Não sei como tia Elvira conheceu e casou-se com o tio Antonino Freire da Silva, que primeiramente se chamou Antonino Rodrigues da Silva. Não sei também a razão dessa mudança de nome.
Contavam muito no casarão que vovô Helvídio tinha uma implicância com tio Antonino Freire porque ele era preto e, em razão disso, quase não consente o casamento dele com tia EIvira. E que por conta disso, tio Antonino Freire, quando governador, mandava pagar os desembargadores no Tribunal de Justiça, menos o vovô Helvídio, que deveria receber em suas mãos, no Palácio de Governo. Diziam que vovô Helvídio, um homem muito rico, que não precisava do dinheiro do Tribunal de Justiça, nunca deu esse gosto ao tio Antonino Freire. Só depois que este saiu do governo foi que ele recebeu todos os atrasados.
Diziam, ainda, que para não contrariar o marido, vovó Genu ia conversar com tia EIvira no adro da Igreja de São Benedito. Tia Elvira não ia à casa de vovô Helvídio por conta dessa implicância.
Nunca dei crédito a isso. Primeiro, porque vovô Helvídio sempre foi muito liberal. Segundo, porque o tio Antonino Freire jamais faria uma coisa dessas de humilhar vovô Helvídio, mesmo porque tia Elvira não deixaria que isso acontecesse com o pai dela, a quem tanto amava. Além do mais, tio Antonino Freire era poeta, culto e educado, jamais se rebaixaria a isso. Não era do nível dele.
Para se ter uma ideia do respeito que o tio Antonino Freire devotava ao sogro, um dia, Nair, filha dele, que estudava no Colégio das Irmãs, chegou na casa dela com uma cesta de frutas e disse: “isso aqui foi o velho Helvídio quem mandou!” Aí, tio Antonino Freire, na mesma hora, a repreendeu: “se a senhora não quiser chamá-lo de avô, chame-o de desembargador, porque ele é um homem digno, merece o respeito de todos nós.” Talvez vovô Helvídio implicasse com o tio Antonino Freire porque ele era tido como um dom Juan, gostava muito de flertar as pequenas. Falavam aqui, no casarão, que ele tinha várias amantes no Rio de Janeiro. Adorava as francesas. Um dia tio Antonino Freire trouxe do Rio de Janeiro um vidro de perfume francês para tia Elvira, que disse a ele: “outro vidro de perfume francês, meu senhor! Aquele que o senhor me trouxe no ano passado eu ainda nem abri!” Tio Antonino Freire replicou, com graça: “Ora, se uma francesa ouvisse uma coisa dessas, dava o maior chilique.”
Tio Antonino Freire tinha um gesto todo seu de refletir um problema, de tomar uma decisão importante. Sentava-se, cruzava os dedos, girando os polegares, um sobre o outro. Fisicamente era fraco, de baixa estatura, mal se firmando nas pernas. Mas, politicamente, era forte, todo cérebro - inteligência e energia. Ao traçar uma campanha política, doava-se de corpo e alma em sua defesa e em defesa dos amigos, recebendo, muitas vezes, a ingratidão como pagamento.
Tio Antonino Freire era filho do capitão Francisco Rodrigues da Silva e de Carolina Freire da Silva. Nasceu em Amarante, na terça-feira do dia 10 de maio de 1876. O seu batismo se deu no dia 21 de agosto do mesmo ano. Os padrinhos Raimundo Dias da Silva e Joaquim Antônio Freire, ausentes, foram representados por Felecíssimo José Viana e Antônio Felício de Almeida Cavalcante.
Desde os primeiros estudos em Amarante, só tirava as primeiras notas. Quando o capitão Francisco Rodrigues da Silva morreu, a mãe, pressentindo as dificuldades que iria encontrar para educar os filhos -João, Antonino e Maria Isabel - naquela cidade, mudou-se para a Capital. Aqui, cursou o Liceu Piauiense. Em 1887, aos 11 anos de idade, passou pela mesa de Português, da qual fazia parte Teodoro Alves Pacheco. Em 1889, mostrou seus conhecimentos em Francês, tendo como examinadores Simplício Coelho de Resende e Augusto Colin da Silva Rios. Depois, prestou exames de Aritmética, Inglês, Geografia e História. Ao tempo destas últimas, o Dr. João Gabriel Baptista era o Comissário Federal da Instrução Pública. Terminou os preparatórios em novembro de 1893. De talento notável para as línguas e Matemática.
Estudou na Bahia. Em 10 de abril de 1894, seguiu para o Rio, matriculando-se na Escola Politécnica - situada no Largo de São Francisco de Paula, ocupando o primeiro prédio construído no Brasil, para abrigar uma instituição de ensino superior. Formou-se em Engenharia civil em abril de 1899. Ele era grato ao irmão João porque foi ele quem cuidou de sua educação. João foi para o Amazonas em busca de riqueza da borracha, fez fortuna e retornou de bolso cheio.
