quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O Velho sanfoneiro chora


Cineas Santos

“Quem roubou minha sanfona, eu bem sei, foi alguém em coração”.
Luiz Gonzaga



O grande Astor Piazzola


No início da década de 90, a Argentina vivia uma aguda crise econômica. Nossos orgulhosos hermanos baixaram a crista. Uma noite, vi na TV uma cena que me deixou profundamente triste. Diante de uma casa de penhor, em Buenos Aires, um grupo de velhos músicos tentava levantar alguns trocados deixando “no prego” seus instrumentos musicais. Entre guitarras rotas e violinos ensebados, figuravam alguns bandoneons que, como se sabe, são a alma do tango. Naquela noite, dormi mal. No dia seguinte, escrevi: quando um músico é obrigado a penhorar seu instrumento de trabalho, na verdade, ele está penhorando a própria alma. Continuo pensando da mesma forma.


Seu Januário e seu filho Luiz Gonzaga

Eis que, na semana passada, experimentei a mesma incômoda sensação. Recebi um e-mail do prof. Gonçalo Carvalho, mentor do Projeto Encantadores do Sertão, dando conta do furto da sanfona do mestre Carlitos, o decano dos sanfoneiros de São João do Piauí. Minha primeira reação foi de absoluto destempero: Meu irmão, temos de encontrar esse desinfeliz e castrá-lo com faca cega para que não tire raça ruim. A bravata era só uma tentativa de driblar a tristeza que me corroía a alma. Mestre Carlitos, aos 88 anos de idade, caminha com dificuldade, mas sentado, com a sanfona nos joelhos, ainda é capaz de animar um forró. Este ano, coube a ele e ao pequeno Isac, de apenas 8 anos de idade, abrirem o Festival de Sanfona de São Raimundo Nonato, um duo que emocionou a plateia.Muito animado, o velho sanfoneiro falou de sua alegria de estar ali “alegrando tanta gente”. A sanfona furtada, uma velha Todeschini, presente de um genro, o acompanhava há 25 anos. Juntos, animaram casamentos, batizados, quermesses, reisados e forrós. Desde o dia do furto, 10 de dezembro, mestre Carlitos só tem olhos para chorar.

Seu Carlito e sua sanfona querida em evento recente
(jan/2011) em São João do Piauí

Indiferente ao sofrimento do velho, o larápio pervaga por aí à caça de novas presas. O que distingue um ladrão de uma pessoa decente é, entre outras coisas, a absoluta ausência do sentimento de piedade. Por oportuno, vale lembrar que, no auge da carreira, Luiz Gonzaga teve sua sanfona furtada por um vagabundo qualquer. Como tinha fama e milhares de fãs e amigos, o velho Lu ganhou uma soberba sanfona branca onde fez gravar a frase: “Sanfona do povo”. O episódio rendeu-lhe uma bela toada cujo refrão diz: “Quem roubou minha sanfona peço não faça de novo!/ pois esta sanfona bela que eu estou tocando nela é a sanfona do povo”. O Rei do Baião poderia comprar quantas sanfonas quisesse; mestre Carlitos, não. Além disso, seus amigos - pobres como ele - não poderão ajudá-lo.

Em momentos assim, lamento profundamente não ter ficado rico, o que não me impede de encabeçar uma lista de pobretões para juntarmos nossos caraminguás e comprar uma sanfona nova para o mestre Carlitos, um cidadão que, ao longo da vida, dedicou-se a produzir beleza. Os que desejarem integrar esta corrente solidária que se habilitem. Como cantam os cegos de feira: “O pouco com Deus é muito”. Assim seja.

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Irmãos e irmãzinhas: privar um músico da companhia do seu instrumento é cortar-lhe as asas da alma. Foi o que fizeram com Mestre Carlitos, o decano dos sanfoneiros do sertão. No dia 10 do mês em curso, furtaram-lhe sua velha Todechini, sanfona que o acompanhava há quase trinta anos. Aos 88 anos de idade,o velho perdeu o tesão pela vida e, com o olhar perdido, parece esperar um milagre que teima em não acontecer. Bem, o milagre seremos nós: vamos comprar uma sanfona para seu Carlitos. É o mínimo que se pode fazer por um cidadão que gastou a vida inteira produzindo beleza. Eis o número da conta:
Conta poupança 24954-8
Variação 1
agência 0519-3
Banco do Brasil.
Qualquer contribuição soma.
Em tempo: não é corrente da sorte, nem trote, nem vírus; é só um gesto humano, demasiadamente humano, com diria "o louco".
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Sanfoneiro Carlitos

Carlitão de Aço dos 120 baixos, Conjunto “Forró Macio”. Foi assim que começamos a conversa com o senhor Carlitos José do Nascimento, porque é assim que ele se autodenomina: “Carlitão de Aço dos 120 Baixos, às suas ordens!”. Com 84 anos, seu Carlitos parece ter menos de vinte e, tal qual ficou consagrado na voz da “Pimentinha”, Elis Regina:


Saudades da Pimentinha!

Seu Carlito é desses que se inflamam, porque é fogo e está sempre preparado pra outros invernos!
Filho de lavradores: sua mãe chamava-se Josefa Maria da Conceição, e seu pai, Manoel do Félix, seu Carlitos nasceu na comunidade Baixa do Cachê, município de São João do Piauí, em 06 de setembro de 1924. No ano de 1944 comprou seu primeiro instrumento – “era uma sanfoninha dessas 8 baixos, uma ‘pé-de-bode’, o senhor conhece.” Minha mãe foi contra. Ela dizia: “Você vai vender o que tem pra se tornar um malandro?” “…em 1952, quando eu morava em São Paulo e trabalhava como servente de pedreiro – “vida dura!” – eu substituir a bichinha por uma de palheta, e depois, em 1954, comprei uma 24 baixos. Mais na frente, em 1955, troquei a de 24 baixos por uma de 120, que era de uma professora, e ela estava precisando de uma menorzinha, acho que para um filho dela. Lembro que eu ainda voltei 150 mil réis, mas a partir daí, tava montado numa sanfona pai d’égua!”.A conversa com seu Carlitos durou mais de uma hora, e lhes garanto: foi muito prazerosa! E ele encerrou assim: “Toco sanfona porque sei e gosto! Tenho quase 87 anos e ainda toco forró, e tendo precisão, ainda danço!”.

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