Cláudio Barros
Durante dez anos, de 1969 a 1979, Francisco das Chagas Caldas Rodrigues foi um exilado em sua própria pátria. O ex-governador e ex-senador fora cassado pela ditadura militar. Perdeu os direitos políticos e o emprego de procurador da Fazenda Nacional, mas o que mais o deixaria triste era a proibição expressa de que não voltasse ao Piauí, que governou entre 1958 a 1962, e onde lançou as bases de algumas das idéias que depois se tornariam quase que uma obrigação no discurso político de qualquer espectro ideológico.
Chagas se elegeu numa situação inusitada. Ele era candidato a um terceiro mandato de deputado federal, numa aliança que reunia a União Democrática Nacional (UDN) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). O candidato a governador era outro reformista como Chagas, Demerval Lobão Veras. Só que um acidente tirou a vida de Demerval e do candidato ao Senado, Marcos Parente. “Escapei milagrosamente, porque eu também iria viajar com eles, mas me atrasei e eles seguiram sem mim”, diz o senador.
A morte de Demerval, que Chagas achava ser o homem certo para tocar um projeto de renovação do Estado, fê-lo candidato a governador, por proposição do então senador José Cândido Ferraz. Em 1958, aos 36 anos, tornou-se o mais jovem piauiense a eleger-se governador. E com as suas idéias reformistas, faria uma administração marcada por preocupações sociais.
No governo, criou o embrião do sistema estadual de planejamento e deu início à expansão do ensino, criando escolas públicas para a formação de professores em Floriano, Parnaíba e Oeiras. Foi o primeiro governante do Estado a pagar o salário mínino aos servidores, depois de sanear as finanças públicas e produzir um superávit orçamentário. “Sempre achei que o governo deveria gastar menos do que arrecadava. Considero o equilíbrio das finanças públicas a chave do sucesso de um governante”, diz o ex-governador.
Chagas Rodrigues fez obras públicas grandes: pontes, estradas, escolas, prédios para o serviço público. Uma dessas obras, o edifício-sede do DER, é um marco arquitetônico da cidade, porque é o primeiro com pilotis. Entretanto, são as idéias dele que são um legado mais importante ao Estado. “O planejamento para mim sempre foi essencial ao governo, porque pode até haver uma mudança nas idéias, mas nunca no rumo da administração pública, que deverá sempre buscar o bem-estar das pessoas”, ensina.
Depois de governar o Estado, perdeu a disputa política em 1962 para Petrônio Portella. O candidato dele a governador, Constantino Pereira, sucumbiu ante à aliança costurada por Petrônio reunindo UDN e Partido Social Democrata - que eram forças políticas conservadoras. Chagas, candidato ao Senado, foi derrotado, mas elegeu-se deputado federal, mudando-se para Brasília (DF). “Moro desde 1963 no mesmo apartamento”, informa o ex-governador, que se reelegeria deputado federal em 1966 e seria cassado três anos depois, uma semana depois que seu amigo Mário Covas teve os direitos políticos suspensos. Covas era o líder do MDB - Movimento Democrático Brasileiro - e Chagas o seu vice-líder.
Acometido de uma doença neurológica, Chagas está mais uma vez proibido de vir ao Piauí. Desta vez, não é a insensatez política que o impede, mas os riscos que oferecem uma viagem aérea. Vive em Brasília ao lado da mulher, dona Maria do Carmo, que também foi pioneira como o marido. Antes dela, mulher de governador era mais dada a chás com senhoras da alta sociedade. Maria do Carmo arregaçou as mangas e fez-se uma primeira-dama que prestou enorme serviço à comunidade.
Com Getúlio, mas sempre contra qualquer ditadura - As idéias reformistas foi quem empurraram Chagas para o trabalhismo forjado no governo Vargas. Em 1950, ele estava na frente de partidos que se opunham ao ex-ditador. “Matias Olímpio, que era o nosso líder e foi eleito senador, dizia que se tínhamos idéias reformistas tínhamos que deixar o partido”, conta.
Matias foi convidado por Getúlio a filiar-se ao PTB e com ele seguiram Chagas e Demerval Lobão.