Naquele tempo, estudar fora representava ter dinheiro, porque tudo era muito caro. Os estudantes ficavam em república. Havia o aluguel, alimentação, locomoção, livros e as farras também! Acho que veio desse tempo o seu gosto pela vida desregrada.
A partir de junho de 1899, quando publicou a comunicação de sua graduação em Engenharia, nas edições dos dias 23, 24 e 25 do Jornal do Commércio, do Rio, passou a usar Antonino Freire da Silva e não mais Rodrigues da Silva. Em agosto, aos 23 anos de idade, regressou a Teresina. Neste ano, o Intendente Antônio Gonçalves Pedreira Portelada baixou Resolução exigindo planta para a construção de qualquer prédio na cidade. Não demorou muito para tio Antonino Freire dar início à modificação da fisionomia de várias edificações localizadas em Teresina, demolindo-as para refazê-las sob técnicas corretas. Como ocorreu com a sede da própria Intendência, na esquina da Rua Firmino Pires, na Praça Marechal Deodoro, comprada do Estado, quando era Intendente Benjamin de Sousa Martins, em 1901, por 31 contos de réis, com inauguraçõ em 1903, com festas. A mobília da Intendência veio toda da Europa. Da Áustria, naturalmente. O prédio serviu, mais tarde, de palco para a reunião de fundação da Academia Piauiense de Letras, em 1917, no governo de papai (1916 - 1920).
Em 1902, com Miguel Rosa e Abdias Neves, tio Antonino Freire fundou a Pátria, jornal de caprichada paginação e com um seleto corpo de colaboradores na sua redação, abrangendo os maiores nomes das letras à época: Areolino de Abreu, Clodoaldo Freitas, Gabriel Luís Ferreira e Félix Pacheco. Em seu bojo ficaram impressas as melhores páginas literárias de Abdias Neves, tanto em prosa quanto em versos.
Nesse ano se dá o início da participação de tio Antonino Freire na vida pública do Piauí, ocupando o cargo de diretor de Obras Públicas, Terras e Colonização, na administração de Dr. Arlindo Nogueira, prosse- guindo no mesmo posto no governo seguinte de Dr. Álvaro Mendes, ambos seus irmãos maçons.
Ainda em 1902, tio Antonino Freire realizou uma das principais intervenções na estrutura predial da capital, atendendo ao convite, irrecusável, do delegado fiscal Luiz Lucas Castelo Branco, para melhorar a sede da Delegacia, órgão federal. Por melhoria entenda-se quase a sua reconstrução, conforme planta desenhada no Rio, transformando um prédio decrépito num palácio suntuoso, inaugurado em 1905, e que anos depois abrigou a Justiça Federal. Este e o prédio da Intendência eram vizinhos, separados apenas pela Rua Firmino Pires.
Tio Antonino Freire foi o primeiro engenheiro formado a se encarregar da edificação de casas no Piauí, pois até então este trabalho era relegado aos mestre de obras. Além de melhorar todos os prédios públicos da capital, organizou, após demorada pesquisa nos arquivos da Secretaria de Governo, da Assembleia Legislativa e da Secretaria da Fazenda, o arquivo das Obras Públicas. Preparou o Catálogo das Sesmarias do Piauí. Dotou Teresina de serviço de água encanada, até então inexistente.
Paralelo a estas atividades, tio Antonino Freire lecionava Matemática e História Natural no Liceu Piauiense. Naquele educandário, muito querido pelos colegas e, principalmente, pelos alunos, exerceu a direção, com competência e zelo.
O rigor profissional com que exercia suas atividades levou o seu nome além das fronteiras do Piauí, chegando a receber diversos convites para trabalhar em outros Estados. Um deles, para exercer importan-te cargo na Estrada de Ferro do Maranhão, onde o salário seria o triplo do que recebia no governo piauiense. A todos disse não.
A recusa tinha um motivo forte demais para afastá-lo do Piauí, que atendia pelo nome tia Elvira Rosa de Aguiar. O casamento não tardou, tio Antonino e tia Elvira tiveram filhos, dos quais apenas quatro sobreviveram: Godofredo, em gratidão ao cunhado e um dos seus melhores amigos desde os tempos da Politécnica do Rio de Janeiro, João, em lembrança ao irmão, e Carolina (Caluzinha), em homenagem à mãe.
Em 1903, o Almanaque da Parnaíba, editado naquela cidade, publi-cou os artigos baseados nos estudos de tio Antonino Freire sobre a Mineralogia piauiense. Esses artigos serviram de referência para o livro As Minas do Brasil e sua Legislação, publicado em 1905, por João Calógeras - engenheiro e geólogo, o primeiro civil a ocupar o Ministério da Guerra, no governo Epitácio Pessoa (1919 a 1922). E isso causou um sério problema ao presidente em sua administração.
