sábado, 1 de outubro de 2011

Gurgueia é cidadania

Crianças simulando uma gurgueia na panela.

Paulo Chaves
Jornalista e Escritor 

De todos os grandes problemas piauienses, o mais notável é justamente sua incapacidade de crescer, do ponto de vista estrutural, aí abarcando da ineficiência política em formar os recursos essenciais para a garantia desse procedimento, à pequenez evidente dos governantes, fruto de sua visão eternamente eleitoral, da falta de projetos consistentes e factíveis, da fragilidade do objetivo inabalável de trabalhar pela melhoria da qualidade de vida da população, e do conjunto de elementos que poderiam confirmar um processo honesto de desenvolvimento – parlamentares comprometidos com a causa, força política, aplicação sem desvios dos recursos eventualmente assegurados, propostas coerentes, envolvimento da população e de suas estruturas de representação. 

Por seu tamanho, particularidades e atraso estrutural visível, o Sul do Piauí, rico e futurista, vive a maldita condição de ônus. É praticamente um aleijão. Mas vem de lá o grosso do “pouco” que se produz e justifica o PIB estadual. Produtos do agronegócio (soja, mel, caju e derivados), industrial (cimento), energia elétrica e em breve do boom da mineração. Se fosse possível que os recursos tributários resultantes dessa atividade produtiva ficassem por lá o panorama seria outro. Ter-se-ia estradas, ou as estradas que se reclama, água, menos trauma nas estiagens, energia, produção agrícola sustentável, educação e saúde em sintonia com a necessidade das pessoas, se teria mais justiça social e menos vergonha desse desastre de hoje. Sem esses recursos, no entanto, o Piauí ou o Norte, estaria perdido. 

Ao invés de se criar grupos de estudos para, de um lado, promover ações que soergam os combalidos cidadãos que sofrem a falta de quase tudo na região, potencializando as riquezas sulistas e sua vocação desenvolvimentista, e, do outro lado, a alavancagem integral do Piauí livre das amarras impostas pelo ônus territorial, pessoas andam pela mídia criando estruturas para lutar contra a criação do novo estado. O argumento que lhes move é condizente com o tamanho das suas mentalidades: a ressurreição política dos que em algum tempo tiveram privilégios eleitorais na região. Pura mesquinharia! 

Num estado onde ressalta a mesquinharia política, a pequenez dos olhares administrativos, a mediocridade dos projetos e dos que exercem a função pública, não é de se estranhar aquele argumento. Somente os exemplos dos estados onde isso ocorreu, a transformação de uma estrutura territorial e administrativa em duas, seria o bastante para a unidade em torno da tese que promete a redenção de dois, contra a insuportável pobreza de um. 

Penso em quantos anos aqueles irmãos descuidados das providências do poder público ainda terão de sofrer esse abandono. Quantas crianças ainda terão de viver imundas nas suas casinhas de taipa, comendo o cuscus invariável de todo o sempre, sobrevivendo com os tostões salvadores de uma bolsa humilhante, mas por hora o único consolo? E quantos homens ainda não perderão as esperanças num amanhã diferente? E quantas mães ainda não morrerão com seus seios murchos, cancerosos, deixando seus filhos ao sabor da providência, da incerteza fria e desumana, desassistidos, sem acesso à cidadania? Quantos sorrisos não se perderão sob o sol lascante, abocanhados pela fome, pela falta de rumo, pelo avizinhar-se de mais uma noite escura? Quantas meninas não dormirão para sempre o sonho de se tornar alguém menos frágil, num mundo previsível de limitações e abandono? 

Será que os olhos de quem é contra a criação do Gurgueia já andou de fato pelas veredas do Sul extremo, ou médio, e viu as pessoas que morrem porque não tem um hospital nas redondezas de sua habitação, ou uma estradinha por onde passe a ambulância, ou à falta de um telefone através do qual possam pedir socorro numa emergência? Ou viram crianças ávidas pela hora do lanche e menos pela hora da aula, porque aquele pode lhes ser a única refeição do dia? Creio que não conhecem, e se conhecessem não ficariam contra a única e melhor possibilidade momentânea de transformação de uma realidade tormentosa. 

Um dos “cabeças” desse movimento contrário ao Gurgueia defende que criar o novo Estado seria dar o atestado de incompetência às lideranças políticas do Estado, consignando que os políticos não conseguiram, ao longo dos anos, resolver os problemas do Estado. Ora veja. Esse atestado foi entregue há muito tempo, e já está amarelado, envelhecido em discursos como esse, originado da cara de pau de alguns políticos, vez que a política é o principal espinho que recheia esse prato indigesto do atraso, que se enfia na goela de todos os piauienses todos os dias. Não sei aonde arranjaram a certeza de que é a política que vai salvar nossa gente da derrocada, se é ela a principal causa de toda a desgraça, como estão a provar, agora mesmo, promovendo um debate sem o menor sentido, frente aos benefícios inevitáveis que hão de vir com o Gurgueia. Move essa gente a vontade de aparecer, como é do feito de todo político ordinário, que pega carona até em ônibus reconhecidamente errado. O importante é estar na mídia. 

E que se dane o bom senso. Pobre estado!

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