domingo, 8 de março de 2015

Iracema Santos Rocha

 Dra. Iracema Santos Rocha

Tempos difíceis os do Golpe Militar de 31 de março de 1964. Proclamada a vitória dos quartéis, começaram as cassações de mandatos legislativos, nos níveis federal, estadual e municipal. Em Teresina, embora a Guarnição Federal fosse comandada por um oficial de reconhecida moderação e equilíbrio, o coronel Francisco Mascarenhas Façanha (outubro de 1956 a junho de 1959), a caça aos deputados ditos subversivos não se fez por esperar.

O processo de cassação tinha início na Guarnição Federal, onde também funcionava a Comissão Geral de Investigações. O comandante da Guarnição Federal, após investigação sumária, enviava oficio à Assembleia Legislativa do Estado com os nomes dos indigitados culpados. No Poder Legislativo, o presidente João Clímaco D’Almeida, que também era o vice-governador do Estado, recebia o ofício e o remetia à Comissão competente, a qual designava um deputado para dar parecer que, conclusivo, era transformado em projeto de resolução, seguindo para votação em Plenário.

Os três primeiros nomes enviados à Assembleia pela Guarnição Federal foram os dos deputados José Alexandre Caldas Rodrigues, rico comerciante e grande proprietário de terras em Parnaíba, irmão do ex-governador Chagas Rodrigues; Themístocles Sampaio Pereira, titular de um cartório em Teresina, e Deusdedith Mendes Ribeiro, ex-secretário de Estado e combativo político da Capital. Este, além de cassado, ficou preso, custodiado, no prédio da Assembleia. Era considerado o líder mais avançado da esquerda no Piauí.

Dias depois, por ter criticado na tribuna o aumento de vencimentos concedido pelo governo federal aos militares, com exclusão dos civis, o deputado Celso Barros Coelho que, anteriormente, votara contra os colegas, também teve o seu mandato inapelavelmente cassado.

Foram cassados, ainda os suplentes José Francisco Paes Landim, Antônio Ubiratan de Carva­lho e Honorato Gomes Martins.

“Todos desconhecendo os reais motivos para a cassação e prisão. Contudo, para os militares, era como se fossem todos subversivos e comunistas.

Na realidade era uma verdadeira psicose para o Exército e para grande parcela de nossa sociedade a possibilidade de instalação de um regime comunista no país, em função dos posicionamentos adotados, principalmente, por Jango, Brizola, Arraes, dentre tantos outros e pelos movi­mentos de esquerda”, revela Wilson Brandão1.

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Houve prisão e cassação de mandato também no plano municipal. A partir do dia 4 de abril, as prisões começaram a ser efetuadas pelos órgãos de repressão no Piauí. Um dos primeiros a ser preso foi o vereador Jesualdo Cavalcanti Barros, 24 anos, eleito para o período de 1963 a 1967, pela legenda do PTB.

No dia 4 de abril de 1964, Jesualdo Cavalcanti ele foi levado para o Comando da Guarnição Federal, onde ficou incomunicável, por crime inafiançável, em "virtude de estar comprometido com movimento de caráter subversivo, que visava a queda do regime democrático", conforme termos do ofício nº 44/GU, de 9 de abril de 1964, assinado pelo comandante Mascarenhas Façanha, com destino ao presidente da Câmara, professor Raimundo Wall Ferraz, 31 anos. No dia 11 de abril, Jesualdo Cavalcanti teve o mandato cassado.

O professor Wall Ferraz era presidente da Câmara, na condição de vice-prefeito, na gestão do Hugo Bastos (31.01.1963 a 31.01.1967). Muito tentaram tirar proveito disse depois, mas, naquela época, qualquer pessoa que estivesse na presidência do Poder Legislativo Municipal teria que fazer o que ele fez: cumprir as ordens impostas pelos militares sem qualquer discussão.

O professor Wall Ferraz, como presidente, não precisava votar e não votou, o vereador Paulo Rubens se absteve de votar. Os vereadores que votaram a favor da cassação foram: José da Costa e Silva (1º secretário), Álvaro Lebre (2º secretário), Raimundo Vieira e Silva (Touranga), Otávio Joaquim Braga, Joel da Cunha Mendes, João Rodrigues de Azevedo Filho, Abizail Leôncio de Sousa e Álvaro Monteiro, que, entretanto, da mesma maneira que o professor Wall Ferraz, não podem ser julgados com os olhos de hoje.