Em 1907, publicou Limites entre os Estados do Piauí e Maranhão, uma espécie de contraditório ao trabalho de Justo Jansen, que defendia a posse do Delta para o Maranhão no livro A Barra de Tutoia (1903).
Tio Antonino Freire foi eleito vice-governador na chapa encabeçada por Anísio de Abreu, para o mandato de 1o de julho de 1908 a 1o de julho de 1912. Por não ser remunerado como vice-governador, passou a acumular o cargo de diretor das Obras Públicas, que já vinha exercendo desde o governo de Arlindo Nogueira. Tornou-se, então, o servidor público de maior remuneração do Poder Executivo depois do governador.
Enquanto os secretários de Governo, de Fazenda e o chefe de Polícia recebiam seis contos de réis, ele recebia um conto a mais.
Ainda em 1908, iniciou a construção do prédio do Asylo de Alienados, na Praça de Marte, e do novo edifício da Assembleia Legislativa, na Praça Deodoro.
Agravando-se o estado de saúde de Anísio de Abreu, tio Antonino Freire assumiu as funções de governador, no período de 6 de agosto de 1908 a 15 de janeiro de 1909, dando prosseguimento ao plano de governo do titular. Reassumindo o governo em janeiro, Anísio de Abreu morreu em 5 de dezembro de 1909.
Tio Antonino Freire deveria ter assumido o cargo, como era de se esperar, mas alegou estar doente e pediu licença para tratamento de saúde, passando à chefia do Executivo ao coronel Manoel Raimundo da Paz, presidente da Assembléia Legislativa. Este, no dia 6 de dezembro, invocando o Decreto n0 425, de 10 de fevereiro daquele ano, convocou os deputados para uma sessão extraordinária, em que ficou determinado que se faria eleição para completar o quadriênio de Anísio de Abreu.
Tio Antonino Freire não queria ficar impedido de pleitear a eleição a fim de completar o quatriênio, isso porque a Constituição da época rezava que podia eleger-se governador o vice-governador que não tivesse assumido o governo depois do primeiro biênio. Apesar de violenta oposição por conta da briga entre o governo e a maçonaria, ele se candidatou e, sem competidor, torna-se governador, tendo como vice o coronel Manoel Raimundo da Paz. A posse se deu em 15 de março de 1910 (com mandato até o dia 1° de julho de 1912).
Tio Antonino Freire formou sua equipe de governo com Matias Olímpio de Melo (Governo), sucedido por Daniel Paz, João Augusto Rosa (Fazenda), sucedido por Coriolano de Castro Lima, José Pires Rebelo (diretor de Obras Públicas e lente do Liceu Piauiense), José Euclídes de Miranda (chefe de Polícia), sucedido por João da Silva Santos, e, a partir de 1912, por Luiz de Moraes Correia, e Antônio Ribeiro Gonçalves (diretor do Hospital da Santa Casa e lente de francês e alemão do Liceu Piauiense e de francês da Escola Normal).
Em 1910 ainda, tio Antonino Freire estreou como jornalista colaborando em O Nortista e A Luz, ambos ligados à maçonaria. Ele era ligado à loja Caridade II, fundada em 29 de outubro de 1858, com a presença de maçons maranhenses da Loja Humanidade e Concórdia.
Eram membros da loja, entre outros, Higino Cunha, Abdias Neves, Clodoaldo Freitas, Matias Olímpio de Melo, Jônatas Batista, Manoel Raimundo da Paz, Miguel Rosa, João Gabriel Baptista, Augusto Colin Rios, Álvaro Mendes, Honório Portela Parentes, Gabriel Ferreira, Silval de Castro, Arlindo Nogueira e Gonçalo de Castro Cavalcanti.
Mas, no governo, tio Antonino Freire mandou sustar, na imprensa, qualquer referência que de leve pudesse melindrar dom Joaquim de Almeida, que, ameaçado de deposição e expulsão e adoentado, foi convalescer na quinta suburbana do Pirajá (onde hoje funciona a UESPI - Universidade Estadual do Piauí), propriedade estatal, onde o governador lhe fez várias visitas de cortesia.
Nesses encontros, o bispo fica convencido de que a luta religiosa contra o governo era de responsabilidade de mons. Joaquim Oliveira Lopes. Dom Joaquim de Almeida passou, então, a escrever uma série de artigos intitulados Um heresiarca, em que mostrava a atitude anticristã do referido monsenhor. Os artigos, de próprio punho, eram enviados ao tio Antonino Freire ou ao secretário de Governo Dr. Matias Olímpio de Melo que, para ocultar-lhes a autoria, os copiava e os enviava para publicação no jornal Piauí, órgão do partido situacionista.
