quarta-feira, 30 de junho de 2010

Traição a Arimatheia Tito Filho

A. Tito Filho. Foto de Paulo Gutemberg.

Antônio Machado

É unânime dizer que José de Arimatheia Tito Filho (A.Tito Filho) é o nome mais adequado para uma lei de incentivo cultural. Criada em 1993, a lei nº 2.194 contempla trabalhos na área da música, teatro, dança, cinema, fotografia e vídeo, literatura, folclore, artesanato, artes plásticas e demais manifestações de arte do cidadão piauiense, domiciliado em Teresina. Sim, o autor de Teresina, Meu Amor foi um grande interessado em incentivar talentos teresinenses, o que justifica a homenagem ao seu nome. Preocupava-se com o drama das crianças abandonadas, das meninas prostitutas, dos miseráveis das favelas, dos proscritos das ruas descalças, das habitações subumanas, dos que não tinham vez, nem voz.
Porém, quando a Fundação Monsenhor Chaves divulga a relação dos projetos contemplados para publicação, somos obrigados a lamentar uma cultura política definida por uma sociedade que tem no favorecimento sua fundamentação. Uma postura que em nada lembra nosso professor, escritor e intérprete do cotidiano.
Um número exíguo de anônimos aparece numa lista em que predomina nomes ligados direta ou indiretamente àqueles que representam a Fundação Cultural que deveria mostrar-se mais engajada com políticas públicas. Coincidência? Se voltarmos a todos os concursos anteriores, veremos que a “coincidência” do Edital 2009 é apenas mais gritante.
Não participei do concurso nem pretendo, necessariamente, questionar a qualidade dos trabalhos selecionados, mas acredito que um evento aberto a toda a comunidade não deveria segregar os anônimos, quando são prejudicados pela política da verticalização da esfera pública a dificultar a democratização da sociedade. Ou devemos crer diariamente que esses anônimos são essencialmente incapazes, como um estereótipo, de atingir a beleza e o cuidado técnico em seus projetos? Ufanismo meu? Proselitismo oco? O melhor seria então apenas celebrar vitórias àqueles que já conquistaram espaço e que possuem nome e sobrenome, de algum modo, convenientes aos aplausos dos dirigentes da instituição idealizadora?
Alguém poderá apontar um e outro desprovido de laços de coleguismo ou mesmo vínculo com os que integram a cúpula-juízes-dos-saberes. O problema é que a minoria não é a realidade. Figuram na relação nomes de perfis consagrados e atrelados em conchavo ao “centro do poder” ou publicamente identificados através de tapinhas nas costas dos que compõem a instituição avaliadora. Na melhor hipótese, se é de esperar quase sempre os “veteranos” merecerem sucessivos créditos, então qual a razão do evento em si? Isso sem acrescer que, sem cair no paradoxo do espírito da parcialidade, é razoável apostar em projetos louváveis, mesmo quando assinados por desconhecidos da mídia, enquanto uma minoria considera o poder tal qual uma propriedade, uma coisa que se vende, compra ou troca. Não seria mais sensato pensar em manutenção do anonimato?
Nesse contexto, o evento que poderia refletir seriedade e fazer jus às iniciativas de divulgação cultural do escritor A. Tito Filho, cede lugar a apreciações baseadas em laços pessoais e de amizades, como critério maior de escolha. É a perpetuação do período da Corte do Antigo Regime, a dádiva régia contemporânea, as eminências pardas do século XXI.
Enquanto isso, minha esperança se desprende em cegas lâminas: que os contemplados da aura real tenham a oferecer esforços significativos, dignos da sede de conhecimento do povo piauiense, que José de Arimatheia Tito Filho possa inspirar nos que ficam à margem o perfil humano de não perderem em portas fechadas o desejo de meritocracia e conquista.

Antônio Machado, servidor público

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