quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

A terra prometida

Pedro Bial, quem diria, acabou no BBB.

Geovane Fernandes Monteiro

Desde antes e em publicações congêneres me autoconstruo, aos poucos, regenero-me bloco a bloco nos clowns emblemáticos do meu reality Show. Luz, som, sombra, cor em toda a vida rumo à vida toda. Estou sintonizado outra vez e as antenas hão de sobressaltar o que me sustenta sem que os braços capturem a força telespectadora dos sonhos de mim. O sonho tupiniquim no canal que se escolhe por culto ao Big Brother Brasil.

Meu horário nobre dispensa câmeras e microfones. “O que Deus ajuntou não o separe o homem”. Nem o zoom lento, quando me imito revela os segredos no roteiro que vou escrever. Panorâmicas na dramaturgia são cortes e retiradas de contextos, mas ainda hei de saber-me no próximo versículo. Meu público se representa; Quem não sabia deste “eu” que me devolvem. Se eu fosse os outros me seria, mas me sendo sou os outros sem mim. Digo, escreverei um papel no papel flagrante. A autobiografia no voyeurismo eletrônico traduz a página que ainda não foi aberta. Antes de ser aberta, estarei ausente de mim e esta ausência sou eu antigo. É meu merchandising entre a passagem de foco e o show da minha própria surpresa.

Estou confinado em mim televisivo e meus brothers pedem fogo, remédio, comida à tribuna cessar-fogo da interlocução. Mas um ataque deixou dois feridos e a ofensiva só tornou anônimos os grupos. Será preciso mais guerra santa. Mas os números diminuem tanto que serei o refúgio, ainda que, por hora, interino da própria sombra. Deus disse: “A vingança é minha”. Então serei obediente e não farei minha vontade, mas a do Senhor. Para ganhar o reino dos céus devo subtrair a última bagatela. Devo fazer-me pequeno como um menino. Devo conseguir a paciência de Jó e esquecer Caim. 

 Enquanto isso, distribuirei preces ao público fiel na superexposição das suas fraquezas. Arrecadarei de uma edição de imagens a que me libertará de um mero figurante no templo. Mas para isso terei que investir no mundo Fitness e lançar aos povos o arquétipo da vitória a traduzir a vida cotidiana na sua forma mais misericordiosa. Assim, no paredão não serei trocado por Barrabás. A banalização do mal em frases feitas só tem mostrado estar do lado errado da história. A história dos falsos profetas, dos famigerados pedintes, do autoflagelo. Não. Farei a vontade do Senhor na comunhão onipresente dos céus.

Penso na dramaturgia até perceber que ela é meu pensamento. Se o cálice for amargo, se eu morrer pela trama, não sei. É tarde para saber. De repente estou com Eva prestes a sermos expulsos do paraíso por um anjo ou um Judas. O BBB me tentou, mas Eva é quem há de herdar, no imaginário dos povos, o símbolo peçonhento do desafeto. Reescreverei um papel (Mudanças no roteiro que ainda não havia sido escrito). Nascido de uma geração que detém concessão pública não me posso assemelhar à ovelha negra da família. Na tragicomédia contemporânea enlaça-me autor, ator e personagem até o estado de teatro para não ferir a Santíssima trindade. Eis-me de novo Big Brother Brasil sem flagrantes de mim. Apenas a vida real reconstrói-se-me antes de queimar o filme. 

 Haverá perdão para o chato? Numa nota de rodapé valerá a lágrima num dia de pay-per-view? Estarei representando a mim, como uma cifra eventual? Serei um arquivo de que perderam a senha? Ou, antes, direi “Big Brother is watching you!” pela tangente rumo à terra prometida. Enquanto uns se lançam à fé de Daniel, outros perseguem os irmãos de José, mais uns procuram a pedra de Davi; Salomão na prova do anjo para Jacó... Até que tudo vire deserto, consolarei o Senhor no Horto das Oliveiras. Amém!

Geovane Fernandes Monteiro é professor, formado em Letras – Português – e pós-graduado em Linguística Aplicada. Escreve contos, contando com vários prêmios em concursos literários pelo Brasil. Seus contos integram , entre outras,a s antologias : Cabeças Pensantes, Contos Interessantes (Gráfica belacop, São Paulo, 2009), Meu filho cresceu (Porto Seguro, Bahia, 2010), A Presidiária (Porto Seguro, Bahia, 2010), 21º Concurso de contos Paulo Lemisnk (Toledo, Paraná, 2010), Pequenas Histórias, Grandes Emoções (São Paulo, 2010), Do fundo de nossa alma (Gráfica Belacop, São Paulo, 2010), Palavras sem Fronteiras (Paraíba, 2011). É colunista do Portal de literatura, portal Entre - textos (www.portalentretextos.com.br). Atualmente anda planejando publicação de seu livro de estreia, intitulado Paradeiro (contos).

Contato: gfernandesmonteiro@hotmail.com

Um comentário:

Anônimo disse...

Às vezes para um aspirante a autor ler um gênio como Geovane serve de inspiração, de modelo; outras vezes a pessoa se sente tão desimportante que desiste de si. Cuidado.