Dom Joaquim de Almeida, em carta pastoral denominada de “Carta de Despedida”, publicada em 24 de março de 1911, agradece o tio Antonino Freire pelo momento de harmonia nas relações entre o governo e a igreja: Leiamos: "Ao exmo. Sr. Dr. Antonino Freire da Silva, digníssimo governador do Estado, hipotecamos nossa eterna gratidão, não somente pelas boas relações que mantém conosco, mas também pelo prestigio e acatamento que dispensou à nossa autoridade, durante sua criteriosa e patriótica administração. Tratando da venda das fazendas da Santa de Piracuruca [...] Somos gratos ao exmo. Sr. Antonino Freire da Silva pelo muito que fez como homem de espírito conciliador e pacificador, em prol dos direitos da diocese, sem haver atritos de parte a parte."(HIGINO CUNHA, 1924:160-161)
Meses depois, cercado do prestígio do seu elevado sacerdócio, com grande acompanhamento popular, e a presença de tio Antonino Freire, dom Joaquim de Almeida seguiu para o Rio Grande do Norte, assumindo a Diocese em 15 de junho de 1911, onde permaneceu até 1915, afastando-se porque novamente a doença o abateu.
Cessada a animosidade com a Igreja, tio Antonino Freire começou a fazer, então, um governo de trabalho e ordem.
O Piauí, nessa época, estava com uma economia deficitária. Tendo o extrativismo como o seu principal alicerce econômico (os principais produtos eram a borracha de maniçoba, o algodão, a carnaúba, o gado), o Estado vivia com uma balança desequilibrada. A máquina administrativa ainda não estava consolidada.
Além dos problemas de ordem financeira, acumulavam-se também os conflitos políticos, localizados em municípios distantes, envolvendo famílias de caciques oligárquicos. Os grandes proprietários rurais comandavam a política no Piauí, assim como no Brasil.
A família piauiense estava intranquila. Corrente, Parnaguá, Gilbués e Santa Filomena, por exemplo, estavam invadidas pelas hordas de jagunços de Miguel Cavalcante e Abílio Araújo, que faziam depredações nas fazendas e infernizavam a vida daquelas populações.
Forças policiais foram mandadas contra eles, sob o comando do capitão Carlos de Oliveira. Mesmo diante desse quadro, ele não se intimidou. Já havia passado por sua administração e tivera a oportunidade de conhecer, mais agudamente, os problemas do Estado, os quais, agora, teria que enfrentar mais uma vez. Só que mais experiente.
O Piauí era um esboço mal traçado de Estado, contando com um território ainda desconhecido, com imensas fazendas nacionais entregues à inoperância dos coronéis latifundiários. Mapa não tinha, a não ser fragmentos; também não possuía bandeira, nem hino. Não obstante estes problemas e o espaço mínimo de dois anos e poucos meses de governo, ele deu grande impulso à administração, à educação e à cultura do Estado, promulgando cerca de 200 atos, entre leis e decretos.
A primeira lei assinada por tio Antonino Freire foi a n0 548, de 30 de março de 1910, e por ela se pôde auferir uma das grandes preocupações locais, e que viria a ser uma das tônicas da sua gestão - a Educação e Cultura. Com uma população de analfabetos que, de forma vergonhosa, montava números superiores a 90% dos habitantes do Estado, naquele ano, outro não poderia ou deveria ser o foco.
Historicamente problemática, a Educação pública era sempre objeto de análises sérias e profundas. Uma das mais angustiantes recordava que desde o início do povoamento do Piauí, em 1662, até 1822, ano da Independência, isto é, durante os seus primeiros 160 anos, nenhuma escola funcionou com regularidade no Piauí, ora por falta de professores, ora por falta de alunos. Nas áreas da Educação e da Cultura, reformou o ensino primário, que é a base da educação de todo indivíduo, oficializou a Escola Normal (hoje com o seu nome) e para ela e para o Liceu Piauiense pediu gabinete e laboratórios, presidiu a inauguração da Escola de Agrimensura e iniciou a construção de um grupo escolar em Amarante. Como laboratório da reforma de ensino criou a Escola Modelo em Teresina. Solicitou autorização para criar uma biblioteca pública. Organizou, com a colaboração de Clodoaldo Freitas e de Matias Olímpio de Melo, o Arquivo Público do Estado. Instalou a Imprensa Oficial (COMEPI - extinta), em 24 de fevereiro de 1911, saindo nesse dia o primeiro número do órgão oficial. E de louvar as ações do governo Antonino Freire associadas à ecologia, ao conhecimento e à pesquisa climática, à preservação ambiental, adotadas num tempo onde essas preocupações eram incomuns.