O jovem deputado federal, que tanto combatera o ditador Vargas, porém, não foi sem protestar. “Eu disse ao senador Matias. “Mas senador, como posso estar ao lado de um homem que era um ditador aque eu sempre combati?” E Matias respondeu: “Chagas, ele agora é o presidente constitucionalmente eleito do país. Além do mais, Getúlio passa, mas o trabalhismo fica.” E assim me filiei ao PTB e iniciamos uma longa jornada”, revela o ex-governador. A longa jornada o faria duas vezes deputado federal, governador e senador. Mas nunca o afastaria das idéias dissociadas do liberalismo tão em voga atualmente, mesmo em seu Partido da Social Democracia Brasileira. “A democracia social ainda está evoluindo no Brasil. Veja como nos últimos dez anos melhorou a educação, caiu o número de analfabetos, aumentaram as universidades e a inflação foi debelada. E essa é uma conquista do PSDB: o fim da inflação, que é o mais perverso dos impostos contra os pobres”, diz.
Chagas está certo de que “a luta pela democracia deve ser permanente, não se encerra nunca.” Essa luta, ensina, “não se faz apenas na arena política, mas também na busca de melhor educação, de saúde com maior qualidade para todos, no bom funcionamento do Judiciário e do Ministério Público, como instrumentos de produção de justiça e não de negação dela aos mais pobres.”
Com Covas e FHC, Chagas foi fundador do PSDB - o Chagas afirma que desde sempre foi parlamentarista, daí a sua saída do PMDB em 1989 para criar junto com Covas, Fernando Henrique, Euclides Scalco, Franco Montoro e outros o PSDB. Presidente da Comissão de Ética do partido, foi também líder no Senado, sucedendo Covas e sendo sucedido por Fernando Henrique.
“O PSDB é um partido parlamentarista e social democrata com o qual eu me identifiquei muito, porque acredito que a democracia com preocupações sociais ainda é o melhor sistema político. Nunca tolerei ditaduras, fossem elas de esquerda ou de direita. Ditaduras são crimes e como tal se igualam na torpeza criminosa, se equivalem sejam quais forem as suas motivações de natureza ideológica”, afirma um convicto Chagas Rodrigues.
Ele fez oposição a Vargas, mas depois tornou-se aliado dele. “Eu até apreciava o aspecto trabalhista do governo Vargas, mas acho que se consegue tudo com a democracia.” Para Chagas, Getúlio Vargas estava à frente de uma “ditadura de bacharéis”, enquanto em 1964 havia uma “ditadura de generais”.
A despeito de sua profunda profissão de fé nos ideais democráticos, Chagas não considera que sejam os governos ditatoriais totalmente ruins. “Não há político 100% ruim ou 100% bom. Assim, o ditador pode ter seu aspecto positivo, mas não conseguirá jamais ser um governante tão bom quanto o pior governante eleito pelo voto direto, que sempre defendi como um direito sagrado do povo.”
Devoto de São Francisco, ele perdoou um ditador - Cassado por ordem do general Da Costa e Silva, proibido de vir ao Piauí e até de entrar nas dependências do Congresso Nacional, Chagas, porém, não carrega um pingo de mágoa. “Perdoei o ditador porque quem tem convicções democráticas não pode carregar o ódio no peito. Além do mais, meu padroeiro é São Francisco, que prega o amor e o respeito ao ser humano”, diz Chagas Rodrigues, “católico não praticante, mas com profundas convicções religiosas.”
Pai de quatro filhos, Teresinha (psicóloga), Almira (socióloga), Conceição (pintora) e José Alexandre (contador), o exsenador, de 78 anos, fala da família como o maior de seus patr imônios, porque nunca foi homem de acumular riqueza, já que a política o deixou com menos dinheiro do que quando iniciou. “Um de meus netos, Fabiano, filho de Almira, está fazendo doutorado nos Estados Unidos”, conta, orgulhoso.
A dor no nervo facial lhe impôs uma rotina mais espartana do que ele já tinha. O remédio prejudicou a memória e o fez parar de dirigir o próprio carro. “Já até pensei em escrever minhas memórias, mas ainda não me dispus a isso com toda convicção do mundo”.
Quando estiver disposto a escrever, Chagas Rodrigues terá muito o que contar para gerações inteiras que não o conheceram ou que sabem mais da sua existência porque ele dá nome a uma avenida em sua Parnaíba natal. Terá histórias como o seu pedido pessoal a Juscelino Kubstischek para que fosse feito o projeto da barragem de Boa Esperança ou a reunião em que apelou a Jânio Quadros para que não suspendesse a obra.
Cláudio Barros, da Editoria Geral
Jornal Meio Norte, sexta-feira, 15 de janeiro de 2001 - Especial.
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