Airton Sampaio
Li a novela O Morro da Casa-Grande, de Dílson Lages Monteiro (Teresina, Nova Aliança, 2009) de um só fôlego, para pura fruição. Depois, reli-a e tresli-a, com olhar crítico. Trata-se, a meu ver, de uma novela em tom de crônica porque os personagens e os três núcleos tramáticos não ousam deixar, ou deixam apenas timidamente, a condição de RELATO para alçar-se à de NARRATIVA . É que uma narrativa, por mais descritiva (sim, há descrições de ações) que seja, resulta de uma CRISE no desenrolar normal dos eventos, tornando-se um NÓ a ser desatado, quer para os lados, em forma de novela, quer para a profundidade, em forma de romance.
O problema, se isso for um problema, é que em O Morro da Casa-Grande o relator (não me atrevo a chamá-lo de narrador) insiste em privilegiar mais a descritividade de um lugar (Barras-PI) num dado tempo (década de 1950) do que ariadnicamente puxar, até maiores consequências, os fios que saem dos três núcleos referidos (a derrubada da igreja-matriz, o sumiço e morte de Clemílson e a passagem, aliás excelente prosa poética, dos ciganos pela cidade). Isso só é feito timidamente, mais à maneira de um relator que de um autêntico narrador, com pequenas vantagens narrativas. Frente a frente com o goleiro, Dílson Lages perde o gol.
Questão de escolha. Entre uma novela mais densa ou até um romance, o autor optou por nos dar uma crônica de mais ou menos 130 páginas. Nada contra a crônica, que é um grande gênero, mas talvez a literatura brasileira de autores piauiense estivesse agora mais enriquecida se o vezo narrativo houvesse, em O Morro da Casa-Grande, predominado sobre a cronicidade. Não que não tenhamos ganhado: a novela é boa, bem escrita, e está acima da média do que vemos comumente aparecer aqui nesta terra de muito sol e, entra governo sai governo, sempre pobreza tanta. Mas...
Também há, penso eu, o desperdício de grandes personagens, dos quais o mais pobre é o próprio relator, um menino que só não chega a ser piegas porque o autor, ainda bem, o controla e não o deixa desandar para a nostalgia, que existe, porém é, graças a Deus, contida. Os coronéis Firmino e Custódio e o trabalhador Tonho são, por exemplo, personagens de grandeza potencial que aparecem, na novela, apenas como esboços. Ora, mesmo numa novela os personagens podem crescem verticalmente, como é exemplo palmar o Ulisses de Ulisses entre o Amor e a Morte, de O. G. Rêgo de Carvalho, um monumento da literatura brasileira. Nem se trata de uma sugestão de que a novela O Morro da Casa-Grande se converta no romance O Morro da Casa-Grande: não raro a emenda sai pior que o soneto.
Como o que faz de um texto um texto literário é, a rigor, a estilização da linguagem que, por isso, atrai para si mesma as atenções da recepção, desviando-as de outros elementos secundários, como o enredo, patente é que, em O Morro da Casa-Grande, Dílson Lages Monteiro nos brinda com uma linguagem enxuta, escorreita, precisa. É claro que me causa estranheza qualquer lugar, no caso Barras, em qualquer época, no caso a década de 50, desprovido de palavras e expressões interditadas, como gírias (não precisa exagerá-las) e palavrões (idem), a denunciar a onipresença, decerto IRREAL, de um formalismo lingüístico e de uma assepsia que, espera a literatura, não advenham de nenhum moralismo, com ela incompatível. No entanto, meu maior medo, ao saber que a trama, afinal pouco desenvolvida, se passava no interior do Piauí, foi o de termos ao fim e ao cabo mais uma obra caudatária de um regionalismo tacanho, com expressões regionais metidas a fórceps no texto, à Fontes Ibiapina. Isso NÃO ocorre em O Morro da Casa-Grande, que tem evidentes marcas regionais sem ser, meramente, regionalista.
Recomendo a leitura de O Morro da Casa-Grande e saúdo a boa estreia de Dílson Lages Monteiro na prosa de ficção. O Piauí, tão infelicitado por maus políticos, cada qual disputando quem é o pior, o Piauí também carece de bons ficcionistas. Você é bom, Dílson. Avante!
Diário do Povo do Piauí, Teresina, 13 abr 2010, p. 18.
2 comentários:
eh isso aew!
Eh isso aew!
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