Luizão Paiva é um piauiense que rodou o mundo mostrando seu enorme talento como pianista. Tocando piano desde os seis anos de idade, Luizão Paiva, como é conhecido, descobriu a música através de sua avó, a maestrina Adalgisa Paiva, que foi aluna de Villa Lobos. Por insistência dela, o jovem talento foi viver em São Paulo, para estudar no Colégio Arquidiocesano, que tinha em sua grade curricular o ensino de música. Para atender a um desejo do pai, Luizão Paiva ainda estudou Engenharia até o terceiro ano, no Rio de Janeiro. Mas a paixão pela música falou mais alto, e sua escola se tornou a Escola de Música Pró-Arte, no Rio. Depois seguiu para os Estados Unidos, onde tornou-se Bacharel em "Professional Music" (composição, arranjo e performance), na Berklee College of Music, em Boston. Apresentou-se em vários jazz clubs e recebeu da Berklee College Of Music o prêmio "Lennie Johnson ", por mérito musical. Uma das primeiras composições de Luizão foi a trilha sonora de abertura da primeira versão da novela "Roque Santeiro", produzida pela TV Globo. Como instrumentista, trabalhou na peça "Gota d'Agua"com Chico Buarque e sob a direção de Dorival Caymmi. Trabalhou também com Bibi Ferreira na peça “Brasileiro: Profissão Esperança”. Tocou ainda com cantores importantes da MPB; entre eles, João Bosco, Nana Caymmi, Moraes Moreira, Carmem Costa, Nora Nei e Jamelão. Com a família Caymmi, fez temporada no "Blue Note", em New York e na Europa. Depois de trinta anos acompanhando cantores pelo mundo, Luizão Paiva voltou a Teresina, onde montou a Escola de Música Adalgisa Paiva, na UFPI. A EMAP é mantida através de convênio com a SEDUC – Secretária de Educação do Estado, e realiza o trabalho de formar músicos profissionais para o mercado. Antes de uma apresentação em Teresina, Luizão concedeu uma entrevista ao portal Medplan. Confira.
- De onde vem tão rica herança musical? Minha bisavó, mãe da minha avó, dona Alípia de Paiva, cantava muito bem. E havia minha avó, Adalgisa Paiva, que teve influência mais forte. Ela estudou com Villa Lobos, um dos maiores maestros que o Brasil já teve. Durante um ano e meio no Rio de Janeiro, ela fez um curso de música e trouxe seu aprendizado pra cá. Foi uma das pioneiras aqui no Piauí.
- Como foi sua introdução no mundo da música? Aprendi piano com a minha avó muito cedo, depois estudei no Colégio Arquidiocesano de São Paulo, com um mestre italiano. Fui para o Rio de Janeiro, pra Pró-Arte, em Laranjeiras. Lá eu era aluno do Homero Magalhães, Hélio Sena, e toda uma turma boa. Só “cabeção” da música do Rio. Comecei a ser profissional quatro anos depois, com 20 e poucos anos, quando já tocava em bares do Rio de Janeiro. Meu professor até brincava comigo quando eu chegava, meio tonto, nas aulas pela manhã, depois de ter tocado a noite inteira no bar. Daí eu tocava um Bach*, mas numa roupagem meio “jazzista”. Aí o professor chegava pra mim e perguntava “Vais tocar Bach como se fosses um pianista de Jazz?” Mas eu sou um pianista de Jazz, respondia eu. Fiquei um bom tempo no Rio, e foi aí que eu comecei a conhecer as pessoas certas.
- Antes de se profissionalizar na música o senhor ainda cursou Engenharia. Como foi largar esta formação para se aperfeiçoar musicalmente? Fiz Engenharia até o terceiro ano. Quando eu larguei foi uma confusão na minha casa. Meu pai era tabelião, me mantinha no Rio, e cortou a ajuda quando deixei o curso de engenharia. Minha mãe, então, passou a me apoiar, meio oculto, vendendo suas jóias e mandando a grana pra mim. Minha mãe é uma figura ! E também é musical. Toca piano e canta.
- E como se deu o seu ingresso no cenário internacional? Quando eu comecei a trabalhar e a aparecer tocando com músicos famosos, fui pros EUA, me graduei em Boston, na Berklee College of Music, onde fiz graduação em Música . Mas não aguentei ficar nos EUA muito tempo e voltei pro Brasil, porque estava cansado do estilo americano. Eu estava lá há uns três anos ininterruptos, e se eu não voltasse pro Brasil eu teria "pirado". Trabalhei muito, estudei, ganhei bolsa, etc. Isso porque eu tocava muito bem, o que dava nome à escola. Fiquei até os 31 anos por lá. Fui casado daqui, meu primeiro filho, Luizinho, nasceu em Boston. Então me separei, e ele foi com a mãe pra França. Depois ele veio para o Brasil, e morou 6 anos comigo. Aqui no Brasil eu continuei fazendo meu trabalho. E viajava o Brasil todo, Europa e EUA com grandes cantores.
- Dos lugares nos quais o sr. tocou, qual deles mais valorizava a sua música? O local que mais me jogou tapete vermelho foi a Alemanha, na Europa. Aqui no Brasil o músico é tipo um “peão”. Ele fica atrás e o cantor é quem leva os louros, é quem fica lá na frente. É quem ganha mais. O show é dele. A gente "acompanha". Mesmo assim, é uma experiência boa. Você conhece bastante gente. O Moraes Moreira, por exemplo - fiquei como parceiro dele. Fiz música com ele em novela e ele virou meu amigo. Todos eles viraram meus amigos. O Dorival Caymmi virou meu amigo; toquei com ele em Portugal, São Paulo, Rio de Janeiro. Na Alemanha cheguei a ser apresentado como o melhor pianista brasileiro.
