Niède Guidon by Netto
Niède Guidon deixou um cargo de peso e uma brilhante carreira pela frente em um dos institutos mais renomados de Paris para se embrenhar na mata seca da caatinga piauiense atrás de rabiscos pintados em rochas, deixados por índios pelados, como desdenhavam todos, menos ela. Os tais rabiscos, que a princípio não pareciam ter qualquer importância, quebraram paradigmas e revolucionaram a história do homem americano, como ponto de chegada e como grau de cultura elevada que estes povos possuíam.O cenário? Os belos paredões rochosos de São Raimundo Nonato, sudeste do Piauí, que um dia, comprovadamente, já foram parte do mar. A data? Quase 100 mil anos atrás, data comprovada dos últimos vestígios do homo sapiens por estas bandas de cá. Mas não é fácil quebrar paradigmas. Em pouco mais de 30 anos de estudos, pesquisas e descobertas, Niède Guidon, a arqueóloga mor que comandou todo este trabalho em equipe, comprou briga com metade da comunidade científica mundial. Polemizou com a outra metade até entender que a tese que defendia era tão revolucionária que precisou, ela mesma, quebrar seus próprios paradigmas para poder avançar. E foi o que fez. Arregaçou as mangas e... o resto desta história todo mundo já sabe. Ou deveria saber, já que se trata da nossa história.Uma história pintada, ilustrada, desenhada, rabiscada, morro abaixo e morro acima, vivenciada por homens que, acima de tudo, respeitavam a natureza e a viam como sua principal aliada. Quando aqui chegaram, há quase 100 mil anos, data da última datação feita pela equipe da arqueóloga, estes homens abriram caminhos para a globalização da era paleolítica, deixando o rastro do seu patrimônio genético por lugares nunca dantes habitados e inaugurando uma nova era para a humanidade. Somos parte desta história que foi agora debatida e apreciada como tema principal no Congresso Internacional de Arte Rupestre (International Rock Art Congress), o primeiro realizado no Brasil, na cidade de São Raimundo Nonato (23 de junho a 03 de julho), e que reuniu pesquisadores de cerca de 50 países e mais estudantes, professores, jornalistas e gente interessada no assunto. O resultado deste congresso já foi amplamente divulgado nos meios de comunicação, inclusive neste portal e já é de todos sabido. Interessa agora, conhecer a opinião da anfitriã, arqueóloga Niède Guidon, a dona desta festa e do mérito todo, sobre o congresso, o resultado de seu trabalho e de como se deu todo este processo até chegar aonde chegou, hoje. É o que o leitor vai saber na entrevista que fiz com ela, com exclusividade para este portal, no aconchego do seu lar, rodeada de livros, fotos, presentes e homenagens recebidas durante o congresso. Com brilho nos olhos, ela falou de tudo, entre rodadas de xícaras de café, preparadas e distribuídas por Rosa Trakalo, amiga e braço direito da arqueóloga na Fumdham, Fundação Museu do Homem Americano, instituição criada com seu apoio e em parceria com a Missão Franco Brasileira, para a preservação do patrimônio cultural e natural do Parque Nacional da Serra da Capivara, tombado pelo Unesco em 1991.
