segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Lula e a Política da inteligência

Lulalá. Foto de Rafael Neddermeyer.

Aclamado de pé pelos participantes do 12º Congresso do PCdoB, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva agradeceu ao partido pelo apoio e lealdade e destacou a contribuição dos comunistas para o seu governo e o país. No discurso, ele aproveitou para responder às recentes críticas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à sua gestão e às declarações do cantor Caetano Veloso, que o chamou de analfabeto. “Na mesma semana em que fui tachado de analfabeto, ganhei o título de estadista do ano”, disse.

Lula, que discursou por mais de uma hora, começou sua intervenção resgatando a histórica relação entre PT e PCdoB, que já dura mais de 20 anos. Comparando a aliança ao convívio de um casal, ele lembrou que nunca houve brigas ou rompimento entre as duas legendas. Ressaltou que a sigla comunista esteve ao seu lado nos momentos bons e ruins, citando o apoio que recebeu desde a eleição de 89.

“Quando as pesquisas de opinião tiravam tanto voto meu que pensava que ia terminar a eleição devendo pontos ao Ibope, conversei com (João) Amazonas que era a hora de pensar a candidatura”, contou, com humor. Segundo Lula, ele ouviu do líder comunista que não era possível fazer a candidatura de um operário querendo agradar a todos os setores e que a campanha deveria ser dirigida aos trabalhadores. “O Amazonas era o homem que apaziguava as brigas, as divergências, entre Brizola, eu e Arraes”, elogiou, ao mencionar a capacidade do PCdoB de construir a unidade. “Definimos então que as relações entre PCdoB e PT deveriam ser uma coisa mais profunda, que, respeitando as soberanias de cada partido, estivéssemos juntos na maioria das lutas. E não poderia deixar de agradecer ao PCdoB”, colocou, lembrando as eleições de 94, 98 e 2002. “Dentro do PT teve gente que achava que eu não devia mais ser candidato. Mas, no PCdoB, não havia ninguém que dissesse isso”, afirmou, agradecido também pelo fato de o partido não “ter abandonado o barco” na crise de 2005.

Diante de uma plateia repleta de integrantes de movimentos sociais, o presidente falou sobre a época de sindicalista e defendeu: “Deus queira que muitos operários cheguem à presidência, por que aí a gente descobre a responsabilidade do cargo quando quer fazer um governo sério. (...). Na oposição, a gente diz que acha isso e aquilo. Na cadeira, você decide ou não decide, não tem trelelé. E tem que olhar a correlação de forças e as instituições”, discursou, rendendo loas também aos movimentos sociais e, em especial, à UNE.

Dirigindo-se à mesa, o presidente destacou as qualidades dos comunistas que ocuparam ministérios em seu governo, “por que tiveram caráter e lealdade”. Segundo ele, o “PCdoB foi exemplar nesses sete anos de governo”.

Continuidade - Brincalhão, Lula falou de certa “tristeza” em, pela primeira vez, não ter seu nome na cédula da disputa presidencial. “Vai ter um vazio na minha cabeça”, brincou, mencionando a pré-candidata e ministra Dilma Rousseff como a possibilidade de “continuidade de um projeto”.

Referindo-se à juventude presente no Congresso, Lula também brincou com a possibilidade de se candidatar a uma vaga no Prouni quando não estiver mais na presidência. “Talvez a UNE me aceite (...), mas acho mais fácil a UJS me aceitar”, divertiu-se.

“Prestem atenção que esta coisa é muito séria. Quem é prefeito, governador, sabe perfeitamente que um estranho no ninho pode desmontar tudo que foi feito em apenas dois anos (...). Por isso a continuidade é extremamente importante”, disse.

Recado a Caetano e FHC - Com ironia e sem citar nomes, o petista respondeu críticas sobre a sua falta de formação universitária e mandou recados ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “Se tem uma coisa inteligente é a classe operária. Tem muito intelectual no Brasil que pensa que não. (...) Essa semana eu fui chamado de analfabeto (...) e nessa mesma semana eu ganhei o título de estadista do ano”.

A declaração foi uma referência ao fato de que, no último dia 5, em uma entrevista, o cantor Caetano Veloso chamou o presidente de analfabeto e disse que, ao contrário da Marina Silva e do Barack Obama, Lula não saberia falar e seria cafona e grosseiro.

“Tem gente que acha que a inteligência está ligada à quantidade de anos no colégio. Não tem nada mais burro que isso. A universidade dá conhecimento. Inteligência é outra coisa. E a política é uma das ciências que exigem mais inteligência do que conhecimento. Inteligência para saber montar equipe, tomar decisões, não está nos livros, mas no caráter e na sensibilidade”, completou. Com ironia, ele conclui: “mas não importa. As pessoas falam o que querem e ouvem o que não querem. A vida é dura”.

