terça-feira, 13 de março de 2012

Os heróis anônimos do Jenipapo

Ilustração: Netto.

Laurentino Gomes 
(historiador, autor dos best-sellers '1808' e '1822')

Chego a Teresina, com chuva e temperatura amena, para a cerimônia de homenagem aos mortos da Batalha do Jenipapo, ocorrida há exatos 188 anos. Foi o mais trágico, e também o mais simbólico, de todos os confrontos da Guerra da Independência. Brasileiros e portugueses se bateram entre as nove horas da manhã e as duas da tarde de 13 de março de 1823 nas margens do Rio Jenipapo, no município de Campo Maior. O resultado foi uma carnificina: cerca de 200 piauienses e cearenses mortos e mais de 500 feitos prisioneiros. As perdas representaram um terço do improvisado exército brasileiro composto em sua maioria por vaqueiros, comerciantes, alguns vereadores, um juiz, além de velhos e adolescentes. Os portugueses, comandados pelo major João José da Cunha Fidié, tiveram apenas dezesseis baixas.

Para os portugueses, foi uma vitória com sabor de derrota. Fidié rapidamente chegou à conclusão de que seria inútil resistir à onda revolucionária iniciada mais de um ano antes no Rio de Janeiro com o Dia do Fico (9 de janeiro de 1822) e reforçada no Grito do Ipiranga, a 7 de setembro do mesmo ano. A tragédia do Jenipapo demonstrava a determinação dos brasileiros de lutar ao lado do imperador Pedro I pela independência, mesmo que de forma desorganizada e à custa da própria vida. Por isso, em vez de prosseguir até Oeiras, a então capital do Piaui a esta altura também em mãos dos revolucionários, Fidié decidiu cruzar o Rio Parnaíba e se refugiar na cidade maranhense de Caxias, ainda controlada pelos portugueses. Ali foi cercado, preso e deportado para o Rio de Janeiro.

Na tarde deste 13 de março de 2011 (o texto é do ano passado), os heróis do Jenipapo serão homenageados em cerimônia ao pé do monumento erguido no local da batalha, com a presença do governador Wilson Martins (PSB) e outras autoridades. O monumento está situado em meio a uma floresta de carnaúba às margens da BR-343, a rodovia que liga a capital Teresina à cidade de Parnaíba, no litoral piauiense. Amanhã, segunda-feira, o episódio será lembrado também em sessão solene do Senado proposta pelo senador Wellington Dias (PT-PI). Tive a honra de ser convidado para os dois eventos pela inclusão no livro “1822” de um capítulo sobre a Batalha do Jenipapo. Na solenidade de hoje à tarde vou receber a medalha da Ordem Estadual do Mérito Renascença, a mais alta honraria concedido pelo governo do Piauí. Paranaense de nascimento, sinto-me dessa forma promovido ao posto de piauiense de coração.

Infelizmente, a Batalha do Jenipapo costuma ser ignorada pelos brasileiros das outras regiões. Nunca é citada nos livros didáticos e raramente aparece entre os relatos da Independência. As tumbas dos seus heróis anônimos em Campo Maior contem, no entanto, uma preciosa lição. É um erro acreditar que as regiões Norte e Nordeste apenas “aderiram” ao império do Brasil depois que a independência já estava assegurada no sul do país. Por essa interpretação equivocada, a decisão teria se tornado inevitável diante da consolidação do poder de D. Pedro no Rio de Janeiro e do enfraquecimento da metrópole portuguesa às voltas com dificuldades políticas e financeiras. Na verdade, a independência nessas regiões foi conquistada palmo a palmo ao custo de muito sangue e sofrimento. Foi, portanto, uma vitória de todos os brasileiros.


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Nota: três dias antes, em Piracuruca, aconteceu a Batalha do (córrego) Jacaré, envolvendo forças de Fidié e piracuruquenses (alguns dos quais foram mortos) . O evento é quase inteiramente ignorado, mas o certo é que houve efetivamente um confronto, não obstante de proporções bem modestas relativamente ao Jenipapo.

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