Niède Guidon deixou um cargo de peso e uma brilhante carreira pela frente em um dos institutos mais renomados de Paris para se embrenhar na mata seca da caatinga piauiense atrás de rabiscos pintados em rochas, deixados por índios pelados, como desdenhavam todos, menos ela. Os tais rabiscos, que a princípio não pareciam ter qualquer importância, quebraram paradigmas e revolucionaram a história do homem americano, como ponto de chegada e como grau de cultura elevada que estes povos possuíam.O cenário? Os belos paredões rochosos de São Raimundo Nonato, sudeste do Piauí, que um dia, comprovadamente, já foram parte do mar. A data? Quase 100 mil anos atrás, data comprovada dos últimos vestígios do homo sapiens por estas bandas de cá. Mas não é fácil quebrar paradigmas. Em pouco mais de 30 anos de estudos, pesquisas e descobertas, Niède Guidon, a arqueóloga mor que comandou todo este trabalho em equipe, comprou briga com metade da comunidade científica mundial. Polemizou com a outra metade até entender que a tese que defendia era tão revolucionária que precisou, ela mesma, quebrar seus próprios paradigmas para poder avançar. E foi o que fez. Arregaçou as mangas e... o resto desta história todo mundo já sabe. Ou deveria saber, já que se trata da nossa história.Uma história pintada, ilustrada, desenhada, rabiscada, morro abaixo e morro acima, vivenciada por homens que, acima de tudo, respeitavam a natureza e a viam como sua principal aliada. Quando aqui chegaram, há quase 100 mil anos, data da última datação feita pela equipe da arqueóloga, estes homens abriram caminhos para a globalização da era paleolítica, deixando o rastro do seu patrimônio genético por lugares nunca dantes habitados e inaugurando uma nova era para a humanidade. Somos parte desta história que foi agora debatida e apreciada como tema principal no Congresso Internacional de Arte Rupestre (International Rock Art Congress), o primeiro realizado no Brasil, na cidade de São Raimundo Nonato (23 de junho a 03 de julho), e que reuniu pesquisadores de cerca de 50 países e mais estudantes, professores, jornalistas e gente interessada no assunto. O resultado deste congresso já foi amplamente divulgado nos meios de comunicação, inclusive neste portal e já é de todos sabido. Interessa agora, conhecer a opinião da anfitriã, arqueóloga Niède Guidon, a dona desta festa e do mérito todo, sobre o congresso, o resultado de seu trabalho e de como se deu todo este processo até chegar aonde chegou, hoje. É o que o leitor vai saber na entrevista que fiz com ela, com exclusividade para este portal, no aconchego do seu lar, rodeada de livros, fotos, presentes e homenagens recebidas durante o congresso. Com brilho nos olhos, ela falou de tudo, entre rodadas de xícaras de café, preparadas e distribuídas por Rosa Trakalo, amiga e braço direito da arqueóloga na Fumdham, Fundação Museu do Homem Americano, instituição criada com seu apoio e em parceria com a Missão Franco Brasileira, para a preservação do patrimônio cultural e natural do Parque Nacional da Serra da Capivara, tombado pelo Unesco em 1991.
Confira abaixo, a entrevista com a arqueóloga feita pela jornalista Marta Tajra (originalmente publicada no Portal AZ:
Marta Tajra - Dra. Niéde, na sua visão de cientista, o congresso valeu a pena? Sim, eu acho que o objetivo foi alcançado porque foi uma maneira de mostrar para o próprio Piauí a importância de seu patrimônio histórico. Se tantas pessoas se deslocaram para assistir ao congresso, é porque entenderam esta mensagem, viram que valeria a pena, né? Sabe, sempre existiu pouco caso em relação a estas pinturas, várias pessoas me diziam: isso daí é risco de índio, que interesse tem? E isso, eu penso, é o resultado de uma política que ainda temos que compactua desta mesma visão: se era índio, era só um monte de bicho que andava pelado por aí. Não tinha mesmo nenhuma importância. Então, está na hora da gente mostrar ao povo brasileiro que este índio tinha uma cultura e uma grande produção e que agora, esta cultura pode servir em benefício dele mesmo. Desenvolver o turismo significa criar trabalho aqui na região, é esta nossa meta agora. Niède com as autoridades, na abertura do Congresso e abaixo, mostrando o selo comemorativo dos Correios, da Serra da Capivara.