Como exemplo, destacamos três delas:
Primeira - O Decreto NQ 444, de 16 de agosto de 1910, onde Antonino Freire determina uma série de providências em socorro às vítimas da seca daquele ano. O que é também elogiável no documento é o respeito ambiental, bastante avançado para a época da sua edição, que não descuidou dos impactos que tais interferências poderiam provocar no meio ambiente, além da preservação das matas e mananciais nativos, como podem ser citados:
(...) - Art. 27 • As barragens transversais, no leito dos cursos d’água têm por fim corrigir-lhes o regime torrencial e criar reservas d’água, captan-do-as para utilizá-las quando for preciso.
- Art. 28 • Essas barragens deverão ser acompanhadas da proteção das margens dos rios, já as guarnecendo pelos meios que a ciência e a experiência indicarem, já se proibindo a destruição das árvores marginais e outros obstáculos que impeçam corrosão das mesmas.
- Art. 35 • O Governo do Estado promoverá por todos os meios ao seu alcance a execução das medidas decretadas para a proteção e conservação dos cursos d’água que banham o seu território.
- Art. 36 • É proibido a qualquer pessoa, mesmo em terras que lhe pertençam, fazer roçados, queimar matas ou cortar árvores nas margens dos rios e mananciais do estado, até a distância de trinta metros para o interior, sob pena de multa de cinquenta a duzentos mil réis, dobrada na reincidência (art. 1s, da Lei n. 480).
§ 10 • Excetuam-se desta disposição os roçados ou derribadas indispensáveis para o estabelecimento de portos, edificação de prédios, construção de currais e outras benfeitorias que necessitarem os moradores ribeirinhos, contanto que os paus e ou madeiras não sejam lançados no leito dos rios ou nos mananciais, incidindo a contravenção na mesma penalidade acima estabelecida.
§ 20 • É vedada a cultura de vazantes nas margens dos rios navegáveis ou flutuáveis e daqueles de que os mesmo se fazem, se são caldeais que corram em todo tempo, incidindo os contraventores nas multas acima estabelecidas, além da perda e destruição do serviço feito.
- Art. 37 . São consideradas florestas protetoras as matas que circundam as nascentes dos rios, riachos, brejos e córregos e as margens dos lagos e lagoas.
- Art. 38 • O Governo do Estado velará pela conservação dessas matas, não consentindo que sejam devastadas ou destruídas, ainda mesmo que se achem sob a posse e domínio de particulares.
- Art. 39 • A limpeza dos lagos e lagoas do estado será feita anualmente, em época previamente fixada pelo governo estadual, de acordo com as municipalidades.
(...) - Art. 74 • Os proprietários que espontaneamente observarem o regime florestal, que este regulamento prescreve, bem como as instruções que, para completar nesta parte, forem expedidas, terão direito a prêmios na forma das seguintes disposições.
- Art. 75 • Os prêmios consistirão na cessão gratuita de terras públicas, cuja distribuição será assim regulada.
§ 10. O proprietário que se conformar com a notificação do governo, a que se referem os artigos 50 e 51 e que além disso cumprir na exploração das matas de suas terras, o regime aconselhado por este regulamento e pelas instruções que para isso forem expedidas, receberão uma área de terras devolutas, medida e demarcada, não excedendo, porém, o máximo de 25 hectares.
§ 20• Os proprietários que converterem campo, prado ou pastagem em floresta de pau-d’arco, aroeira, angico, angelim, cedro, açouta-cava-lo, gonçalo-alves, eucaliptos, mama de cachorro, violeta, faveira, pau-santo, tamarindeiro, imburana de cheiro, sapucarana, sucupira, sapucaia, pau-roxo, louro, oiti, maniçoba, maçaranduba, copaíba e joazeiro, receberão por um hectare de campo ou prado plantado, 5 hectares de terras de mato, ou 10 hectares das de campo, guardada essa proporção até o máximo de 100 hectares.
§ 30 • O proprietário que replantar os cortes e clareiras, receberá uma área de terras devolutas, até o limite de 50 hectares.
(...) - Art. 77 • Além dos prêmios mencionados no § 20 do artigo 75, os proprietários que transformarem campos, prados ou pastagem em florestas de joazeiro, de bambus, de camaratuba, de mandacaru e macambira, terão direito a um prêmio pecuniário, na razão seguinte: Por cem joazeiros de mais de quatro anos 100$000 réis
Por quinhentos joazeiros de mais de quatro anos 1:000$000 réis
Por mil joazeiros nas mesmas condições 2:500$000 réis
Por mil joazeiros nas mesmas condições 2:500$000 réis
Por cada 5 hectares regularmente plantados de bambu, camaratuba, mandacaru, ou macambira, com mais de um ano 250$000 réis
- Art. 78. Os proprietários que se dedicarem ao cultivo de variedades de cactos sem espinhos, receberão, além dos prêmios do § 2o do art. 75, um auxílio pecuniário, na razão de 1:000$000 réis por cada 3 hectares de terreno cultivado com indivíduos adultos.
