sábado, 14 de abril de 2012

Batalha do Jacaré, em Piracuruca

Lagoa do Jacaré, em Piracuruca.

Piracuruca e o curso do movimento
de adesão do Piauí à Independência do Brasil

Jarbas Gomes Machado Avelino*

O Governador do Estado do Piauí, Wellington Dias, em data de 19 de outubro de 2007, no Palácio de Karnak, no âmbito dos festejos pela adesão do Piauí à independência do Brasil, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I, V, VI e XIII, do art. 102, da Constituição Estadual, decretou [1] o seguinte:

Art. 1º Fica incluído o 22 de janeiro de 1823 como data integrante das comemorações alusivas ao processo de adesão do Piauí à independência do Brasil no município de Piracuruca.

O decreto acima mencionado põe luzes sobre a importantíssima participação de Piracuruca no movimento de adesão do Piauí à independência do Brasil, embora fosse Piracuruca, à época, apenas sede de paróquia e não ainda município autônomo, o que já é matéria para outro texto.

É interessante verificarmos que o decreto, ao tempo em que consagra a data de 22 de janeiro de 1823 em Piracuruca, faz referência à adesão do Piauí à independência do Brasil não enquanto movimento ou ato isolado, mas como parte integrante de um processo, portanto de um conjunto representativo de ações e circunstâncias que manifestaram, em conjunto, uma posição favorável à independência do Brasil a partir do Piauí.

Nesse sentido, a data de 22 de janeiro de 1823 em Piracuruca vem somar-se oficialmente às seguintes datas comemorativas, as quais, em seu conjunto, constituem o itinerário do movimento independentista no Piauí: 19 de outubro de 1822 em Parnaíba, 24 de janeiro de 1823 em Oeiras e 13 de março de 1823 em Campo Maior.

Como veremos adiante, em 22 de janeiro de 1823, Leonardo de Carvalho Castelo Branco [2], às portas da Igreja Matriz de N. S. do Carmo, proclama, publicamente, a adesão do Piauí à Independência do Brasil, acontecimento significativo, que consistiu no segundo ato público de apoio ao movimento emancipacionista brasileiro no Piauí, já que o primeiro foi realizado na vila da Parnaíba. O que há, porém, de particularmente representativo e peculiar aqui é o ânimo de confronto manifestado pelos adesistas piauienses à causa da Independência do Brasil, sob o comando de Leonardo de Carvalho Castelo Branco, em terras piracuruquenses.

Para que se entenda mais adequadamente o que queremos dizer, voltemos então ao 19 de outubro de 1822. Nesta data, em frente ao Paço da Câmara Municipal de Parnaíba, deu-se a primeira manifestação pública e articulada de adesão do Piauí à causa da independência do Brasil. A propósito, observe-se o que diz a respeito o historiador Abdias Neve s[3]:

(...) proclamaram os eleitores da paróquia da Parnaíba, reunidos em elevado número no Paço da Câmara, a 19 de outubro de 1822, a Independência do Piauí, aclamando o Príncipe-Regente Imperador e Perpétuo Defensor do Império. Promoveram a aclamação o Coronel Simplício Dias da Silva, o Dr. João Cândido de Deus e Silva, o Capitão Domingos Dias, José Ferreira Meireles, o Capitão Bernardo Antônio Saraiva, o Escrivão Ângelo da Costa Rosal, Bernardo de Freitas Caldas e o 1.º Tenente Joaquim Timóteo de Brito.

Por certo que a notícia de tal manifestação pública pró-independência chegou a Oeiras, o que ocorreu em data de 5 de novembro de 1822, então sede da Junta do Governo da Província de São José do Piauí, denominação que, segundo Abdias Neves [4], foi dada, em 13-11-1761, pelo primeiro Governador – João Pereira Caldas – em homenagem a El-Rei D. José, de Portugal.

Diante desse cenário, articulou-se, a partir da capital Oeiras, sob o comando de João José da Cunha Fidié, então Governador das Armas do Piauí, a reação ao movimento iniciado em Parnaíba, tendo partido de Oeiras em 13 de novembro de 1822 e chegado a Parnaíba em data de 18 de dezembro do mesmo ano. A propósito, observe-se o que diz Jureni Machado Bitencourt [5]:

A reação não demorou. A junta Provisória do Governo da Província de São José do Piauí, composta por Matias Pereira da Costa (presidente), Francisco de Souza Mendes, José Antônio Ferreira, Miguel Pereira de Araújo e Caetano Vaz Portela, todos partidários da obediência a Portugal, apressaram o envio de uma tropa armada sob o comando do major João José da Cunha Fidié rumo à vila da Parnahyba a fim de sufocar o movimento em prol da Independência do Brasil. Essa tropa armada partiu de Oeiras no dia 13 de Novembro, estacionou em Campo Maior no dia 25 e logo partiu para Piracuruca onde chegou a 12 de Dezembro, provocando grande sobressalto; de Piracuruca partiu novamente para a vila da Parnahyba onde finalmente chegou no dia 18, espalhafatosamente, para nada fazer.

