Rogério Newton
Entre as ruínas da Casa das Armas em Oeiras, existe, caindo aos pedaços, um baú que pertenceu ao Desembargador Cândido Martins. Dentro dele, comido pelos cupins, há papéis amarelados cheios de poeiras, livros em latim e francês, publicações diversas, documentos, processos se desfazendo e, escrito em letra impecável numa cadernetinha, um manuscrito jurídico: as “Lições”, numeradas em algarismo romano. Esse material, como de resto o que produziu ou pertenceu ao desembargador, é praticamente impossível de se recuperar.
A Casa das Armas, construída no século XVIII, serviu de residência ao desembargador até 1940, ano de sua morte. Contudo, além de sua memória e do velho baú, a casa, ou melhor, seus escombros, guarda um pedaço da história do Piauí.
Quando Oeiras era capital da província, a velha construção foi Casa de Câmara, Depósito de Armas e sede do Tesouro português. De lá saiu, em 1821, o escrivão Antônio Maria Caú e seu malogrado movimento que pretendia derrubar o governo e dividir com os pobres as Fazendas do Fisco. Ainda que os mais apressados a considerarem uma velharia imprestável, é preciso dizer que a Casa das Armas carrega verdades escondidas em seus destroços. No largo à sua frente, hoje uma praça, havia o pelourinho, onde se castigavam escravos e criminosos do reino. Os mais antigos não escondem nostalgia ao lembrar o lampião na calçada. Aliando os fatos do passado, suas ruínas são altamente evocativas. As paredes de taipa e adobe, apesar de há muitos anos sem o teto de couro de boi e carnaúba, se mantém incrivelmente de pé, desafiando a cara dura do tempo e dando uma lição nos modernosos arquitetos de hoje em dia.
Mais recentemente, a velha casa está ligada a um homem de traço marcante, o Desembargador Cândido Martins, Juiz, promotor, vice-governador, “fazedor de intendentes”, liberal da Escola do Recife, o desembargador pontificou na política de Oeiras nas três primeiras décadas deste século. Os últimos anos de sua vida foram marcados pela loucura, de trágico epílogo. Infelizmente, uma faceta sua, desta vez lírica, não nos foi revelada, a de escritor. As “Lições” guardadas no baú, serviram de pasto aos cupins. Não se cumpriu seu grande desejo de ver publicadas as memórias de sua mocidade, cujo manuscrito desapareceu.
Na Rua das Ilusões Perdidas, de John Steinbeck, um vagabundo indaga se vale a pena um homem ser tudo (ou nada) na vida e voltar para casa com uma úlcera arrebentada ou os miolos cozinhando. Seguindo as pegadas da personagem, nós também podemos perguntar se os exemplos dos nossos antepassados merecem ser repetidos. Seja qual for a resposta, esta não pode vir se não conhecermos estes exemplos, em outras palavras, se não conhecermos a história. A Casa das Armas e a vida do Desembargador Cândido Martins, aristocratas de lusa estirpe, têm lições incríveis, são sinais úteis ao conhecimento do passado, um passado que merece ser visto com os olhos bem abertos.
Instituições como a OAB, Poder Judiciário, Ministério Público, Prefeitura de Oeiras, Instituto Histórico e os familiares do desembargador poderiam se empenhar no sentido de restaurar a Casa das Armas, para abrigar a residência do juiz ou a futura 2ª Vara da Comarca e o Museu do Crime que se pretende organizar. Com a mesma cajadada recuperava-se também um exemplar da arquitetura antiga, além de resolver um problema de espaço para a Justiça.
É possível - e muito provável - que isso não dê em nada. Há em todas as consciências um cartaz amarelo: falta verba (e outras coisas). De qualquer forma, fica a sugestão e o lembrete: o tempo e os cupins são implacáveis.
(Publicado na Revista do Instituto Histórico de Oeiras, nº 9, 1987)
2 comentários:
Amigo Rogério, aqui João de Deus Netto, habitué da curriola da Oficina da Palavra. Mande-me uma foto sua para este endereço:
picinez@gmail.com
Né nada disso! Nem carteira eu uso.
Uma abraço.
qual a localização dessas ruinas?
Postar um comentário