Esse assunto em breve será mais bem esclarecido. O Jesualdo Cavalcanti, o Deoclécio Dantas e o deputado Wilson Brandão estão estudando o golpe militar e os seus reflexos no Piauí e tudo indica que teremos três novos livros a ser publicados em breve.

O professor Wall Ferraz, infelizmente, estava no lugar errado (presidência da Câmara Municipal de Teresina) no momento errado (1964), mas, como já disse, ele não concordava como o que está acontecendo, tanto assim que mostrou ser um político de esquerda, afinado com a esquerda, tanto que, na sua segunda gestão como prefeito (1986 a 1989), em outros ares, ele se cercou de pessoas ligadas à esquerda, inclusive de quadros de partidos clandestinos na época, como o PC do B.

O advogado Osmar Junior, hoje nosso vice-governador, que também já foi vice-governador do governador Mão Santa, o professor Kleber Montezuma, ex-secretário municipal da Educação, que está fazendo doutorado nos Estados Unidos, a professora Guiomar Passos, conceituada mestra da Universidade Federal do Piauí e o advogado Acilino Ribeiro, ex-superintendente do INCRA no Piauí, são prova disso, entre outros nomes que fizeram parte do secretariado do professor Wall Ferraz, quando prefeito de Teresina.

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Tendo feito uma grande administração como prefeito, Petrônio Portella iniciou o seu governo de maneira decidida e audazmente. Elaborou o I Plano de Desenvolvimento Econômico e Social do Estado, que estruturou e planejou toda a sua ação administrativa, colocando-a mais moderna e contributiva para o desenvolvimento do Estado. Deslocou o Executivo para diversos municípios do Estado, onde, de modo efetivo, pôde sentir os anseios e as reivindicações locais, provocando verdadeira dinamização administrativa. Desenvolveu os serviços de saúde, expandiu o ensino primário, fomentou a indústria, construiu casas populares, criou o Banco do Estado do Piauí (BEP), ampliou a rede de energia elétrica, organizou o abastecimento da água, instalou o Instituto de Previdência e Assistência do Estado, instalou os Conselhos de Educação e Cultura, encampou a Faculdade de Odontologia, criou a Faculdade de Medicina e ampliou o Hospital Getúlio Vargas.

Mas, no início do seu governo, com a inflação corroendo o poder de compra dos funcionários públicos e dos trabalhadores de uma maneira geral, Petrônio Portella Nunes enfrentou diversos problemas de insatisfação por melhoria salarial. O maior de todos, deu-se no início da primeira quinzena de agosto, com o levante da Polícia Militar, que, como de hábito, reivindicou aumento de vencimento através de memorial. O governador repeliu o documento, afirmando que só examinaria o reajuste do pessoal do Estado em termos gerais, e depois de colocar todos os compromissos em dia.

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A Polícia Militar declarou-se rebelde e lançou um ultimatum ao governador por um imediato aumento de vencimentos. Todos aderiram, menos os militares que serviam na guarda do Palácio de Karnak, também residência oficial do governador. O quartel, invadido pelos adversários que viram aí a chance de desmoralizá-lo, transformou-se em praça de comício políticos. Petrônio, sem alternativa, apelou para o Exército. Para aumentar-lhe a angústia, o ministro da Guerra general Jair Dantas Ribeiro comunicou-o, por telegrama, que só poderia ajudá-lo com a autorização do Ministro da Justiça.

Petrônio precisava de um canal de comunicação seguro com o senador José Cândido Ferraz, para que este fosse até o presidente João Goulart com um recado seu, pedindo socorro. Sabendo do meu irmão Oto, diretor dos Correios e Telégrafos, que era muito amigo do José Cândido Ferraz, Petrônio procurou a mim para falar com o meu irmão. Não tardei e fui ter com Oto, transmitindo o recado do Petrônio, que foi, imediatamente, repassado para o José Cândido Ferraz, de maneira segura, sem qualquer intermediação.

Vencidos os entraves, o general Humberto de Alencar Castelo Branco, então comandante do IV Exército, lhe deu apoio total. Vieram soldados e armas da 10ª Região Militar para abafar a rebelião e dirigir a corporação até que tudo se normalizasse. A coordenação da operação salvadora foi entregue ao oficial Francisco Batista Torres de Melo. Em 24 horas, o Quartel da Polícia Militar foi cercado e evacuado. As chaves do prédio foram entregues a Petrônio, que ficou senhor absoluto da situação.

