sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Depoimento histórico

Chagas Rodrigues, em frente ao Congresso Nacional.
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Eleições de 1958. Acontecimento que abalou o Piauí
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José Gayoso Freitas 

O quadro político 

Não costumo falar de mim mesmo, mas achei por bem atender a oportuna solicitação do historiador Manuel Domingos Neto, no sentido de fazer um depoimento sobre fatos marcantes da história do Piauí, que envolveram a fatalidade da morte de Demerval Lobão e a eleição do governador Chagas Rodrigues, em 1958, após campanha eleitoral de que também participei intensamente como um dos candidatos ao governo do Estado. 

A narrativa não é fruto de pesquisa. Vem da memória e de minha interpretação dos acontecimentos. 

Corria o ano de 1958 e as eleições estavam marcadas para o dia três de outubro. A UDN, aliada ao PTB, convergiu, desde janeiro, para um candidato oposicionista a governador do Estado. Era o dr. Demerval Lobão, que percorria a capital e o interior buscando apoio das lideranças locais. Estávamos em fins de abril e o partido do governo – PSD – não havia ainda escolhido seu candidato. 

O então governador do Estado Jacob Manoel Gayoso e Almendra, que havia sido eleito por uma coligação do PSD com o PTB, já não contava, no final do governo, com o apoio deste último partido, por isso mesmo, encontrou facilidade de coligar-se com a UDN, engrossando as correntes da oposição e apoiando a candidatura de Demerval. O PTB era, diga-se de passagem, na sua maioria, integrado por um grupo de origem udenista, chefiado pelo senhor Matias Olímpio a governador. 

Embora com o afastamento dos petebistas, o governo Gayoso e Almendra ainda tinha razoável apoio político no interior e na Assembleia Legislativa, pois os pequenos partidos – PSD, PR etc. -, ao lado do PSD, ofereciam-lhe sustentação na tramitação das matérias do interesse comum. Eram sólidos os vínculos com as bases partidárias. 

Ao longo de abril de 1958, portanto, o que mais preocupava a cúpula do PSD era a seleção dos candidatos que iriam disputar os pontos eletivos nas eleições de outubro. E o ponto central desse problema era a escolha do candidato a governador, que estava sempre esbarrando em interesses conflitantes. Os adversários procuravam tirar vantagens dessa demora. 

Candidato do PSD 

No PSD, a estrutura de poder se desdobrava em faixas tradicionais de influências que incluíam as lideranças do senador Leônidas Melo e dos deputados Sigefredo Pacheco, Hugo Napoleão e Vitorino Correia, bem como a do governador que recebia ainda o suporte da família da família Almendra Freitas. Os dois primeiros – Leônidas e Sigefredo -, com marcante projeção no todo partidário, eliminavam-se mutuamente como possíveis candidatos a governador, de vez que, por várias vezes, um negara fortemente apoio aos outros nos momentos em que esse assunto foi discutido no âmbito partidário. O deputado Vitorino Correia, que já se estava ausentando da política estadual, terminou ingressando nas oposições como simples candidato a suplente de senador, pois os colégios eleitorais que o apoiavam permaneceram no PSD. 

Outros nomes eram igualmente falados como prováveis candidatos, dentre os quais o meu próprio e o do desembargador Edgard Nogueira. Ele, naquele momento, o mais viável, tinha o apoio do governador e havia sido político de grande atuação antes de ingressar na magistratura. De minha parte, sempre descartei essa possibilidade, considerando que seria fator de desgaste o estreito vínculo de parentesco que me ligava ao governador Gayoso e Almendra (meu tio) e ao seu antecessor Pedro Freitas (meu pai). Por outro lado, cogitava-se com interesse da candidatura de Hugo Napoleão ao senado. E tratava-se de um tio por afinidade, que muito merecia o nosso apoio, pelo destaque de sua atuação. Por tudo isso, eu preparava a minha reeleição para a Assembleia Legislativa sem outra aspiração, enquanto os adversários procuravam criar, na opinião geral, a imagem de uma oligarquia nos postos chaves do Estado. 