Marta Tajra - E isto está sendo alcançado? Eu acho que sim, e agora que o aeroporto já está a meio caminho e com perspectivas de ser concretizado... o governador me garantiu que vai terminar a pista imediatamente, será uma pista de 3.300 metros, um aeroporto de estrutura internacional. Tenho certeza que, na hora em que aparecerem os primeiros hotéis, e começarem a fazer divulgação disso, nós vamos ter muita gente aqui, porque realmente o que existe aqui dentro é uma coisa fantástica. E não pára nunca, estamos sempre descobrindo coisas novas. Agora mesmo eu penso que vamos conseguir o apoio da Vale do Rio Doce para construir o Museu da Natureza. Porque a construção desse outro museu é importante? As descobertas e as coisas relativas à cultura humana cresceram tanto que o nosso museu (Museu do Homem Americano) que, antigamente, tinha uma parte dedicada à fauna, à flora e à formação geológica, hoje não tem mais, não cabe mais. Então, nós fizemos outro projeto belíssimo, será um museu fantástico que irá contar esta história começando quando aqui ainda era mar, há 260 milhões de anos... nós temos fósseis deste bichinhos que viviam no fundo do mar, e o museu deverá ser todinho com água correndo por cima. O turista vai se sentir no fundo do mar, depois terá todo aquele movimento da terra, da placa que levantou a terra e que jogou o mar lá para Fortaleza, assim como todo aquele povoamento que havia no fundo do mar com as plantas, aqueles animais fósseis gigantescos que nós temos e serão reconstruídos e montados, (porque hoje está tudo separado), até 100 mil anos atrás quando chegaram os primeiros homens.
Marta Tajra - Então, de certa forma, estes primeiros homens americanos colocam, hoje,o Piauí no mapa mundi com estas descobertas revolucionárias... É, hoje nós estamos no mapa porque temos o homo sapiens de 100 mil anos...quando eu comecei a trabalhar com a arqueologia nos anos 70, eu fiz uma tese e dividi as estruturas em tradições e estilos. Depois eu mesma destruí tudo aquilo porque comprovei que estava tudo errado. Acontece que naquele momento, quando eu começava, eu tinha aqueles dados que me davam esta informação. Depois descobri outros dados que mostraram que aquilo não estava certo. Então, a arqueologia é uma coisa dinâmica também e você tem que estar sempre se atualizando com as novas descobertas...
Marta Tajra - Então a senhora quebrou o seu próprio paradigma? Isso, eu mesma quebrei... veja que quando eu estudei arqueologia se dizia que o homo sapiens tinha 40 mil anos, porque o mais antigo que tinha sido encontrado era de 40 mil anos. Hoje, você tem na China, um sapiens datado de 95 mil anos. Na Pedra Furada do Piauí, existe o sapiens de 100 mil anos, na Etiópia já foi encontrado o homo sapiens de 195 mil anos, que é o mais antigo, e em Israel, de 180 mil.
Marta Tajra - A senhora está com 76 anos hoje, e praticamente dedicou a sua vida a este trabalho no Piauí. A senhora acha que valeu a pena? Se der tudo certo, valeu. Se realmente tudo que está sendo feito aqui, acabar com a pobreza, com a falta de emprego na região, valeu a pena sim e valerá sempre.
Marta Tajra - Se voltasse o tempo, a senhora começaria tudo outra vez? Eu acho que sim, porque realmente aqui é uma região muito bonita, eu adoro isso aqui, tem uma piscininha ali aonde os passarinhos vêm beber água e eu hoje trabalho ali na frente olhando para eles. Só o calor está me incomodando um pouco atualmente, mas no início, nem isso me incomodava. Eu gostava, e ainda gosto, de desbravar esta paisagem. Muitas vezes saía sozinha de carro ou de bicicleta conhecendo e desbravando tudo isso aqui e foi assim que eu comecei a descobrir a região e aprendi a gostar daqui.
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jocaoeiras@yahoo.com.br - Querida Marta: A Entrevista ficou com um gostinho de quero mais. Mas se ela respondesse que, se tivesse que começar de novo não faria nada do que fez eu não sei não... para mim Doutora Niéde é um exemplo de alguém que foi atrás e atingiu o seu objetivo que não foi outro senão o de redesenhar as perspectivas de futuro do Piauí e do povo do Sertão. Sem dúvida, a personalidade mais importante desta Terra Querida.
Um comentário:
GOSTARIA DA PERMISSÃO DO NETTO PARA USAR SUA ILUSTRAÇÃO NA "JORNADA DE HUMANIDADES" (EVENTO QUE OCORRERÁ NO COLEGIO DE APLICAÇÃO DA UEL)COM OS DEVIDOS CRÉDITOS, CLARO!
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