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Durante a crise, foi colocada na porta dos Correios uma pesada metralhadora apontando para Pedro II. Junto ao bar e restaurante Carnaúba (destruído por Alberto Silva, em seu primeiro governo, para dar lugar à Galeria de Arte do Theatro 4 de Setembro), havia um canhão apontando para o quartel.

Os soldados do 25º BC, aos poucos, iam isolando a área. Com o passar dos dias, o cerco ao quartel foi se apertando. Ao mesmo tempo, ampliava-se a área isolada. À tarde, um jipe do 25º BC passou a fazer voltas em torno da Praça Pedro II com um alto-falante chamando o pessoal da polícia para se entregar. A ordem era clara: ou se entregavam, ou o quartel seria tomado à força. Depois de um tempo, nem curto nem longo, abriu-se o portão do quartel e alguns homens saíram. Ficaram debaixo da maquise do Cine Rex, conversando com o pessoal do Exército. O movimento terminou ai, numa quarta-feira do dia 21 de agosto, depois de uma semana de crise, mas houve consequências.

Os principais oficiais metidos no movimento terminaram sendo transferidos para bem longe, numa espécie de exílio. O tenente Geraldo Câncio foi um deles. Além dele, o capitão Elesbão Soares, tenente Campelo, tenente Brasil, capitão Bonfim, major Carlos Alberto, capitão Wilemar, tenente Drumond, Kleber e Bento. Todos foram presos, no 25º BC, como cabeças do movimento.

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Iracema Santos Rocha da Silva, jornalista de bravura e texto de bom português, professora de largos e reconhecidos méritos, política de ideias avançadas, advogada de enorme saber jurídico, era presidente da Liga Feminina Trabalhista. Em razão disso, tomou parte no movimento: no domingo anterior, em plena crise da Polícia Militar do Piauí, depois da abertura da Rádio Clube, que havia sido fechada no sábado, às 21 horas, ela foi à emissora e falou: “Como presidente da Liga Feminina Trabalhista hipoteco solidariedade aos sargentos, cabos e soldados presos, presos porque mostraram a fome, a miséria, o abandono. E as elites não podiam ver maculados o seu prazer, o seu conforto, com os soluços e as lágrimas de fome dos pobres. Até quando o Piauí aguentaria essa situação de sofrimento? Era chegada a hora da revolta das massas. Nossa luta não terminou. Mesmo aqueles companheiros que não foram vitoriosos nas recentes eleições, têm uma missão. E mesmo depois de nossa morte, nossas ideias continuam a caminhar e a se agigantar para um Piauí grande, próspero e feliz, debaixo da Bandeira gloriosa do Partido Trabalhista Brasileiro”.

Na terça-feira, dia 20 de agosto, pela manhã, a professora Iracema foi chamada para ir ao Quartel da Polícia Militar, onde as famílias dos oficiais a esperavam. E lá, depois de conversar com a tropa sitiada, ela e mais uma Comissão de Senhoras foram à rádio Pioneira, onde gravaram e retransmitiram suas palavras de solidariedade aos policiais e um pedido de boa-vontade ao governador Petrônio Portella. Depois, procuraram falar com o general comandante da 10º Região Militar e não foram recebidas. Dirigiram-se à Rádio Clube, pedindo à sociedade água, comida e assistência médica para os militares sediados no Quartel da PM-PI, e os caminhões começaram a chegar, trazendo água e mantimentos, num frenesi constante. Houve, neste particular, interferência direta de Dom Avelar Brandão Vilela, arcebispo de Teresina, que, discretamente, agir nos bastidores em apoio aos revoltosos.

Foram organizadas Comissões para arrecadar fundos para os policiais puderem se alimentar com suas famílias. Às 17 horas e meia da tarde foi celebrada uma missa no pátio do Quartel da PMP, entre militares barbudos, cansados e exaltados pelos acontecimentos, estava o hoje coronel Elesbão Soares que, de joelhos, chorava de revolta pelo absurdo do momento que vivia com os colegas. O coronel Elesbão, desde novo, tem mantido essa postura de destemido defensor dos seus direitos. Basta ler os artigos que ainda hoje escreve na imprensa.