Quando Bitencourt fala que Fidié chegou a Parnaíba para nada fazer, por certo, refere-se à inexistência de confronto armado, já que os independentistas, diante da impossibilidade concreta de oferecer resistência a partir de recursos militares à altura em face da iminente chegada do militar português e tendo em vista que eventual confronto poria em risco a população parnaibana em geral, decidiram deixar a cidade em busca de apoio na vizinha província do Ceará, à época já alinhada com o Rio de Janeiro, ou seja, já fiel à independência do Brasil.

Em análise das circunstâncias acima indicadas, assim se manifestou o piracuruquense Anísio Britto [6] disse:

Em Parnaíba não teve que lutar o governador das armas, pois, os chefes independentistas Simplício Dias da Silva, Leonardo Castelo Branco, Domingos Dias da Silva, Bernardo Antônio Saraiva, Ângelo da Costa Rosal, Bernardo de Freitas Caldas, tenente Joaquim Temóteo de Brito e Dr. João Cândido de Deus e Silva, sem recursos militares, foram procurá-los no Ceará.

Diante do recuo tático dos líderes do movimento desencadeado no 19 de outubro de 1822 em Parnaíba, Fidié aproveitou-se politicamente da situação, ao buscar reafirmar a obediência e submissão da vila da Parnayba a Portugal, e, via de conseqüência, minimizar e fragilizar a propagação do ideário de independência do Brasil em terras piauienses, tudo feito através de atos e manifestações públicas em Parnayba. Tais circunstâncias evidenciam que a luta em torno da independência não se restringiu à força das armas, já que ganhou também espaço no plano das representações, do simbolismo, do imaginário.

A propósito, Bitencourt afirma, em relação à ação de Fidié em Parnaíba o seguinte:

(...) mandou formar sua tropa em frente a Igreja Matriz, entrou na Câmara dos Senadores e ali ouviu a repetição do juramento de obediência à nação portuguesa; em seguida e em companhia dos chefes políticos submissos foi ouvir um Te Deum celebrado na matriz, findo o qual deram-se vivas a el-rei, às cortes, à constituição, etc. [7]

(...)

A submissão da vila da Parnahyba, embora reconhecidamente tática, serviu para enriquecer a propaganda contrária aos ideais de independência do Brasil (...) [8]

Enquanto Fidié buscava debelar as impressões favoráveis à independência em Parnaíba, os independentistas marchavam sobre terras cearenses, já alinhadas com a causa da Independência, até adentrarem o então povoado de Piracuruca através da serra Grande (hoje denominada serra da Ibiapaba), para, sob o comando de Leonardo de Carvalho Castelo Branco, a um só tempo, proclamarem pela segunda vez, em ato público, a independência do Piauí e, o que constitui o diferencial dos fatos ocorridos em Piracuruca, desarmar e aprisionar as forças fiéis a Fidié, revelando-se assim inequívoco, pela primeira vez, um efetivo ânimo de confronto, de enfretamento em relação às forças que se mantinham fiéis a Portugal.

É nesse sentido que se posiciona Bitencourt[9] ao referir-se à ação de Leonardo de Carvalho Castelo Branco e seus comandados em Piracuruca:

(...) forças capitaneadas por Leonardo de Carvalho Castelo Branco entram no povoado, reúnem os habitantes e proclamam a independência do Piauí. O arremate de surpresa pegou desprevenida a pequena guarnição militar deixada por João José d Cunha Fidié. Foram todos aprisionados, desarmados e obrigados a ouvir o manifesto que foi lido em frente a Igreja de Nossa Senhora do Carmo.

Podemos observar então que a data de 22 de janeiro de 1823 em Piracuruca reveste-se de importância ímpar no processo de independência, na medida em que, a partir de então, Piracuruca ficou sob o controle dos independentistas. Isso porque, como já dissemos, Leonardo de Carvalho Castelo Branco e seus comandados, ao chegarem do Ceará, aprisionam a guarnição da povoação, configurando-se assim inequívoco ânimo de confronto, de enfrentamento, do movimento de proclamação de independência em Piracuruca. A propósito, miremos algumas das palavras do alferes Leonardo Castelo Branco ao proclamar a independência do Piauí em Piracuruca, tendo por cenário o então centro político-religioso-administrativo:

..."Queridos irmãos que habitais as fecundas margens do caudaloso Parnaíba, por um e outro lado, dignai-vos atender às sinceras vozes de um patrício vosso, que unicamente se dedica ao vosso bem presente e, ainda mesmo, no futuro.

