quinta-feira, 21 de abril de 2016

João Luís Ferreira e Lima Barreto: amizade e dedicatória de Triste fim de Policarpo Quaresma


João Luís Ferreira, filho de Gabriel Luís Ferreira e de Maria Benedita Cândida da Conceição Pacheco, nasceu em Teresina, a 23 de abril de 1881. Fez o primário e os preparatórios na Capital. Transferindo-se com seu pai para o Rio de Janeiro, matriculou-se na Escola Politécnica, onde se diplomou como engenheiro civil em 1901, tendo entre seus colegas de turma o escritor Lima Barreto.
Anos depois, já governador do Piauí, conhecedor da situação precária de Lima Barreto, convidou o amigo para dirigir a Imprensa Oficial do Estado.
O psiquiatra piauiense Edmar Oliveira, residente no Rio de Janeiro, escreveu sobre o assunto: “João Luís Ferreira é um nome muito conhecido dos piauienses. Quem já foi a Teresina certamente cruzou a praça que leva seu nome, no centro da cidade. A ponte metálica, símbolo da capital e que primeiro ligou firmemente o Piauí ao Maranhão também tem o nome de João Luís Ferreira. E a gente aprendeu, nos livros de história do Piauí, que João Luís foi um governador moderno, da época em que os primeiros automóveis chegaram a Teresina e foi um dos responsáveis pela ligação ferroviária entre Teresina e São Luís do Maranhão. A estrada é toda no Maranhão e terminava em Timon, cidade vizinha a Teresina, separada pelo Rio Parnaíba.
No governo de João Luís os passageiros atravessavam o rio em canoas para pegar o trem no Maranhão. Mas o governador do Piauí muito fez pela construção da estrada de ferro, conseguindo verbas federais. A ponte da amizade, primeira ligação entre os dois estados foi construída em 1939 e batizada com o nome de João Luís, que só então fez, de fato, a ligação entre as duas capitais, idealizada no seu governo. Seu mandato ocorreu entre os anos de 1920 e 1924. Em 1922 mudou a sede do governo para a Chácara do Karnak, palácio do governo até hoje. E neste ano morreu Afonso Henriques de Lima Barreto.
O destino fez o caminho destes dois homens, tão diferentes, cruzar a linha da vida, o que poderia ter mudado a História, esta senhora que no futuro parece tão segura de si e inevitável, e que é a mesma dama em que no passado qualquer acaso poderia ter mudado seu semblante. Se tentarmos brincar com as conjecturas do passado, podemos ver na dona História uma cara que não reconheceríamos. Isto é só para entendermos que os acontecimentos que acreditamos no presente podem não ter qualquer traço no semblante da dona História no futuro, o que de certa forma é desesperador para nossa fluida existência...
Pois bem, o que tem então de encontro entre estes dois homens de destinos tão diferentes? João Luís, filho da elite do coronelismo piauiense, veio estudar no Rio de Janeiro no início do século XX na Escola Politécnica, preparatório para o curso superior de Engenharia. Lima Barreto, mulato suburbano carioca – que teve como padrinho de adolescência o Visconde do Ouro Preto – foi impulsionado à escolaridade de elite. Mas antes de terminar os estudos preparatórios teve que sair do sonho das elites para mergulhar na dura realidade da pobreza. Com a loucura do pai, Lima larga os estudos por um emprego humilde, para ajudar no sustento da família. E numa realidade que o distanciava dos sonhos foi tragado pela loucura, mergulhando no alcoolismo para poder continuar a sonhar. E se retira da vida aos 41 anos. Sua intensa e obstinada produção literária, não percebida em vida, faz a dona História reconhecer os traços limabarretianos na história da Cultura brasileira. O governador do Piauí, vitorioso em vida, é esquecido por dona História, que só se lembra dele por uma ponte e uma praça em Teresina...
Por certo, estes dois homens tão diferentes tiveram um encontro de profunda amizade em vida. É para João Luís que Lima Barreto dedica O Triste fim de Policarpo Quaresma, romance que faz certo sucesso quando da publicação em 1915. Se formos ao Policarpo podemos ver a dedicatória ao amigo, um jovem rico do Piauí, mas um ilustre desconhecido no Rio e que só complicaria a passagem do romance do Lima junto à elite literária carioca. Mas no episódio podemos ver o desprezo do Lima para concessões aos poderosos e a valorização da amizade em uma obra que poderia representar seu passaporte na literatura. 
Lima Barreto. 1914. Primeira internação.