- Dentre tantas apresentações pelo mundo, alguma foi mais marcante? Uma vez eu estava tocando em uma cidade alemã, no tempo em que era Alemanha Oriental. Era o dia do meu aniversário, e eu estava tocando com um amigo argentino, Tony, que era do grupo “Raízes da América”, e com um percussionista americano. Fizemos um som de primeira qualidade, e a platéia toda achou incrível. Então o Tony falou que era meu aniversário. Todo mundo cantou parabéns em alemão, e fizeram um brinde pra mim. Também já aconteceu nos EUA várias vezes de eu tocar em grupos de funk, na época que estavam começando os grupos de funk americano, compostos só por negros. Eles não chamavam nenhum branco pra tocar. Quando me conheceram, passaram e me chamar. Eu toquei com eles e pediam pra fazer “aquele som do nordeste do Brasil...aquele baião”. Daí, juntavam com a música deles e era uma loucura. Eu toco jazz com as minhas influências brasileiras, e isso agradava muito.
- E de tantos estilos com os quais o sr. já teve contato, qual lhe agrada mais a ponto de escolher pra tocar pro resto da vida? Cada um tem sua área. Eu sou “jazzista”, um “jazzman”. Agora, eu toco com todas as minhas influências brasileiras, como eu disse. Eu fiquei seis anos no Conservatório de Roterdã, na Holanda, pra ensinar “brazilian jazz” pra eles. O conservatório me contratava. Eu ia todo ano, passava 6 meses na Europa e 6 meses no Brasil. E eles aprendiam muito, assimilavam. Eu falava em português misturando espanhol e inglês na Holanda. E eles entendiam tudo e gostavam dessa mistura. Nas aulas tinha muita gente, mais de 30 alunos; e era divertido, porque além da música, havia o intercâmbio cultural.
- Como foi o retorno ao Piauí? Eu estava no Rio, casei novamente e tive outro filho. Nessa época, o Rio estava em uma “entre safra” musical. Aí eu pensei: por que não o Piauí? Eu já rodei o mundo, já toquei em tanto lugar: Europa, América do Norte...Pensei, então: por que não fazer um trabalho no Piauí? Por que essa discriminação? Então eu vou! Aí eu vim pra cá, e fui convidado pelo então senador Alberto Silva. Ele me chamou pra fazer um projeto pra UFPI junto com ele. Montamos, e hoje está aí, a Escola de Música Adalgisa Paiva, que foi um projeto meu e do senador Alberto Silva. Projeto consolidado que está formando bons músicos. A Emap é uma escola muito boa. Não conheço nenhuma igual no que ela se propõe a fazer, que é colocar músicos no mercado.
- O mundo da música é competitivo? É competitivo numa boa, mas depende do lugar. Existem certos lugares em que o músico derruba o outro. Aqui no Piauí tem um pouco disso. Agora em outros lugares como na Europa, o cara vê outro tocando muito bem, vai pra casa e estuda pra tocar ainda melhor. A competição é assim, muito saudável. Nos locais culturalmente mais pobres, onde a influência do governo, a política, é muito forte, isso é utilizado para derrubar o outro. No Brasil, o músico ganha um vigésimo ou menos do que o cantor, e isso também é prejudicial.
- O que o sr. pensa sobre a produção musical atual, que vende produtos de qualidade duvidosa? Mediocrizou tudo. Antigamente, nas paradas de sucesso das rádios populares, tocava “Travessia” de Milton Nascimento, tocava Chico Buarque, Tom Jobim, dentre "as 10 mais". Olha a diferença pra hoje: umas músicas horrorosas que não têm nenhum sentido, paupérrimas musicalmente ! Você espreme e não tem nada. Agora o engraçado é que nos EUA também existe esse tipo de coisa, de produtos musicais enlatados. Mas eles dão valor também às outras coisas. Aqui no Brasil não. O Chico Buarque é considerado velho. O cara é um artista, e artista não envelhece. O fator primordial para mudar isso é a educação. A educação é que é o grande fator de consciência. Difundir a música e transformá-la em História. Nos EUA o Frank Sinatra é um cara que é tema de teses científicas e aqui devia ser assim também. O Brasil ainda está muito atrasado culturalmente. E o Brasil precisa preservar sua cultura. Tem tanta gente que está esquecida por aí, como Pixinguinha e outros poetas geniais. A preservação da cultura musical deveria ser uma coisa geral, que começasse nas escolas, ensinando música de forma obrigatória. Na época em que estudei em São Paulo, no Arquidiocesano, eu tinha no currículo escolar, dentre outras matérias, a música, o latim, o francês,e o inglês.
- Quais são seus projetos para o futuro? Eu vim por causa da família. Estou no Piauí, mas estou aberto a fazer trabalhos fora. Vou ao Rio e a São Paulo. Talvez vá a Holanda produzir um disco da minha irmã, que mora lá e canta em bares. Se eu for, eu circulo e toco nos festivais. E outra coisa que eu desejo muito é poder escrever toda a minha obra. Está tudo digitalizado e são mais de 300 músicas, entre arranjos, composições jazzistas e composições pra orquestra. O que eu mais quero nesse momento é poder divulgar isso. Poder levar isso pra Europa quando eu for, e apresentar, pra ninguém dizer que eu deixei uma obra, mas sim que a fiz e apresentei em vida.
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