Até quando, malignas e espessas nuvens ofuscam as luzes do vosso entendimento, pois vós sois brasileiros e recusais a obedecer ao Sr. Dom Pedro, Imperador Constitucional e seu perpétuo defensor?

Não sois europeus e seguis o seu partido com perigo evidente da vossa vida e com perda da honra. Ah! Onde estão o brio e o patriotismo brasilienses? Onde a honra e o dever?

Irmãos, Irmãos! Quereis ter a doçura que a força exigia de vós e por violência obtenha o que o dever, a honra e o patriotismo em vão, até agora vos tem tão instante e cordialmente persuadido! A dor me embarga as vozes do sentimento. Apenas respiro! Que­reis que a vossa adesão à nossa santa e comum causa seja da força! Pois sereis satisfeitos.Ei-la: Ele se apresenta (...)

Ah! Queridos e enganosos irmãos, que é o que temeis?

E que é o que esperais? Temeis as forças do miserável Portugal esgotadas com as continuas levas de soldados do Sul do Brasil, onde todos têm sido sacrificados à Deusa da Liberdade Brasi­liense, que esmaga suas cabeças com a mão armada do ferro com que pretendiam subjugarmos?

Este magnânimo liberal exemplo nos têm dado aqueles nos­sos intrépidos irmãos e porque não os imitais? Dezesseis províncias, desde além Prata até os limites ocidentais do Ceará, todos a uma voz, proclamam a liberdade e prestam obediência a D. Pedro.

(...)

Acaso será privilégio exclusivo dos europeus? Será preciso decorrer certo número de anos para adquirirmos esse direito? Tosinho que vos responda. Mas, no entretanto, nós que sabemos que os povos nunca se despojam desse direito essencial, abjuramos esses escrupulosos cínicos. Que vos falta, pois, amados irmãos? O que vos impede os passos? O que vos prende a língua? Ai, gritai comigo: Vi­va nossa santa religião!

Viva a futura constituição brasiliense!

Viva Dom Pedro I, Imperador Constitucional do Brasil e seu perpétuo defensor!

Viva a nossa santa independência!

Vivam todos os brasileiros honrados, briosos e intrépidos!” [10]

Outro episódio que evidencia a participação decisiva de Piracuruca nas lutas pela Independência do Brasil em solo piauiense foi a batalha travada às margens da Lagoa do Jacaré, a qual opôs as forças independentistas às forças militares fiéis a Portugal então comandadas por Fidié.

Esse confronto teve lugar quando as forças comandadas por Fidié, retornando de Parnaíba, chegaram a Piracuruca, estrategicamente evacuada sob o comando dos independentistas. Nesse sentido, Britto [11]:

Chegando aos Iliós debaixo, e, desejando tomar a retaguarda dos independentistas que haviam evacuado Piracuruca, mandou marchar oitenta homens de cavalaria com dois oficiais para reconhecer o terreno. No dia 10 de março encontrou-se este piquete com uns quarenta ou cinqüenta independentistas também montados, com os quais tiveram uma escaramuça junto ao lago Jacaré, sofrendo estes últimos alguma perda, e ficando da tropa portuguesa um soldado aprisionado.

Sobre o confronto às margens da Lagoa do Jacaré, ocorrido em 10 de março de 1823, em Piracuruca, representou o primeiro combate armado efetivo nas lutas pela independência do Piauí, conforme diz o historiador Monsenhor Chaves [12], tendo, portanto, precedido a batalha do Jenipapo em Campo Maior, episódio ocorrido em 13 de março de 1823.

Entendemos, portanto, que o Decreto n.º 12.824 de 19 de outubro de 2007 reconhece e insere, merecidamente, o 22 de janeiro de 1823 em Piracuruca como data integrante das comemorações alusivas ao processo de adesão do Piauí à independência do Brasil, haja vista ter sido a primeira manifestação pública em que houve, de forma efetiva, ânimo de confronto, de enfrentamento, por parte dos independentistas em relação às forças militares que se mantinham fiéis a Portugal [13].

Ressaltamos, ainda, que, além de ter sido o palco do importante episódio que acima destacamos, Piracuruca foi onde, pela primeira vez, houve combate armado efetivo em defesa da independência do Brasil em solo piauiense, consistente em escaramuça ocorrida em10 de março de 1823 às margens da lagoa do Jacaré, pois só após é que Fidié marcharia em direção ao cenário em que se desenrolou a batalha do Jenipapo em Campo Maior, em 13 de março de 1823.