Segunda - Ainda no bojo da lei anteriormente referendada, mas que merece consideração à parte, está a determinação que trata da instalação de estações meteorológicas, compreendendo estações de 1a e 2a classes, e termo pluviométricas, dotadas no mínimo dos seguintes instrumentos:
- Estações de 1a Classe: Barômetro de Mercúrio, Termômetro Normal, Termômetro de Mínima e de Máxima, Anemômetro, Pluviômetro, Psicrômetro, Evaporômetro, Cronômetro, Barógrafo, Anemógrafo, Heliógrafo.
- Estações de 2a Classe: Todos os instrumentos acima, menos os quatro últimos.
- Estações Termo Pluviométricas: Termômetro Padrão, Termômetro de Mínima e de Máxima, Pluviômetro e Evaporômetro.
Terceira - A criação do corpo de fiscais de florestas, através da Lei N0 664, de 21 de junho de 1912, em número de no mínimo um para cada município do Estado, a quem caberia a missão de fiscalizar, conservar e replantar as matas. A mesma lei tornava obrigatória nas escolas públicas estaduais, o estudo do conhecimento das árvores, sua utilidade, conservação e plantio.
Sem esquecer que as atividades da Diretoria de Obras foram flagrantemente privilegiadas quando ocorreu inclusive a alteração da sua denominação e o lastro das suas atribuições, com ressalto dos benefícios orçamentários. Deixava de ser “Repartição de Obras Públicas, Terras e Colonização” para ser Diretoria de Agricultura, Terras, Viação e Obras Públicas, que podia despender até dez contos de réis com a criação de novos serviços, pelo que ficou estabelecido na lei orçamentária para 1911. Para dar melhores condições de trabalho aos servidores, deu início à construção de uma nova sede para o órgão.
Tio Antonino Freire, empreendedor de pulso, levou sua administração a comunidades distantes através do prolongamento da rede telegráfica. Iniciou obras indispensáveis à instalação da luz elétrica em Teresina, deixando quase todo material necessário ao término do empreendimento, que foi substituindo, aos poucos, a iluminação à lamparina e candeeiro dentro das casas. Ampliou o abastecimento d’água da capital, por ele começado no governo de Álvaro Mendes. Aumentou o prédio do Fórum. Reformou a magistratura. Reorganizou a Polícia Militar do Piauí. Estudou, com afinco, as possibilidades de navegabilidade do Gurgueia, Uruçuí e Parnaibinha, conseguindo, com a tenacidade do coronel Manuel Tomaz de Oliveira, fazer a navegação do Alto Parnaíba. Criou a Vila de Miguel Alves. Conseguiu do Governo Federal a realização de várias obras no Piauí.
No dia 18 de maio de 1911, a Associação Comercial Piauiense festejou a assinatura de contrato entre o Governo Federal e o Governo Estadual para a construção de ramais ferroviários Teresina / Crateús (CE) e Campo Maior / Amarração (hoje Luiz Correia).
Na sua sucessão, tio Antonino Freire se fixou no nome do marido de sua prima Adelaide, Miguel Rosa, que passou a contar com o apoio dos “coronéis”, grandes proprietários rurais, comandados pelo senador Firmino Pires Ferreira. O seu secretariado em peso, discorda de sua indicação. E logo todos eles tiveram que deixar o Estado.
O Dr. Matias Olímpio de Melo (Governo), obteve nomeação de administrador dos Correios do Piauí (em 16 de novembro de 1911), deixando-o em 28 de abril de 1913, quando solicitou exoneração por ter assumido as funções de juiz municipal do 1o termo da comarca de Sena Madureira, no território do Acre, graças ao empenho do deputado federal Joaquim Pires Ferreira, irmão do marechal Firmino Pires Ferreira.
João da Silva Santos (chefe de Polícia) seguiu para o Rio de Janeiro, onde, pelo prestígio da família, cedo se colocou como tesoureiro da repartição geral dos Telégrafos.
O Dr. José Pires Rebelo (diretor de Obras Públicas e lente do Liceu Piauiense) obteve empreitada na estrada de ferro São Luís - Teresina.
O Dr. Antônio Ribeiro Gonçalves (diretor do Hospital da Santa Casa e lente de francês e alemão do Liceu Piauiense e de francês da Escola Normal) tornou-se clínico em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. No Piauí, das vozes discordantes, uma das poucas pessoas a ficar foi Carvalho Filho, que teve que comer o pão que o diabo amassou.