Saindo da Escola Politécnica para as ruas, Lima Barreto mergulha na pobreza, na decadência, na loucura, sendo internado como indigente no Hospício da Praia Vermelha. Enquanto descia na escala social, João Luís subia. Concluiu os estudos preparatórios, o curso superior, retornou ao estado nordestino e em 1920 era o governador do Piauí.

Lima Barreto. 1919. última Internação.

E não esquecendo daquele amigo de juventude, que lhe dedicara um romance, escreve a Lima Barreto, oferecendo um emprego de diretor da Imprensa Oficial do Estado do Piauí. Lima Barreto, recusando o emprego, fez o Piauí perder muito no cenário literário. Ou talvez não, pois dona História podia ter resolvido não carregá-lo para o futuro, se tivesse ido para o Nordeste e não fosse imolado no Rio. A dona História gosta por demais de reconhecer a tragédia como mérito no futuro...
O certo é que Afonso Henriques nem respondeu a proposta e se deixou tragar pela escuridão da tragédia. Talvez num gesto orgulhoso por achar ser um ato de caridade do piauiense, que o procurou quando estava na miséria. Mas também porque não podia se afastar da sua cidade, do seu subúrbio, do seu mundo, mesmo que sucumbindo as agruras do cotidiano já próximo ao fim. Talvez ele tenha sorrido e pensado antes de morrer em Todos os Santos: “- Já fiz o que podia ter feito. O resto é com a dona História...”

6 comentários:

Rubens Antonio disse...

Por favor. Qual fonte desta imagem de João Luís Ferreira ?

Kenard Kruel disse...

Foto conseguida por dona genu moraes, então chefe do cerimonial do governo do estado do piauí, com a família de joão luís ferreira. encontra-se exposta na galeria dos governadores do Piauí, no Palácio de Karnak, sede do governo estadual.

Rubens Antonio disse...

muitíssimo grato, prezado... Isto é uma soma de raridades. Primeiramente, seu interesse em conseguir a imagem. Segundo, publicá-la. Terceiro lugar, atender solicitação de fornecimento de referências. Tenho pesquisado h´tanto tempo e as pessoas simplesmente desfazem-se de imagens e demais documentos. Responder um simples email, de cada 1000 enviados, um responde. Muito grato mesmo pela atenção. A Memória agradece. Se possível, poste um email seu, para contato, em caso de publicação do livro, o qual, por certo, receberá.

Rubens Antonio disse...

Aproveitando, estou à cata de uma imagem de Jacob Manoel Gayoso e Almendra, a mais jovem existente> Já mandei email para o máximo que consegui de instituições piauienses... Recebi só o silêncio, como resposta. Se o prezado tiver alguma ou souber como eu conseguir, por favor, meu mail: rubensantonio@gmail.com
.
Para conhecer algo do meu trabalho:
.
https://www.facebook.com/rubensantoniodasilvafilho/media_set?set=a.1136408749732751.1073741853.100000909118104&type=3
.
https://www.facebook.com/rubensantoniodasilvafilho/media_set?set=a.1285239898182968.1073741857.100000909118104&type=3
.
https://www.facebook.com/rubensantoniodasilvafilho/media_set?set=a.944860428887585.1073741844.100000909118104&type=3
.
https://www.facebook.com/rubensantoniodasilvafilho/media_set?set=a.483485158358450.109345.100000909118104&type=3
.
Grato

Kenard Kruel disse...

caríssimo amigo, por seu e-mail enviei algumas fotos do ex-governador jacob manoel gayoso e almendra. vou me interessar em conseguir mais, com menos idade, conforme solicitação sua. tenho cerca de umas dez mil fotos de pessoas e prédios antigos. disponibilizo sempre que me pedem, com os devidos créditos. quando não há crédito, vejo pelo menos a origem das fotos. estou à sua disposição. grato pelas palavras. kenard kruel.

Lucelia Maria Nogueira Ferreira disse...

Caríssimo fiquei encantada com essa história. Estou colhendo informações sobre o coronelismo no município de Inhuma-pi. O pai do João Luis Ferreira nasceu em uma fazenda aqui do município até hoje o casarão está de pé.