(*) Fonseca Neto
E Deus? Claro, junte-se com a máxima justiça João Cândido de Deus e Silva a esses "três panfletários" clarividentes da sementeira revolucionária piauiense da primeira metade do século XIX.
"Restauração" e "Revolução": Maria Odila Leite da Silva Dias e Emília Viotti da Costa, em inovadoras e consistentes análises acerca da emancipação política da América portuguesa em relação à metrópole lisboeta, elegem essas perspectivas e projetos como motores em contraponto no movimento independentista (1789-1850).
Lembramos notáveis historiadoras para situar, em âmbito largo, na geografia das lutas no Piauí entre 1817 e 1840, o campo em que embatiam os citados líderes e as legiões de seguidores que mobilizaram e o campo dos seus contraditores.
No recorte local e regional, tal movimento, ao contrário do centro-sul, de acento restaurador, processou-se em termos de acendrada propulsão revolucionária, espocando nas explosões de 1817 (PE), 1824 (Equador Confederado), 1835 (PA), 1839 (MA e PI) e 1849 (PE).
No Piauí, naquela conjuntura tão rica de acontecimentos, o que se chama de "revolucionários" são os liberais republicanos, mais próximos da posição que na França se passou a chamar de jacobina, em luta contra a posição arraigadamente conservadora dos donos do poder na Província; no limite, restauradora.
Leonardo Carvalho Castelo Branco (acrescentou depois "da Senhora" ao prenome), Lívio Lopes Castelo Branco, Lourenço de Araújo Barbosa e Deus e Silva, são exemplos dessa militância republicanista insuportavelmente radical nas percepções do poder régio antigo (luso), quanto do poder régio (brasileiro), que então se instaurava.
Esses quatro líderes, homens da elite ilustrada, eram portadores de uma vontade de mudanças mais profundas na estrutura colonial-absolutista herdada, tendo essa posição lhes custado a própria liberdade de ação -foram presos por suas idéias e capacidade de as agitarem no meio da massa popular empobrecida.
Leonardo liderou uma legião de combatentes da liberdade que proclamou a independência nos grandes municípios de Parnaíba e Campo Maior -diga-se com variado nível de insurgência nos demais; Lourenço fora o incendiário número 1 em Campo Maior, marcando já sua ação em 1817: nele a centelha irradiada do Recife fazendo clarão em Campo Maior -doce ironia: ele era um fazedor de pólvora; de Deus, juiz vindo de fora com o Direito de Coimbra e a idéia conducente de outro sentido de Justiça; Lívio converteu-se em líder vermelho na "guerrilha sertaneja" junto a balaios, bentivis e ampla legião quilombola, mas sobretudo contra o despotismo de Né de Sousa no Piauí.
O papel e sobretudo o sentido da causa pela qual lutaram esses homens ainda hoje é deliberadamente esquecido na historiografia brasileira em geral e na piauiense em particular. A produção desse repugnante silenciamento sobre eles e seus companheiros de sonho se evidencia ainda hoje, o que mostra que o motivo de seu tirocínio e radicalidade ainda é presente.
Lourenço, Leonardo, de Deus, são, propriamente, o que podemos chamar de "ideólogos do Jenipapo", mobilizadores da insurgência.
Feita a adesão do Piauí ao Império de Pedro I, enquanto projeto restaurador, e logo convertido este no golpeador-mor da Constituinte de 1823, esses líderes não viram razão de abdicar de sua luta por liberdade e justiça. Às vezes, em vária contingência, pareceram abjurá-la. Mas o significado dos sonhos deles tornados vontade coletiva, disto a repressão, do tempo, e a ação de historiógrafos, depois, cuidaram de silenciar, além de detratar.
O contexto desses homens e feitos e fatos nos desafiam até hoje ao crivo e às verberações respeitosos. Entre outras, lembramos as boas pistas dadas por Abdias Neves, Hermínio Conde e Claudete Dias.
É segui-las e queimar a corda do cão que mantém o Piauí atado ao inferno da não-justiça.
(*) Fonseca Neto é professor da Ufpi.
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