terça-feira, 10 de agosto de 2010

O poeta do Bixiga ou sambista dos excluídos

Adoniram Barbosa.

(*) Ferrer Freitas

Fez 100 anos no dia 6 de agosto do nascimento na cidade de Valinhos, São Paulo, de João Rubinato, que outro não é senão o compositor, cantor, ator e boêmio Adoniran Barbosa. Filho de imigrantes italianos, vagou com a família por várias cidades do interior, mudando-se para a capital onde inicia a carreira artística, vindo a tornar-se conhecido como autor de sambas memoráveis, sobretudo pelas letras que traduzem o dia-a-dia do paulistano comum. De tal modo conseguiu interpretar o sentimento do operário da construção, do homem da rua, sem eira nem beira, que é considerado o grande nome do samba de São Paulo , capital, em que pese Vinícius de Moraes ter dito certa vez, naturalmente em tom de gozação, que a cidade era o túmulo do samba. Vivia (ou viveu) por muitos anos no bairro italiano do Bixiga, onde era sempre visto desfilando de terno e gravata borboleta, além de pequeno chapéu posto meio de banda. Faleceu aos 72 anos.

A primeira música que ouvi de sua autoria, ainda em Oeiras, meados dos anos cinqüenta, foi “Iracema”, através do alto-falante da prefeitura municipal, serviço sob a locução de Antônio Campos Ferreira, mais conhecido por Antônio Dentim, ou só Dentim. Trata-se de história contada (ou cantada) por alguém que perde a namorada, atropelada na avenida São João, por atravessar na contramão. Nesse seu primeiro grande sucesso Adoniran já consegue juntar seu talento ao do grupo “Demônios da Garoa”, ocorrendo aí o casamento perfeito, autor e intérpretes, que se confirma depois com outros sambas antológicos como “Saudosa Maloca”, “Samba do Arnesto”, “Trem das Onze” , para citar os mais conhecidos. Parecia que suas músicas eram feitas para eles cantarem. Muitas, no entanto, foram ainda interpretadas por grandes nomes, a exemplo de “Tiro ao Álvaro” , gravado pela extraordinária Ellis Regina.

Mas, nem só do samba para os deserdados da sorte se ocupou Adoniran. É também seu o nostálgico “Bom Dia Tristeza”, parece que adrede preparado para Maysa cantar, composto com ninguém mais, ninguém menos, que Vinícius de Moraes: “Bom dia tristeza./Que tarde tristeza./Você veio hoje me ver./Já estava ficando até meio triste/de estar tanto tempo longe de você...” Nos últimos anos surgiram músicas com outros parceiros talentosos, como Tom Zé e Carlinhos Vergueiro. Com este último fez, e pra mim é um dos melhores sambas de quantos compôs, “Torresmo a Milaneza”. A letra é um papo na hora do rango entre dois operários da construção: “O enxadão da obra bateu onze horas,/vamos embora, João, vamos embora, João. (...) O que é que você trouxe na marmita, Dito,/ trouxe ovo frito, trouxe ovo frito./E você, Beleza, o que é que você trouxe:/arroz com feijão e um torresmo a milaneza, da minha Teresa!...” Adoniran vem sendo alvo de justas homenagens nos últimos dias, por conta do centenário de seu nascimento. Talvez seja o compositor que mais cantou São Paulo, capital, juntamente com Paulo Vanzolini, zoólogo de profissão e autor de “Ronda”, do verso famoso: “...e nesse dia então,/vai dar na primeira edição,/cena de sangue num bar da avenida São João”.

(*) Ferrer Freitas é do Instituto Histórico de Oeiras

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