No dia seguinte, pela manhã, a professora Iracema dos Santos Rocha e Silva organizou, com os militares e seus familiares, a Passeata da Fome. Foi o estopim do movimento. Depois da Passeata da Fome, os acontecimento se precipitaram e as forças federais cercaram o Quartel da Polícia Militar, desde a Igreja de São Bendito, até adjacências da Guarda Civil, na Praça Saraiva. Às dezoito horas, todos os militares sediados se renderam à conclamação dos companheiros do Exército, e deu-se por encerrado o “Caso da Polícia Militar”, que tanto convulsionou o Piauí, e que ficou registrado nos anais da história política e militar do Piauí.

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Várias prisões foram efetuadas, mas, de todas, a mais cruel e desumana, foi a da professora e jornalista Iracema Santos Rocha da Silva, no dia 12 de maio de 1964, às vésperas do Dia das Mães. Com pecha de comunista, foi encarcerada no 25º BC. Ali, incomunicável, e sem fiança, foi submetida a interrogatórios por atividades de subversão e ideologias marxistas e indiciada em dois inquéritos militares. Um, na Guarnição Federal, onde foi interrogada, madrugada adentro, pelo capitão Clidenor de Moura Lima, sob as vistas do major Idalécio Wanderley. O outro, na Polícia Militar, interrogada no gabinete do secretário de Estado da Segurança Sebastião da Rocha Leal, seu primo, que tudo fez para ajudá-la (inutilmente).

Falava mais alto, entretanto, o Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964, que estabelecia eleição indireta para presidente da República, autorização para que o presidente pudesse cassar mandatos e suspender direitos políticos por dez anos e suspensão por seis meses das garantias constitucionais.

A Comissão de Execução do AI-1 no Piauí era formada pelo Dr. Darcy Fontenelle de Araújo, coronel Francisco Batista Torres de Melo (comandante da Polícia Militar), José Ribamar dos Reis, Sebastião da Rocha Leal (secretário de Estado da Segurança), e o Dr. Raimundo José Reis (diretor do DAG).

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Depois destes interrogatórios, a professora Iracema Silva foi sumariamente destituída das Cátedras na Escola Normal Antonino Freire, adquiridas através de Concurso Público de Provas e Títulos e Defesa de Teses. Professora Vitalícia, foi posta em disponibilidade. Os militares entendiam que não era conveniente uma comunista dar aulas à juventude, considerando que ela inflamava a reação dos jovens contra a nova política do país. Na verdade, a professora Iracema Silva sofreu essa reação dos militares, por ser membro da Frente de Mobilização Popular, comandada pelo deputado Sérgio Magalhães, por suas posições políticas a favor das Reformas de Base, proposta pelo presidente João Goulart, pelo apoio aos militares quando da greve da Polícia Militar do Piauí, por sua atuação como jornalista militante, e, principalmente, pelo discurso inflamado feito no dia 1º de abril de 1964, condenando o Golpe Militar de 31 de março de 1964.

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No dia 31 de março de 1964, data do golpe militar, o jornalista Alberoni Lemos Filho foi eleito primeiro secretário da UPES - União Piauiense dos Estudantes Secundários, durante o VII Congresso realizado em Floriano, de 28 a 31, sob a presidência de Kleber do Rêgo Monteiro, que trabalhou no Banco da Amazônia. Ricardo Rui de Matos e Silva, que trabalhou no Banco do Brasil, foi eleito secretário geral.

Compareceram ao VII Congresso representações das principais cidades do Piauí, Maranhão e Ceará. Os congressistas, na maioria, ficaram hospedados nas residências de famílias. A prefeitura deu substancial contribuição para as despesas do evento.

Foram abordados temas como a reforma agrária, autonomia sindical, melhoria educacional, assistência hospitalar, medicina preventiva, dívida externa, monopólio dos produtos de exportação, nacionalização das empresas estrangeiras e formas de tornar o país realmente independente.

O encerramento do Congresso se deu com um comício à noite no coreto da Praça. A notícia do golpe militar já havia se espalhado. O medo e o pânico invadiram a cidade. As famílias não quiseram mais aceitar nenhum congressista em suas residências. Pediram, inclusive, que não declinassem onde ficaram hospedados.