As coisas marchavam nessa fase de debates e negociações – e o tempo contra nós – quando, inda em abril, Edgard Nogueira me procura para dizer mais ou menos o seguinte: “Já refleti bastante e cheguei à conclusão de que não devo ser candidato a governador. Não vou deixar a magistratura.” E acrescentou: “Tive contatos com todos os deputados e alguns membros do Diretório fazendo sondagens. O nome que tem mais receptividade para candidato, em todas as áreas, é o seu Vou agora dizer isto ao governador.” É claro que a nossa conversa não parou aí. Teve aprofundamento. Trocamos muitas ideias, agradeci-lhe a atenção, mas reafirmei os meus propósitos de não aceitar tal indicação. Edgar não aceitou minhas negativas e foi levar o meu nome ao chefe do governo que acompanhava de perto o problema sucessório. Espalhou-se rapidamente a notícia e fui logo procurado por numerosos partidários. Devo dizer, sem falsa modéstia, que não me surpreendi com a receptividade alcançada entre os correligionários. Sempre tive o melhor relacionamento com todos nas diversas funções exercidas como deputado. Mas continuava disposto a permanecer como deputado estadual, pelos motivos antes expostos.

Os candidatos em campanha eleitoral 

Ocorreram, todavia, no dia 10 de maio, acontecimentos decisivos para a mudança do meu propósito. As lideranças mais expressivas do PSD, PTB, PR e PL realizaram reunião conjunta e decidiram formalizar um acordo com vistas à eleição de outubro. Dirigiram-se à residência do governador e, de lá, em companhia deste, foram à minha casa, onde me foi solicitado, veemente, que aceitasse o lançamento de minha candidatura, em chapa que teria a seguinte composição: para governador e vice-governador – José Gayoso Freitas (PSD) e Agenor Barbosa de Almeida (PSD), respectivamente. Para senador e suplente – José de Mendonça Clark (PR) e Sigefredo Pacheco (PSD). Para prefeito da capital – Antônio Chrysippo de Aguiar (PR), originário da UDN. O grupo que esteve em minha casa era composto de dezoito pessoas. Lá estavam, além dos nomes já citados na chapa proposta, Pedro de Almendra Freitas, Antônio de Almendra Freitas, Santos Rocha, Clóvis Melo, Constantino Pereira, Gonçalo Nunes, Patrício Franco, Costa Andrade e outros que já escaparam à memória. 

Pode verificar-se que nem o PSD, nem os outros partidos, inclusive da oposição, isoladamente, tinham possibilidade de vitória. Havia necessidade de coligações e a consequente divisão de postos eletivos. Era uma das características da época entre nós. 

Diante de tal realidade, julguei não haver outra saída honrosa senão aceitar o desafio. Aceitei o lançamento de minha candidatura e as atividades de campanha foram iniciadas com as negociações e inquietudes que se pode imaginar, incluindo a realização de expressiva Convenção, em junho, no Theatro 4 de Setembro. 

Em nenhuma das campanhas eleitorais anteriores os candidatos a cargos majoritários percorreram tanto o Estado. A observação também é válida no que diz respeito aos oposicionistas Demerval Lobão (PTB), Tibério Nunes (UDN) e Marcos Parente (UDN), candidatos respectivamente a governador, vice-governador e a senador. Mesmo como muitas tentativas de conquista de votos de ambas as partes, nossas estatísticas nos demonstravam franca possibilidade de vitória eleitoral, embora sem grande diferença. Terminávamos assim o mês de agosto sem esperar mudanças substanciais nesse quadro. 

A morte trágica de Demerval 

Todavia, no começo de setembro, uns vinte dias antes das eleições de três de outubro, um fato absolutamente inesperado e imprevisível ocorreu, verdadeira fatalidade, que viria mudar o rumo dos acontecimentos. Chocaram-se dois veículos, andando em sentido contrário e em alta velocidade, nas proximidades do povoado de Morrinhos (uns cinquenta quilômetros de Teresina). Um automóvel conduzia Demerval Lobão, Marcos Parente, José de Ribamar Pacheco (jornalista), Rubens Perlingeiro (médico carioca) e José Raimundo (chofer). Todos morreram instantaneamente. O outro era um caminhão que conduzia alguns trabalhadores em serviço na própria estrada. Ninguém sobreviveu ao desastre impressionante. 

É de se imaginar o impacto emocional que o acidente terrível espalhou pelo Piauí inteiro. As manifestações sentimentais transcenderam as fronteiras partidárias, abrangeram a população toda em cerimônia de velório, enterro, missa de sétimo dia etc. É de ser imaginado, igualmente, a repercussão que transbordou desse fato para a campanha eleitoral, em benefício das forças oposicionistas e seus representantes. O assunto (infelizmente) tornou-se tema palpitante da oratória política. 

Candidatura de Chagas Rodrigues 

O então deputado Francisco das Chagas Caldas Rodrigues, logo escolhido para ocupar o lugar de Demerval Lobão como candidato a governador, foi, naturalmente, o beneficiário principal do clima reinante. Em seguida, o senhor Joaquim Parente, que ocupou a posição deixada por seu falecido irmão Marcos Parente, como candidato a senador. Joaquim saíra jovem ainda do Piauí para trabalhar no setor privado, no Rio de Janeiro. Era desconhecido no Estado, mas foi eleito senador em poucos dias de campanha. Era boa figura humana. Desempenhou, com interesse, além deste, o mandato de deputado federal. Entretanto, o seu ingresso na vida pública foi resultante do impacto emocional daquele desastre fatal. 

