quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

O trágico e a tragédia no Conteto de Natal

Airton Sampaio. Foto de Kenard Kruel.

Emerson Araújo*

“A relação entre o trágico e a tragédia
não pode ser tomada pela simples
categorização gramatical, já que a
relação semântica entre os dois
conceitos é bem mais complexa do que
parece na busca de uma resposta
superficial.” (Carlos Pinto Corrêa in O
trágico e a tragédia, vinculação e
escolha).

Aproveitando a assertiva de Carlos Pinto Corrêa que procura estabelecer certa distinção entre o “trágico” e a “tragédia”, adentro na estrutura elaborativa do “Conteto de Natal” de Airton Sampaio para tentar vislumbrar a possibilidade desta diferença.

Antes de qualquer especulação sobre a proposta do parágrafo anterior, torna-se necessário dizer que a Airton Sampaio em sua contística tem nos apresentado um exercício, quase cotidiano, de projeto construtor de arte literária privilegiando a limpeza frasal como nenhum outro contista de sua geração. Aquilo que parece ser uma obsessão elaborativa, em Airton Sampaio e em sua narrativa, nos leva a crer, também, que é a inquietação de um autor em conflito com a sintaxe frouxa, redundante ainda tão comum no universo da prosa literária. A linguagem frasal posta na obra deste autor é um trabalho de esmero que surge vigorosa sempre quando ele nos presenteia com um texto novo.

Mas o foco aqui não é a obra de Airton Sampaio como um todo, é apenas uma pequena mostra dela feita através do texto: “Conteto de Natal” publicado no blog da Confraria Tarântula em 2009 e reprisado no blog do autor em 24/12/2010. Este conto, a princípio, é uma demonstração cabal de que a linguagem frasal enxuta quer suplantar todos os outros elementos estruturais da narração. Linguagem, a parte, se percebe que existe um conteúdo pano de fundo que delineia a especulação teórica do diferencial entre o trágico e a tragédia como quer Carlos Pinto Corrêa in O trágico e a tragédia, vinculação e escolha.

“Conteto de Natal” nos parece o melhor exemplo, na literatura, para se diferenciar trágico/tragédia. Com a predominância do discurso direto o enredo montado no conto remete para a tragédia nos seguintes moldes segundo MOST (2001).: “O trágico, expressão mais comum no nosso vernáculo, refere-se ao que traz a morte, a desventura, o calamitoso ou sinistro. Em seu sentido literário significa esplêndido, grandioso, não inteligível, e é geralmente negativo. O seu uso coloquial moderno, quase vulgar, está em oposição ao conceito desenvolvido entre filósofos e intelectuais dos dois últimos séculos, que o vinculam à tragédia, um gênero que compreende um conjunto de textos específicos, um entendimento coloquial e outro filosófico. Na verdade o trágico descreve certos tipos de experiências ou de traços básicos da existência humana. "O termo não é estético mas antropológico ou metafísico: ele não define um gênero literário mas a essência da condição humana, em sua estrutura imutável ou como se manifesta em circunstâncias excepcionais, catastróficas". Apesar de não ser um texto teatral por excelência, mas este pequeno conto se configura com uma tragédia nos moldes apresentados pelo teórico grifado a medida que se percebe a essência do ser humano numa situação catastrófica, tendo como pano de fundo um natal atemporal e ageográfico.

Juliana, José e João personagens reduzidos de “Conteto de Natal” representam o tripé fundamental da tragédia anunciada. Estes personagens fazem parte de uma concepção trágica da passionalidade, portanto, fica difícil não compreender que toda tragédia não se monta no trágico. MOST mais uma vez é esclarecedor quando continua afirmando:“...não é acidental que o termo trágico é libertado de sua ligação com uma forma literária e generalizada para se aplicar à condição humana no exato momento da história.” Entendemos que é no exato momento da história de Juliana, José e João que o trágico movimenta a tragédia no conto de Airton Sampaio, levando-os ao catastrófico: “Aí um corpo estendido, não mexam no presepinho ensangüentado, deixem essa árvore toda quebrada quieta, fotografem tudo, alguém por favor diga à merda desse vizinho para parar de repetir esse troço, Noite feliz, Noite feliz, Pobrezinho...”

Sem mais delongas, seja na utilização do discurso direto, seja na configuração da frase enxuta, na redução do espaço e nas personagens, “Conteto de Natal” é uma tragédia moderna nascida do trágico humano no natal, ou melhor, nos natais atemporais e ageográficos.

Referências:
CORREA, Carlos Pinto - O trágico e a tragédia, vinculação e escolha – (clique aqui)
MOST, Glenn (2001) - Da tragédia ao trágico - In: Filosofia e Literatura: o trágico, Jorge Zahar Editor, Rio de janeiro, 2001

*Emerson Araújo é professor.

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