Na manhã seguinte, Alberoni, Kleber do Rêgo Monteiro e Ricardo Rui de Matos e Silva viajaram para Teresina, de ônibus, ouvindo um radinho de pilha, interessados na situação de João Goulart, que estava no cai não cai. Eles torciam para que isso não acontecesse O Jango era tido como comunista, e contava com o apoio popular e da maioria da intelectualidade brasileira porque o seu ministério era selecionado e competente. Foram os seus auxiliares os mais notáveis homens públicos da época e o seu projeto de governo, se posto em prática, o Brasil seria outro, independente. Os projetos de reforma da revolução de 1964 pertenciam a João Goulart, herdeiro político de Getúlio Vargas, relata José Bruno dos Santos2.

Tão logo chegaram a Teresina, Alberoni e mais uns dois ou três diretores da União Piauiense dos Estudantes Secundários - UPES, acompanhados por Carlos Augusto Cavalcanti Barros, irmão do vereador Jesualdo Cavalcanti Barros, e secretário geral da União Brasileira dos Estudantes Secundários - UBES (que funcionava no prédio da União Nacional dos Estudantes - UNE, na Praia do Flamengo, 132, no Rio de Janeiro), e que se encontrava em Teresina, vindo para o VII Congresso, em Floriano, foram ao Palácio de Karnak exigir do governador Petrônio Portella  uma posição com relação ao apoio ao presidente João Goulart. Sem meias palavras, como era do seu costume, Alberoni falou a ele: “Quando o presidente João Goulart andou aqui o senhor disse que ele podia contar com o Piauí. E agora?”. Petrônio Portella respondeu, mais ou menos em tom de desculpas, que nada podia fazer, não podia nem mesmo contar com a Polícia Militar por causa ainda daquela história do levante. Saíram de lá com a declaração do governador de que iria “aguardar o desenrolar dos acontecimentos”.

Naquele mesmo dia, Petrônio Portella mandou uma nota para o jornal Folha da Manhã apoiando o presidente. A nota saiu na primeira página. No outro dia, enviou outra nota mais contundente ainda para o mesmo jornal. Os militares eram chamados de sediciosos. A segunda nota foi sustada antes da publicação.

Oficiais locais, insatisfeitos, recorreram às forças superiores do Alto Comando Militar, sediado no Rio, que pediu a cabeça do governador Petrônio Portella. Mas, o então general Francisco Batista Torres de Melo, que havia servido devotadamente Petrônio Portella na crise da Polícia Militar, induziu o comandante da Guarnição Federal local - coronel Francisco Mascarenhas Façanha, que já vivia no Piauí há nove anos, e o comandante do 25º BC, coronel Alexandrino Correia Lima, a não permitir a derrubada do seu amigo pessoal.

Petrônio teria, ainda, através de meu irmão Oto Veloso, a quem ele recorreu por meu intermédio, a ajuda providencial de José Cândido Ferraz, que, detentor de boas relações com o brigadeiro Eduardo Gomes e com o general Dutra, conseguiu, valendo-se da ajuda do Juracy Magalhães, que o general Siseno Sarmento, um dos signatários do famoso “Manifesto dos Coronéis”, em 1954, e depois comandante do 1º Exército, não propusesse a cassação de Petrônio.

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Por fim, contando com o apoio do general Humberto de Alencar Castelo Branco, um dos chefes do movimento de 1964, que assumira ainda em abril a presidência da República, Petrônio defendeu-se das acusações dos seus adversários políticos e dos militares mais “duros”, afirmando que seu manifesto nada mais era que “uma proclamação em favor da legalidade”.

O certo é que Petrônio sobreviveu, mas teve que enfrentar uma espécie de quarentena junto ao primeiro escalão do novo governo.

Passado pouco tempo, contudo, com muita habilidade, Petrônio venceu todas as barreiras e conseguiu passar o governo para o deputado e vice-presidente da Assembleia Legislativa do Estado, em exercício da presidência, Dr. José Odon Maia Alencar, quando renunciou ao cargo para disputar uma cadeira no Senado Federal, a 12 de agosto de 1966.

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Portal cidade Verde

Anistiada, advogada presa na ditadura no Piauí desabafa: "minha alma já doeu muito"

Ela foi perseguida durante a Ditadura Militar de 1964 e foi a única mulher presa no Piauí sob a acusação de comunismo e subversão. Sentiu na pele o peso das humilhações, passou fome, perdeu empregos e amigos e até o direito de se reunir com a família. Iracema dos Santos Rocha da Silva tem hoje 87 anos e é um grande exemplo de Mulher Piauiense, com muita história para contar.

