quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A novelística de Clodoaldo Freitas

Clodoaldo Freitas. Acervo da Academia Piauiense de Letras.

Airton Sampaio

DECEPÇÃO. É o que senti quando li três das cinco novelas de Clodoaldo Freitas (Teresina - PI, 1855 – 1924) em boa hora republicadas por Teresinha Queiroz em 2009, via Editora Ética, de Imperatriz, MA. Trata-se de Memórias de um velho (Teresina, Pátria, 1905 – 1906), Coisas da vida (São Luís, Diário do Maranhão, 1908-1909) e Por um sorriso (Teresina, Correio do Piauí, 1921), todas originalmente saídas em jornais, em forma de folhetim, o que até explica, mas não justifica, muitas das suas inconsistências. Ainda bem que existem, ao lado delas, o romance histórico O Bequimão (São Luís, 1908), e uma outra novela, Os bandoleiros (Belém, 1922), que elevam o nível da literatura clodoaldina.

O primeiro problema que se revela é que essas três primeiras narrativas citadas são manifestações de um romantismo não só retardatário (basta lembrar que Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, que sepultou de vez a prosa romântica, é de 1881!), mas também, e principalmente, diluidor, porquanto piegas, meloso e superficial. Nelas, há de muito bom as descrições precisas (“O Igarapé-Açu, pequena vila sossegada e aprazível, está situada à margem da estrada de ferro de Bragança, a 116 km de Belém. Seu clima...”) e a concisão dos diálogos, ágeis e funcionais, denunciando a vocação do autor para a contística. Perde-se, porém, muito da boa idealização do amor romântico pelo excesso de amores à primeira vista, que ultrapassam os limites da verossimilhança, que aliás resta fulminada de vez, em narrativas não pertencentes ao gênero fantástico, pela sucessão de eventos os mais disparatados (inúmeros e incríveis casamentos, incontáveis e providenciais viuvezes, rapidíssimas riquezas e empobrecimentos, etc), a não ser que, para redimi-los, os enquadremos como “causos” ou “lorotas”.

Clodoaldo Freitas escreve bem (apesar de prejudicado pela revisão, que não atentou devidamente para a boa virgulação que os textos mereciam), mas erigiu três novelas inconsistentes, que não podiam mesmo deixar entre nós uma tradição de prosa digna de continuidade e que sublinham ainda mais o valor literário de Um manicaca, de Abdias Neves (Teresina, 1909). Esse romance naturalista, apesar dos seus defeitos, como as longas digressões anticlericais, cada vez mais se afirma como a primeira narrativa piauiense de qualidade, o que se torna mais óbvio se a compararmos à novelística clodoaldina, cuja única novidade é um romantismo temporão entremeado, aqui e ali, por um discurso anticlerical em voga na época, embora mais contido que o de Abdias.

Sei que o homem é o homem e suas circunstâncias. Isso, entretanto, não vale para justificar a prática, já no começo do século 20, de um folhetinesco romantismo quando a luz do melhor romantismo brasileiro há muito se apagara (é como, na música, querer ser “jovem guarda” em 2010!). É claro que se pode sempre dizer, como faz Teresinha Queiroz na quarta capa de Memórias de um velho, que Clodoaldo Freitas “trata os caminhos e descaminhos do amor e da vida como metáforas da política brasileira e de seus sonhos de transformação social”, metáforas difíceis de serem comprovadas, amiudadamente, nos próprios textos. Outra saída para a elevação artificial do valor literário dessas três novelas clodoaldinas seria interpretá-las como paródias do mais desbragado romantismo, o que também exige pormenorizada, e igualmente complicada, comprovação textual.

Há, no entanto, um Clodoaldo Freitas bem melhor em O Bequimão (São Luís, 1908), romance histórico de tessitura mais complexa, passado em São Luís, no Maranhão, no século XVII, e em Os bandoleiros (1922), novela ambientada numa cidadezinha perdida na Amazônia (Igarapé-Açu – PA) cujos costumes e política são sintética e interessantemente documentados. Talvez haja também um Clodoaldo Freitas mais consistente e literariamente mais contributivo na seara do conto de matiz naturalista, que desconfio ter sido, o conto, sua verdadeira vocação literária. Veremos isso em outro artigo, que a este damos por findo, afirmando que amar de verdade uma literatura não é louvar, a qualquer custo, tudo o que a ela pertença, mas dar às produções do seu acervo uma real dimensão, sem puxar o elástico para além da sua capacidade de resistência, o que redundaria num acrítico bairrismo mistificador.

* Airton Sampaio é escritor e professor de língua portuguesa e literatura brasileira no Departamento de Letras da UFPI. Fonte: Diário do Povo do Piauí, Opinião, 15 janeiro 2011, p. 2.

Um comentário:

EMERSON ARAÚJO disse...

Boa volta, kenard Kruel, já não aguentava a foto do Pedro Costa.