Na oposição, estavam os ricos comerciantes, liderados pelo deputado Joaquim Cruz, cuja família, envolvida pela onda de candidaturas militares por todo o país, resolveu indicar um candidato militar, fixando-se no nome do capitão Antônio de Arêa Leão.
Totó Rodrigues, líder de uma corrente no interior da coligação, preferiu o tenente-coronel Coriolano de Carvalho e Silva.
Uma outra ala lançou a candidatura de Odilo Costa.
Mas, a escolha recaiu mesmo sobre o tenente-coronel Coriolano de Carvalho e Silva, que tinha tudo para ser derrotado. Vejamos: sem contar com o presidente Hermes da Fonseca, perdeu o apoio de setores da própria coligação que o respaldava e, por fim, foi definido como candidato poucos dias antes do pleito.
Não deu outra, o candidato de tio Antonino Freire, Miguel Rosa, foi eleito governador num processo eleitoral bastante questionável.
Apesar de ter recebido grande “pisa” no sufrágio eleitoral, o tenente-coronel Coriolano de Carvalho e Silva não reconheceu a derrota. Como era por meio da Comissão de Poderes da Assembleia que se devia reconhecer a eleição do governador, surge, então, a duplicação da Assembleia Legislativa, fato comum durante a República Velha. Isso porque, uma parte dos deputados ficou com Miguel Rosa e outra parte com o tenente-coronel Coriolano de Carvalho e Silva. Este, que se encontrava no Rio de Janeiro, seguindo orientação dos que o apoiavam, se licenciou do Exército para tomar posse no governo do Piauí. Mandou avisar que no dia 18 de maio de 1912, chegaria a Parnaíba, de onde pegaria barco para Teresina, para cumprir seu objetivo.
Em Parnaíba, duas famílias se digladiavam: Os Moraes Correia, liderados por Jonas de Moraes Correia, apoiavam tio Antonino Freire e o seu candidato Miguel Rosa; os Veras lideravam a oposição, apoiando o tenente-coronel Coriolano de Carvalho e Silva. Os jagunços das duas famílias chegaram a trocar tiros.
A Companhia de Navegação Vapor do Rio Parnaíba ofereceu um dos seus barcos para o transporte do tenente-coronel Coriolano de Carvalho e Silva que, entrincheirado com fardos de algodão, considerável quantidade em armamentos e munições, ambulâncias para feridos e capangas armados até o dente, subiu o Rio Parnaíba rumo a Teresina, espalhando terror por onde passava.
O movimento de reação se fez presente por intermédio dos Batalhões Patrióticos, ou de Voluntários. Cada Batalhão tinha três companhias, sob comando do chefe político, que o organizava. Entre outros, foram constituídos os seguintes: Floriano, Batalhão Delenda Coriolano, comandado por Constantino de Moraes Correia; Parnaíba, Batalhão Coronel Osório, comandado por Jonas de Moraes Correia; Jaicós, Batalhão Coronel Mundoca Carvalho de Sousa; São João do Piauí, Batalhão Libertas, comandado por Honório Francisco dos Santos; Urucuí, Batalhão Coronel Antonino Freire, comandado por Abel José de Góis; e Barras, Batalhão Marechal Firmino Pires Ferreira, comandado por Luís Fernandes Filho. Os batalhões de Floriano e Jaicós vieram aquartelar-se em Teresina, sendo oficialmente, pelo Decreto nº 529, de 15 de maio de 1912, transformados no 2º Corpo de Polícia. O de São João do Piauí veio até Floriano, voltando dali, por ser desnecessário em Teresina.
Todos estavam, em suas justificativas, em defesa dos poderes locais, da ordem constituída e da autonomia do Piauí.
Em União, porém, o tenente-coronel Coriolano de Carvalho e Silva recebeu comunicado do Ministério da Guerra cassando sua licença, juntamente com uma ordem para retornar ao Rio de Janeiro.
O Governo Federal evitava assim, com essa manobra, o choque armado que se desenhava no Piauí.
O tenente-coronel Coriolano de Carvalho e Silva volta às suas atividades militares, onde chega ao generalato, falecendo, no Rio de Janeiro, em 9 de março de 1926.
Miguel Rosa tornou-se governador em 1° de julho de 1912, rompendo, em 9 de agosto de 1915, com o seu parente afim e protetor, o tio Antonino Freire, que passou a lhe fazer cerrada oposição.
Só um governador do Piauí apoiado por tio Antonino Freire lhe foi fiel até o fim, meu pai.
Tio Antonino Freire foi eleito deputado federal, em 20 de dezembro de 1913, para completar o mandato de Dr. João Henrique de Sousa Gayoso e Almendra, que falecera em 17 de setembro daquele ano, no Rio de Janeiro. Nas eleições de 1915, foi reeleito para mandato de 1915 a 1917. Em 1918, novamente conquistou cadeira na Câmara dos Deputados, com mandato até 1920.