"Eu sempre acreditei que a mulher tem que ter os mesmos direitos dos homens. Fui a favor da Revolução Industrial e desde então fui perseguida e censurada. A primeira vez que passei por isso foi durante um discurso no rádio, ao lado de Petrônio Portela. Cortaram a minha palavra. Dias depois, fui presa e vivi os piores pesadelos", relata Iracema.

Advogada, professora, filósofa e jornalista. Não faltam profissões para uma mulher a frente de seu tempo, que incitava multidões e mexia com a opinião pública em pleno golpe militar. Os traumas da época estão marcados no jeito de falar de Iracema, nas lágrimas que insistem em ainda cair, mesmo após tanto tempo e nas lembranças dolorosas que a rondam.

O massacre da Ditadura

Com a ajuda da filha mais velha, Eliane Maranhão da Silva Thé, a advogada relata com a exatidão de quem viveu tudo isso ainda ontem, o momento de sua prisão e os dias trancada no 25º Batalhão de Caçadores:

"Em 1964, eu morava ali na avenida Campos Sales. Um dia, um jeep com três militares armados se aproximou. Quando eles desceram do carro, entraram na minha casa e disseram que me levariam. Pedi para Eliane avisar ao meu marido. Quando me colocaram no carro, os outros vasculharam a minha casa"- Iracema, presa política da Ditadura Militar

"Os militares vasculharam por todos os cantos. Olharam debaixo das cadeiras, nas paredes, nos quartos e subiram para vistoriar a caixa d'água. Até no galinheiro eles olharam. Levaram todos os livros e jornais que encontraram. Diziam que aquilo era coisa de comunista" - Eliane, filha mais velha de Iracema

"Quando cheguei ao 25º BC, me colocaram sentada de costas para a porta, em um tamborete, no escuro. Desse modo, eu não conseguia ver quem estava se aproximando para o interrogatório. Eles queriam que eu confirmasse que era comunista, me humilharam. Diziam que eu não merecia viver, que tinha que ter cuidado dos meus filhos e esquecido a política. Eu respondia apenas que cuidava da minha família, sim, mas também da democracia e do direito da mulher nas horas vagas" - Iracema

"A mamãe ficou incomunicável. Nem nós, os filhos, nem o marido, podíamos visitá-la. Foi quase um mês nessa agonia. Deixavam ela sem comer por dias. Foi aí que conseguimos um soldado militar que gostava dela e aceitou levar comida escondida na farda. Era coisinha pouca, mas pelo menos ela poderia comer" - Eliane

"Às vezes, eles me deixavam dias sem comer e depois chegava uma pessoa e dizia que iria me fazer uma comida especial, muito gostosa. Nesse dia, eu não comia. Eu tinha medo de ser envenenada, de me matarem e sumirem com meu corpo" - Iracema

Desespero

Do lado de fora do quartel, mulheres de vários municípios piauienses acampavam na porta do batalhão. À frente da luta a favor dos direitos da mulher, Iracema foi presidente da Liga Feminina Trabalhista, da Liga Operária, da Liga das Camponesas e da Frente Mobilização Popular. Era respeitada e admirada em todo o Estado.

"E acreditamos que foi isso que impediu a morte da mamãe. Os militares teriam que dar uma satisfação para a sociedade se ela desaparecesse. A presença de mais de 500 mulheres acampadas na frente do batalhão dificultava que ela fosse transportada para outro local", destacou Eliane, que na época tinha 16 anos.

Mobilização feminina ajudou Iracema a ser libertada do 25º BC

Quando Iracema foi finalmente liberada do 25º BC, teve que obedecer a duras normas - não podia se reunir com mais de três pessoas, mesmo sendo da família, era vigiada dia e noite, os amigos eram interrogados com frequência e os filhos eram perseguidos até no caminho para a escola.

"Eu perdi muitos amigos, porque as pessoas tinham medo de serem presas por me visitar. Eu não podia receber um telefonema e se eu me sentasse na sala com minha família, os militares diziam que era uma reunião, que era conspiração", lembrou a militante.

Iracema ainda foi presa duas vezes depois e permaneceu sob as algemas da ditadura por três a quatro dias em cada uma delas. Por vezes, chegou a perder a noção de tempo, já que ficava no sempre no escuro.