Diga-se, de passagem, que o novo candidato a governador – Chagas Rodrigues – além de integrar-se no circuito emocional do momento, trazia conhecido suporte econômico e vinculações com famílias bem situadas na indústria e no comércio piauienses, enquanto Demerval, assim como nós, do PSD, já vínhamos sofrendo o desgaste de uma campanha longa, que exigia despesas vultosas com viagens, propaganda, concentrações públicas e outras atividades. 

Vitória da Oposição 

Os resultados das eleições de três de outubro vieram, então, francamente favoráveis a coligação PTB – UDN, que elegeu todos os seus candidatos majoritários – governador, vice-governador, senador e prefeito da capital, nas pessoas de Francisco das Chagas Caldas Rodrigues, Tibério Barbosa Nunes, Joaquim Parente e Petrônio Portella Nunes. Vale acrescentar que, em comício das oposições, de 17 de setembro, o senador Leônidas Mello fez pronunciamento abandonando o PSD e apoiando os adversários, mas convém dizer que os deputados estaduais que seguiram sua orientação permaneceram integrados no PSD. O desfalque não foi eleitoralmente expressivo. 

Mensagem dos candidatos 

Ao longo da campanha eleitoral de 1958, todos os problemas de interesse do Estado foram, sem dúvida, ventilados e discutidos pelos participantes em geral. Torna-se, porém, interessante destacar o que chamaríamos a linguagem ou a mensagem de cada candidato ao governo, como característica de sua imagem própria. Trata-se da ênfase que cada um emprestava a certos assuntos. 

Demerval Lobão era tido como pessoalmente honesto, forte, coerente e combativo. Inspirava confiança aos amigos, mas tinha pouca comunicabilidade popular. Criara fama de autoritário e mesmo violento quando exercera as funções de secretário da Fazenda e de diretor do Liceu Piauiense. Seus pronunciamentos estavam ligados ao moralismo político e administrativo – sinais da origem udenista – e aos ataques à chamada oligarquia. 

Chagas Rodrigues não trazia experiência administrativa. Seus aspectos mais fortes eram, ao nosso ver, a boa comunicabilidade, a oratória populista e certa influência econômica nos últimos momentos da campanha. Usando aquela linguagem populista, enfatizou temas que estavam sensibilizando áreas nordestinas, como a reforma agrária. Procurou difundir uma imagem renovadora e fez apelos aos sentimentos emocionais do povo, ainda chocado com os efeitos do desastre recente. Antes, não possuía densidade política para chegar ao governo, mas, nas circunstâncias reinantes e com sua capacidade de comunicação, conseguiu atrair a atenção de muita gente. Durante dois mandatos de deputado federal não criara incompatibilidade profundas na política estadual, a não ser em pequenos setores localizados em Parnaíba. Batia, também, frequentemente na velha tecla da oligarquia no poder. 

De nossa parte, procurávamos focalizar temas relacionados ao desenvolvimento econômico, preferencialmente, apontando projetos já iniciados no governo Gayoso e Almendra, como o Banco do Estado, o Frigorífico do Piauí, o problema energético etc. Falávamos do nosso bom relacionamento político e experiência para promover convergência de ações em torno de tais projetos que dependiam de decisões maiores junto ao governo federal. 

Quanto à falada oligarquia, tentávamos demonstrar a inexistência de um espírito oligárquico em nosso Estado. Negávamos o nepotismo ou o “familismo” que pretendiam combater. Famílias numerosas, por serem mais antigas no Piauí, eram entrelaçadas e muitos dos seus membros, de real competência, estavam no exercício de altas funções públicas. Isto havia ocorrido sempre. Era uma realidade que não dependia de nós, individualmente. 

De forma simplificada, estas são as nossas impressões pessoais dos acontecimentos narrados, depois de 26 anos. Tentamos ser tão objetivos quanto possível, pois já se disse que a objetividade total é impossível quando estamos envolvidos nos fatos. Resta uma palavra de agradecimento aos que nos deram oportunidade de relembrar ocorrências tão expressivas da história do Piauí.

Almanaque da Parnaíba,
60ª edição, Parnaíba, 1985, páginas 41 a 43.
José Gayoso Freitas concorreu com Chagas Rodrigues, pelo PSD.

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