Soltando indiretas para Fernando Henrique Cardoso, que no último domingo divulgou artigo falando de um “subperonismo” no governo petista, Lula alfinetou: “Compreendo o ódio, porque um intelectual ficar assistindo um operário que só tem o quarto ano primário ganhar tudo que ele imaginava que ele pudesse ganhar e não ganhou...”, disse Lula, interrompido por palmas e gritos de guerra. “Tem presidente que foi estudar dois, três anos lá fora. Eu não”, disse o presidente, afirmando que, diferente de outros presidentes, ele precisou provar desde o dia que nasceu que tem competência. “Tinha clareza, e o PCdoB sabe disso, de que se fracassássemos, levaria mais 150 anos para outro operário ser presidente”, colocou. Ainda fazendo referência a Caetano, Lula declarou, com graça, que “um país governado por um analfabeto vai terminar realizando um governo que mais investiu em educação”. E reposicionou o alvo no ex-presidente tucano: “Estamos fazendo uma vez e meia o que eles não fizeram em um século. (...) O Fernando Henrique Cardoso achava que nós seríamos um fracasso e que ele poderia voltar”.

O precedente Lula e as instituições poderosas - O petista contou ter participado recentemente de uma reunião com catadores de papel, na qual teve “a coragem de dizer para um catador: você pode ser presidente da República desse país, porque vamos deixar um legado”. Lula, contudo, afirmou que chegar ao governo não é o mesmo que chegar ao poder, “Há instituições poderosíssimas”, colocou.

O presidente citou, então, exemplos em que houve pressão contrária às suas posições quanto à política internacional do Brasil. “Queriam que eu batesse no Evo Morales. O Evo queria o gás que era dele. Eu poderia ter feito uma bravata com ele, já que a Bolívia é um país menor. Mas eu não conseguia enxergar como é que um metalúrgico de São Bernardo ia querer brigar com o presidente da Bolívia. Queria brigar era com o Bush, mas ele virou meu amigo e nunca precisei brigar com ele”, brincou. Sobre as críticas acerca da revisão do tratado de Itaipu, Lula lembrou que houve quem dissesse que o presidente não iria entrar em briga com o Paraguai por ser “frouxo”. “Como é que um país do tamanho e com as riquezas do Brasil vai brigar com o Paraguai? Preferi construir um acordo que vai dar chance de o Paraguai se desenvolver”. Sob o olhar atento da militância comunista, Lula falou também sobre o papel do Brasil na região e as dificuldades de construir a Unasul. “O Brasil não pode se comportar como se tivesse a hegemonia. Tem que ser como um companheiro mais velho, contemporizar”. E divertiu-se ao dizer que propôs a criação dos Conselhos de Defesa e de Combate ao Narcotráfico na Unasul, para poder dizer: “Obama, não precisamos de bases militares. Vamos cuidar nós mesmos do combate ao narcotráfico e você vá cuidar dos consumidores”.

Manipulação da informação - Embora não tenha feito questionamentos diretos a veículos de comunicação, o presidente por várias vezes mencionou o fato de as informações importantes sobre o país não chegarem à população. E chegou a dizer que, se dependesse de alguns meios de comunicação, ninguém saberia de nada. O presidente citou manchetes de jornais. “Uma delas, dizia: contra Lula, o PSDB treina cabos eleitorais no Nordeste. Ou seja, é um pouco o que os alemães faziam com os judeus. Ou seja, vamos treinar gente para não permitir que eles sobrevivam”, comparou o presidente.

Ele mencionou ainda uma matéria cujo título se referia à uma cobrança da ONU à meta brasileira de emissão de gases. “A ONU não tem condições de cobrar um milésimo do Brasil”, respondeu. Além do presidente Lula, a mesa do ato foi composta por diversas lideranças políticas e dos movimentos sociais, entre elas (da esquerda para a direita), João Pedro Stedile (MST); Wagner Gomes (presidente da CTB); Ricardo Berzoini (presidente do PT); Luciana Santos (secretária de C&T de Pernambuco); Rodrigo Rollemberg (deputado federal PSB-DF); os senadore Aloisio Mercadante e Inácio Arruda; Paulo Vanucchi (secretário especial de Direitos Humanos); o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães; Luiz Dulci (secretário da Presidência); Tarso Genro (ministro da Justiça); Renato Rabelo (presidente do PCdoB); Orlando Silva (ministro do Esporte); Edson Santos (ministro da Igualdade Racial); o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral; Augusto Chagas (presidente da UNE); Daniel Almeida (líder do PCdoB na Câmara); Renildo Calheiros (prefeito de Olinda); Haroldo Lima (presidente da ANP) e Aldo Rebelo (deputado federal).

De São Paulo, Joana Rozowykwiat

Um comentário:

AirtonSampaio disse...

Que companhias, hem, Lula?