eu instigo, este Coelho Neto nunca foi incentivador de valores novos, pelo contrário, sempre respirou a velharia acadêmica dos sapos-tanoeiros de então. É preciso, neste momento, pesquisar mais sobre a velharia acadêmica do início do Século XX que ficaram ainda por muitos anos na trincheira de todos os conservadorismos: estéticos ou não, enquanto o mundo rodava na sua máquina de progresso e luz.