sábado, 14 de agosto de 2010

Ouçam, Cantem, Imitem L. Gonzaga

Luís Gonzaga, Rei do Baião.

José Maria Vasconcelos
josemaria001@hotmail.com

Foi um rei que passou em Luís Correia, digo, Luís Gonzaga, à beira da praia. Um jovem aparece-me com generosa quantidade de CDs piratas do mais indigesto forró. Nenhum me agradava, ainda caçoei do mau gosto. Encabulado, cavou o fundo da caixa: “Senhor, tenho aqui um CD de Luís Gonzaga. Serve?” Um serve para aliviar a tensão que lhe movi. O CD encontrava-se escondidinho, por não seduzir a curiosidade da galera, que se empanzina com forró peba. Um filé misturado à ração dos porcos. O CD do Rei do Baião trazia acervo de quase duzentas músicas.

Durante todo o regresso a Teresina, Gonzagão não me deixou cochilar. Eu e Rita cantarolávamos, acompanhando acordes e fios melódicos, de umedecerem-nos os olhos. Não sabíamos qual o melhor, se o talento musical de L. Gonzaga, se os geniais versos de criatividade e registros telúricos de Humberto Teixeira ou de José Dantas. As letras reproduzem, com perfeição artística, a linguagem, fauna, flora, rios, florestas, ginga cabloca, religiosidade, seca, inverno, pobreza e progresso, êxodo, regresso, paixões, comidas, tudo, tudo que compõe a paisagem humana e geográfica do Nordeste, especialmente o sertão.

Olhe só esta obra-prima: “Neste coco (ritmo) num vadeio mais/ Apagaram o candeeiro e derramaram o gás.” Retrato do arrasta-pé sertanejo de antigas eras, sem luz, só luar. Esta outra não me cansa de citar: “Quando o verde dos teus oios se espraiá na prantação/ eu te asseguro, viu,/Não chore, não, viu,/ Que vortarei, viu, meu coração. Para quem se engasga com o besteirol crônico, irreverente e vulgar das porcarias que se ouvem, repetida e avidamente, na maioria das FMs, parecem bobagens os dois trechos. Que arte se encontra em versos de tão tropeçado português? Primeiramente, precisa-se aprender o significado de arte, que não se traduz só em fazer, mas criar, isto é, fazer algo que ningém já fez. Alguém por aí já criou esses versos? Ninguém. Somente Humberto Teixeira. Logo, considera-se o trecho uma obra de arte. Inclusive a reprodução fiel do falar cabloco. Se fosse meu falar, não haveria mérito.

Certos babacas, atacados de epidêmica submissão americana, abarrotam a programação da FM com músicas em inglês, que perdem feio para o talento de Roberto Carlos, ou do gênero, mas se envergonham de inserir, no roteiro, lindíssima “Detalhes” ou “Café da Manhã. ”A praga atinge até crianças em concursos de talentos. Mastigam gemedeira e lentidão românticas de fora, e cospem no sentimentalismo nacional. Nenhuma nação sul-americana, européia ou oriental, exceto Israel, ajoelha-se a tudo que vem dos americanos. Eles proíbem execução de música estrangeira, sem tradução, na mídia, devem sacanizar nossas bananas mal mastigadas. Ainda nos obrigam eternizar Elvis e outros farofeiros.

A Luís Correia, talvez, volte em breve. É que me esqueci de sugerir ao vendedor de CDs oferecer a produção de Luís Gonzaga bem na entrada das faculdades e escolas de Ensino Médio. Do jeito que anda de quatro pernas a cultura de muitos jovens, acredito que não comprarão nada. Ou porque não sabem ler ou interpretar modestas poesias, ou nem mesmo ouviram falar de um tal Luís Gonzaga. Mas já decoraram Calcinha Preta, imunda. “Você não presta, mas eu gosto de você.” Um barato, cara! Todo mundo canta, logo é arte. Arte glútea.

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