terça-feira, 3 de abril de 2012

A consagração do absurdo


Renato Marques Neves

Além de deturpar o que escrevi, direcionar o leitor para seu interesse, o senhor Adrião Neto, no seu A Epopeia do Jenipapo, não convence. Leia o leitor o seguinte texto e veja quem tem razão: 

Envolvido por um espírito de mentalidade sofista, no último dia 13 de março o Sr. Wellington Dias, um dos representantes legais do Piauí no Senado Federal, e ex-governador do estado, esteve fazendo uso da palavra no plenário, apoiado por outros tantos políticos da mesma linha de pensamento, em defesa da consagração do dia da tumultuosa “Batalha do Jenipapo” como data nacional. Das tantas pérolas pronunciadas na sessão, uma delas merece destaque, por seu teor fulgurante, ardente, impreciso e emocionado, “a Batalha do Jenipapo é fundamental porque foi nela que o Brasil venceu Portugal e garantiu a sua Independência”, Depois disso, uma pergunta, que já sabemos a resolução, ficou vagando, moribunda, no ar: “[...] o Brasil venceu Portugal”?

A realidade, pelo visto, parece muito distante do que os “bravos e compatriotas” políticos confabularam em audiência. Não falamos, aqui, de uma gloriosa memória, mas de uma chacina de piauienses assistida às margens de um rio que pouco ou quase nada viu em derramamento de sangue alheio. A Batalha do Jenipapo, para as almas aflitas e anseios dos brasileiros, foi um tremendo desastre. Salvemos as palavras reproduzidas que Pereira da Costa nos legou de Vieira da Silva a respeito do combate: “[...] começou às nove horas para as dez horas e durou até depois do meio-dia. Calculou-se a perda das tropas brasileiras em 200 homens entre mortos e feridos, 542 prisioneiros, entrando neste número os que depois da ação se apresentaram ao comandante das armas, três caixas de guerra, uma peça de artilharia de calibre 3, algumas munições e uma bandeira. Da tropa portuguesa pereceram 16 soldados, 1 sargento, um alferes e um capitão e saíram feridos 60 homens”.

O disparate transcrito acima dispensa quaisquer comentários, senão o reforço da sentença: A Batalha do Jenipapo, para as almas aflitas e anseios dos brasileiros, foi um tremendo desastre. Fidié, no dia seguinte, em Campo Maior, sorria agradecendo o empenho de sua tropa guerreira e vitoriosa, enquanto nossos irmãos choravam ao leito de uma alcova já sem esperanças e sem alimento para o espírito enegrecido. 
Hoje, o Piauí, vítima de uma falta de apuração, enxerga os seus filhos modernos chatearem dos pesares daquela assombrosa memória, transformando-a, por sua vez, em adagas de lisonjeio. Ainda em se tratando de fatos que aconteceram no findo mês de março, tivemos o lançamento de uma revista de propriedade do grupo Cidade Verde, cuja capa, em alusão ao fato que discutimos neste momento, assim declarou sua manchete: “Loucura patriótica: a arma que venceu Fidié”; e a pergunta, mais uma vez vem à tona, “venceu Fidié”?!