Com o falecimento do senador Joaquim Ribeiro Gonçalves, em 24 de junho de 1919, realizou-se eleição, em 9 de outubro, para a sua vaga e tio Antonino Freire conseguiu se eleger, obtendo 4.706 votos. Reconhecido em 24 de novembro, de acordo com parecer n° 416, tomou posse em 26 de novembro, com mandato de 8 anos. Em seu lugar, na Câmara Federal, foi eleito o contra-almirante Armando César Burlamaqui, membro de uma das mais tradicionais famílias piauienses.
Em 1927, tio Antonino Freire volta à Câmara dos Deputados.
Na Câmara dos Deputados, tio Antonino Freire foi contemporâneo de João Cabral, Félix Pacheco, José Pires Rebelo, João Luís Ferreira, Armando César Burlamaqui e Antônio Ribeiro Gonçalves.
Em 1930, tio Antonino Freire elegeu-se senador na vaga deixada por José Pires Rebelo, com mandato de 9 anos. Houve, porém, o golpe de 1930 e Getúlio Vargas assumindo o poder, entre as primeiras medidas tomadas, suspendeu a Constituição de 1891, fechou o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais e indicou interventores militares (ligados ao Tenentismo) para chefiar os governos estaduais. Com isso, tio Antonino Freire e papai, que também era senador, voltaram para casa, com mandatos cassados.
Tio Antonino Freire foi um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí (23 de junho de 1918), entidade que recebeu todo o apoio de meu pai, na época governador do Estado. Atualmente presidido pelo professor da Universidade Federal do Piauí e também membro da Academia Piauiense de Letras Fonseca Neto.
Convidado para ingressar na Academia Piauiense de Letras, também criada no goveno de meu pai, em 30 de dezembro de 1917 (embora já tivesse havido tentativa em 1901), tio Antonino Freire declinou dizendo que não merecia tal honraria. Tornou-se, contudo, patrono da cadeira n0 32 da Academia Piauiense de Letras e da cadeira nQ 2 da Academia de Letras do Médio Parnaíba.
Tio Antonino Freire publicou: Limites entre o Estado do Piauí e do Maranhão (1907) e Limites do Piauí (1921). Além do jornal A Pátria, fundou A Imprensa. Dirigiu o jornal Habeas Corpus. Colaborou com O Nortista, Cidade de Teresina e com O Piauí.
Tio Antonino Freire faleceu, aos 58 anos de idade, em Teresina, em 15 de setembro de 1934, num sábado que ficou triste e mudo. Ele não teve direito à extrema unção, prontamente negada pelas autoridades católicas, sob a alegação de ter siso ele durante toda a sua vida um notável anticlerical. Os anticlericais atacavam a Igreja Católica porque ela pretendia o controle da imprensa; a intervenção na vida político-partidária; a tutela do ensino; sempre como forma de castrar a liberdade de pensamento, impedindo a liberdade de expressão seja pela fala, seja pela escrita. A instituição eclesiástica era acusada de ser inimiga do progresso, da civilização. E, como eles atuavam em todos os setores da vida social e política do Piauí, logo suas ideias se espalharam provocando um dos conflitos mais ruidosos entre a Igreja e Maçonaria no final do século XIX e início do século XX no Piauí.
Miguel Rosa (1876-1929), livre-pensador e maçom, em 1909, como Diretor da Instrução Pública do Estado do Piauí, fez publicar, no jornal O Comércio, uma portaria que proibia o ensino religioso nas escolas. A atitude de Miguel Rosa provocou a indignação do bispo diocesano que, imediatamente, levou o fato ao conhecimento do governador do Estado, Anísio de Abreu (1862-1909). Este justificou-se diante do prelado, alegando desconhecimento do fato, o que era pouco provável, difícil acreditar, pois o governador apoiava as atitudes de Miguel Rosa, tornando-as irrevogáveis.
Tanto o governador quanto o diretor da Instrução Pública foram atacados por seu “ateísmo” e por violar a consciência dos cristãos, tal qual déspotas que pretendiam controlar o interior das casas de família como faziam com seus subordinados no governo.
A população piauiense foi convocada pela Igreja a reagir de forma enérgica contra os planos da Maçonaria e contra os atos tirânicos do governador, que tentava, segundo as autoridades eclesiais, a todo custo, amordaçar as consciências.
Mas, quem quiser se aprofundar mais no assunto, consultar a professora Áurea da Paz Pinheiro, com o seu excelente trabalho As tensões entre clericais e anticlericais no Piauí no início do século XX, de quem me servi para as informações acima.
Do livro Genu Moraes - a Mulher e o Tempo
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