"Eu resumiria tudo isso em uma palavra: desespero. Eu não sabia como me livrar daquilo. Eu não merecia passar por tudo. Eu lutava pela mulher porque não tínhamos direito à palavra, ao sentimento. Éramos escravas de senzala" - Iracema

Família perseguida

Casada com José Maranhão Ferreira da Silva, que este mês completa 99 anos, Iracema teve quatro filhos. Em 1964, três deles já haviam nascido e ver a família sofrendo os reflexos dessa perseguição aumentava ainda mais o desespero da professora.

“A gente estudava no Liceu Piauiense e no caminho para lá, éramos seguidos por soldados do 25º BC. As pessoas na rua gritavam: ‘Lá se vão os filhos da comunista’. Os professores não repreendiam por medo. Só dois deles nos defenderam, mas fomos realmente isolados da vida social. Até quando saíamos para brincar, éramos seguidos pelos militares”, conta Eliane.

Vida de Iracema – um livro

Apesar de todos os acontecimentos, Iracema não desistiu da luta. Ela se candidatou a cargos públicos em praticamente todas as eleições, mas, pelo sistema da época, conhecido como Mapismo (no qual as cédulas de votação eram facilmente alteradas), nunca havia conseguido se eleger.

“Em 1970 consegui ser eleita deputada federal, mas me cassaram. Mesmo assim, fui recebida por Ulysses Guimarães [político que abrigou os opositores do Regime Militar e foi presidente do Congresso Nacional] em Brasília, com todas as honras de uma deputada”, conta.

Iracema tinha o sonho de se formar em Direito, mas pelas pressões sociais, só lhe foi permitido se formar em normalista (professora). Depois de casada, pediu ao marido para estudar Direito, mas acabou entrando na faculdade de Filosofia, adiando novamente o sonho.

“Só consegui me formar em Direito em 1953, quando minhas filhas já estavam grandes, prestando vestibular. Em 1984, passei em primeiro lugar no concurso para juiz. Depois de muita luta, deixaram eu assumir, mas me mandaram para Corrente. Aí decidi não ir, porque tinha um filho que ainda era criança e eu queria que ele estudasse na capital. Além disso, eu não nasci para ser juíza, porque eu teria que apenas decidir. Eu queria mesmo era brigar, era defender direitos”, disse.

Na casa da avenida Campos Sales, que amargou tantos momentos de tristeza na Ditadura, hoje funciona o escritório de Iracema, que ainda trabalha, mesmo aos 87 anos. “Minha filha [Eliane] tomou de conta da maioria dos clientes, mas eu ainda atendo alguns, que fazem questão de que eu conduza os processos. Não penso em parar de trabalhar, porque eu lutei por isso. Lutei para ser advogada. Trabalho por amor”, completa.

Aos 87 anos, Iracema ainda trabalha diariamente em seu escritório de advocacia

A advogada está finalizando um livro no qual relatará toda sua vida, desde criança até os dias atuais. A obra ainda não tem título, mas deve ser publicada ainda este ano.

Anistia?

Na última quarta-feira (4 de março de 2015), ela recebeu um documento do Ministério da Justiça dando-lhe anistia pela época da Ditadura. A advogada vai receber uma indenização de R$ 150 mil pelos abusos vividos. 

“Eu acho justo, mas essa justeza me dói. Eu não deveria ter sofrido tudo isso. Eu me sinto confortável pelos meus filhos e filhas, mas minha alma já doeu muito. E eu não acho que anistia seja uma palavra correta para isso. Anistia é perdão e eu não preciso ser perdoada. Eu entrei para a política pensando e agindo sozinha e fui massacrada por isso. Mas se eu voltasse a ser aquela menininha, faria tudo de novo, mesmo sabendo que sofreria”, conclui Iracema.

Notas

(1)                 BRANDÃO, Wilson. 1963 - 1967 - Instabilidade Política. In Diário do Povo. Opinião, edição de 5 de junho de 2005.

(2)                 SANTOS, José Bruno dos. Transpondo Barreiras. Teresina. COMEPI, 2ª edição, 1999, página 152.


Um comentário:

Henrique Flávio disse...

Parabenizo ao blog por proporcionar - pelo menos a mim - o conhecimento de fatos que, infelizmente, mostram um Piauí que eu, até hoje, aos 47 anos, teresinense, professor há 28 anos, desconhecia... Eu sabia que haviam ocorrido torturas durate o regime militar em nosso estado, mas o histórico delas é algo que deveras precisa ser resgatado e divulgado! Serviria para dar (cons)ciência a alguns alienados que defendem o retorno do regime militar ao país do quão terríveis foram os anos de chumbo do Brasil!