A matéria da revista, por sua vez, pareceu-me para lá de tendenciosa, omitindo trechos documentados da história do Piauí. Na página 38, assim se expressou: “Apesar da aparente vitória, os portugueses logo constataram que haviam sofrido tantas baixas e perdas de munição, que Fidié se viu obrigado a mudar seu plano de retornar a Oeiras”. Agora analisemos, com clareza e verdade, os fatos: 1.º, em relação às baixas nas tropas brasileiras, as de Fidié foram insignificantes, comparemos: 200 brasileiros mortos e 542 prisioneiros, contra 19 portugueses mortos e 60 feridos. Estas são as “tantas baixas” que obrigou Fidié mudar os planos? 2.º, no seguinte trecho: “os portugueses logo constataram que haviam sofrido tantas baixas e perdas de munição, que Fidié se viu obrigado a mudar seu plano”, omitiu-se, tendenciosamente, a forma como o comandante português perdeu as suas armas, não haverei de usar de minhas palavras para explicar o ocorrido, prefiro usar as de Pereira da Costa, que é mais gabaritado do que eu: “Fidié levanta acampamento de Campo Maior, e segue com o seu exército para o Estanhado, à margem do Parnaíba, em demanda ao território maranhense, onde lhe parecia mais segura a sua situação. Levara-o a essa resolução o roubo de uma parte de sua bagagem de guerra, com o que perdeu munição, armas, dinheiro e os despojos da vila de São João da Parnaíba”. Tal fato aconteceu, portanto, três dias após o massacre no Jenipapo. A revista, então, torno a dizer, omitiu o roubo das munições e das armas, querendo, com isso, distorcer os fatos como se as baixas tivessem ocorrido no próprio ambiente de guerra. Verdade seja dita: A forma com que a remanescente tropa brasileira agiu após seu fracasso, saqueando, às surdinas, os portugueses, foi uma atitude covarde e indigna que quebrou um código de guerra ético e milenar. Chega a ser piada o trecho que diz “aparente vitória”.

Só neste pedaço de chão, espremido entre dois estados imperiosos, se foi capaz de incluir, em consagração, uma data tão funesta e fracassada no desfraldar de uma bandeira que agora tremula todos os dias, por ignorância ou incompreensão, um dia de glória que nunca existiu, uma batalha cujo saldo rendeu aos piauienses incontáveis mortes e destruição de famílias inteiras, onde homens quase desarmados, contando apenas com a coragem, a raça, o impulso e o desespero, se atiraram, sem espada e sem escudo, contra uma gama de soldados treinados e fartamente munidos de artilharia. O 13 de março deveria ser uma data dedicada ao silêncio, ao devotamento e à rogação, portanto, lutuosa, e não transgredida em fulgor e algazarra como a fazem, extirpando, neste ato, a única recompensa que aqueles homens tiveram por todo o esforço e bravura, o sossego.

Não nos espantemos, o Piauí tem dessas coisas estranhas, o piauiense, en-soi, é estranho: Orgulha-se de uma data onde Portugal exterminou os alados suspiros independentistas, e vai às ruas, digo, às casas legislativas, com a face tingida de um sangue sofrido e alheio, argumentar em favor de uma batalha que nos desacreditou a esperança e causou pavor. Com a data em nossa bandeira, que se espalha de norte a sul no estado, terminamos de assinar o maior atestado perissodáctilo de uma consciência subordinada e colona.

Vai-se, pois, um representante nosso, com pouco ou quase nada a fazer, aludir o feito dos portugueses como vitória nossa, querendo com isso que o Brasil, assim como o Piauí, caia na chacota mundial. Querer o 13 de março como data nacional é burlar a história e exemplificar, falsamente, a literatura, utilizando-se do argumento que até troianos, em paga de uma humildade desmedida, celebrizaram o massacre grego de Troia, captando de forma imperiosa a essência de um glorioso momento malogrado como orgulho seu.

Em se tratando de Brasil, em que tudo se pode e nada se diz, não será mesmo muito difícil que aprovem, afinal, após uma meia dúzia terem fugido do massacre e, na calada da noite, de um dia seguinte, saquearem as tropas portuguesas, fizeram jus ao título que nos confere a honra de brasileiro, primitivamente construído no decorrer dos tantos séculos da chegada de degredados que não podemos imaginar, sequer, nos gibis... É isso! Para um espírito bandido em uma batalha vergonhosa, um político sem princípios e uma argumentação mentirosa.

Repito, lugar nenhum do mundo comemora e celebriza um feito perdido, senão o Piauí e, a caminho, o Brasil. Os nossos sinceros parabéns, o importante mesmo é sermos pioneiros, seja lá do que for... Que os anais da história, mais uma vez, nos celebrize como tal!

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