Em arremate, e debruçando os olhos sobre as palavras libertárias enunciadas por Leonardo de Carvalho Castelo Branco em Piracuruca, bem assim sobre o sonho de liberdade concretizado a partir da decisão dos independentistas de se tornarem caminheiros desafiadores das armas de Portugal e da natureza e de suas veredas, trilhas, serras, e outras armadilhas, somos levados a crer que a liberdade é sonho muito para uma só voz, para expressar-se num só lugar, para uma só tarde perdida no tempo! É a liberdade a aventura do desejo que se precipita em inacabáveis ondas que insuflam as almas, numa construção coletiva, a lutar por outros caminhos, pelas utopias que nos alimentam, pela criação de novos cenários. Numa expressão, se pudéssemos parafrasear o poeta, diríamos, sobre a liberdade: Viva a nossa santa independência!

Piracuruca/Teresina, em 21 de dezembro de 2007.

BIBLIOGRAFIA

BITENCOURT, Jureni Machado. Apontamentos históricos da Piracuruca. Teresina: COMEPI, 1989.

BRITTO, Anísio. O município de Piracuruca: separata do “O Piauhy no centenário de sua independência”. Piracuruca: Padrão Artes Gráficas, 2000.

CHAVES, Monsenhor Joaquim. O Piauí nas lutas da independência do Brasil. Teresina: Alínea Publicações Editora, 2005.

GONÇALVES, Wilson Carvalho. Dicionário enciclopédico piauiense ilustrado. Teresina: Halley, 2003.

NEVES, Abdias. A guerra do Fidié. 3. ed. Teresina, Projeto Petrônio Portella, 1985.

PIAUÍ. Decreto n.º 12.824, de 19 de outubro de 2007. Declara o 22 de janeiro de 1823 como data integrante das comemorações alusivas ao processo de adesão do Piauí à independência do Brasil no município de Piracuruca, e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Piauí, n.º 204, de 29 DE OUTUBRO DE 2007.


* Advogado militante no estado do Piauí e Professor dos cursos de Direito, Turismo e História da FAP Teresina.

[1] PIAUÍ. Decreto n.º 12.824, de 19 de outubro de 2007. Declara o 22 de janeiro de 1823 como data integrante das comemorações alusivas ao processo de adesão do Piauí à independência do Brasil no município de Piracuruca, e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Piauí, n.º 204, de 29 de outubro de 2007.

[2] Nascido na fazenda Taboca, Barras, hoje Esperantina-PI, 1788-1873. Um dos mais combativos militantes da nossa Independência. Revolucionário, poeta, prosador e mecânico. Autodidata. Portador de uma extraordinária cultura. Foi um dos vultos mais grandiosos da história de nossa independência. In: GONÇALVES, Wilson Carvalho. Dicionário enciclopédico piauiense ilustrado. Teresina: Halley, 2003, p. 73.

[3] NEVES, Abdias. A guerra do Fidié. 3. ed. Teresina, Projeto Petrônio Portella, 1985.

[4]Idem, p. 59.

[5]BITENCOURT, Jureni Machado. Apontamentos históricos da Piracuruca. Teresina: COMEPI, 1989, p. 79.

[6] BRITTO, Anísio. O município de Piracuruca: separata do “O Piauhy no centenário de sua independência”. Piracuruca: Padrão Artes Gráficas, 2000, p. 7.

[7] Mario Meireles apud BITENCOURT, Jureni Machado. 1989, pp. 79-80.

[8] Pereira da Costa apud BITENCOURT, Jureni Machado. 1989, p. 80.

[9] Op. cit., p. 81.

[10] BRITTO, Anísio. Op. cit., pp. 7-11.

[11] Op. cit., p. 11.

[12] CHAVES, Monsenhor Joaquim. O Piauí nas lutas da independência do Brasil. Teresina: Alínea Publicações Editora, 2005, p. 78.

[13] Ainda uma vez destacamos que, do ponto de vista cronológico, a primeira proclamação de independência do Piauí em relação a Portugal ocorreu na vila de Parnahyba, em 19 de outubro de 1822. Porém, o diferencial do ato em Piracuruca (22 de janeiro de 1823) foi o inequívoco ânimo de enfrentamento, por parte dos independentistas, das forças defensoras da permanência da fidelidade do Piauí ao jugo português.

Advogado e Professor
jarbasgma@hotmail.com 

Data: 1 de janeiro de 2008

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