Paulo José Cunha
"Quando a gente tenta
de toda maneira
dele se guardar
sentimento ilhado,
morto e amordaçado
volta a incomodar"
Trecho de "Revelação", de Clodo e Clésio
Lá nos anos 70, quando nós ainda sabíamos caminhar sobre as nuvens, toda vez que os meninos do Piauí iam lançar um disco levavam a fita demo pra gente ouvir em primeira mão lá em casa. Fatinha fazia uns tira-gostos, a gente bebia uma cachacinha e o bolachão estava batizado. Uma vez, embriagados até o deslimite da embriaguez, vimos o fantasma de Torquato Neto passando da sala pra cozinha. Outra vez a americana Ellen, que morava no apartamento de cima e havia chegado, atraída pela algazarra, resolveu provar cachaça e plantou bananeira no meio da sala até vir abaixo, num estrondo que acordou metade da Asa Norte, enquanto ríamos de sua falta de jeito com a bebida mais nacional do Brasil.
Foi assim com "São Piauí", o primeiro bolachão deles. E o "batismo" regado a cachaça Mangueira e boa conversa se repetiu pelos demais discos, virou uma espécie de ritual, uma simpatia pra que tudo desse certo. E dava. Até que me separei da Fatinha. Até que eles se separaram, cada um com sua carreira solo. Até que nos reencontramos, todos, na Fac-UnB, dando aulas, tomando café nos intervalos, rindo de nós mesmos. Naquela época, num artigo escrito sobre "São Piauí" para o Correio Braziliense eu me referia ao Clésio como "aquele menino bom".
E assim foi que ele se guardou em mim: um menino bom, de riso franco, eternamente com aquele cigarrinho no canto da boca, a barba rala, os olhos miúdos, sagazes, atrás dos óculos. E uma sensibilidade destamanho, expressa nas letras de simplicidade marcante. E a voz do Clésio? Pequena e claudicante, mas ele não forçava nada, mantinha-se nos limites de suas possibilidades (como Nara Leão).
A cada encontro ou reencontro, a efusão de alegria, a festa do abraço, a explosão do bem-querer.
É.
O planeta ficou um tantinho menor, sem aquele menino bom.
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