sábado, 7 de fevereiro de 2009

Concurso do INSS: vergonha nacional


Montgomery Holanda

Como a Kenard Kaverna é um dos poucos refúgios dos desvalidos e, eu, como jornalista, por dever de profissão, um guardião da sociedade (meu Deus!, onde fui amarrar minha mula...), resolvi tornar pública a decisão do Juízo da 4ª Vara da Justiça Federal da Amazônia, que mandou a Funrio e o INSS a sustarem a divulgação do resultado provisório do concurso nacional, com mais de 40 mil concorrentes em todo o país, devido a graves irregularidades ocorridas no dia da prova – 11 de janeiro passado.
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Com salário inicial de mais de R$3.600 mensais, o que seria a redenção de financeira de milhares de assistentes sociais (no Piauí foram mais de 2 mil inscritos, principalmente de teresinenses), com vagas para Teresina, Barras, Campo Maior, Picos, São João do Piauí, Floriano, Parnaiba e vários outros municípios, o concurso aguarda julgamento do mérito de uma liminar, inclusive com alegação de inconstitucionalidade, promovida pelo Ministério Público amazonense.

Como os candidatos piauienses ainda não sabem sobre os motivos que levaram à suspensão do certame, e nem tiveram acesso aos seus fundamentos, vou transcrever a inicial da ação do MP, uma peça importante e que serve como exemplo para os estudantes de Direito, advogados e jornalistas especializados. (Kenard, coloca mais esta aí na minha conta, pois a pesquisa custou madrugadas insones).

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Procuradoria da República no Amazonas

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR JUIZ(A) FEDERAL DA ____ VARA DA SEÇÃO
JUDICIÁRIA DO AMAZONAS

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pela Procuradora da República in fine assinada, vem, à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 127 e 129, III, da Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 6º, VII, b e d, da Lei Complementar 75/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), arts. 1º, I e IV, e 5º, I, da Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), e artigos 273, 282, 283, do Código de Processo Civil propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido liminar de antecipação de tutela em face: do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, autarquia federal, com sede em Brasília - Distrito Federal, vinculada ao Ministério da Previdência Social, instituída com fundamento no disposto no art. 17 da Lei no 8.029, de 12 de abril de 1990, que receberá citação e intimações por meio da Procuradoria Federal Especializada, situada na Avenida Marcos da Silveira, s/n – São Francisco, da FUNDAÇÃO DE APOIO À PESQUISA, ENSINO E ASSISTÊNCIA À ESCOLA DE MEDICINA E CIRURGIA DO RIO DE JANEIRO E AO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GAFFRÉE E GUINLE, DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – FUNRIO -, que receberá citação e intimações na Rua Mariz e Barros 775,Prédio da Administração, Sala 51 - Rio de Janeiro, RJ - CEP 20270-004 , pelas razões de fato e de direito a seguir expostas:

I – FATOS:

O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, por meio do Edital n. 01/2008, abriu concurso público para provimento de 900 (novecentas) vagas e formação de cadastro de reserva para o cargo de Analista do Seguro Social, com formação em Serviço Social.

Conforme item 1.1 do Edital supracitado, a execução do concurso público coube à Fundação de Apoio à Pesquisa, Ensino e Assistência à Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro e ao Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - FUNRIO.

Para o Município de Manaus/AM foram previstas 13 (treze) vagas, sendo 01 (uma) para portadores de necessidade especial.

O item 9.1 do Edital em comento fixou a data da prova objetiva para o dia 11 de janeiro de 2009. Quanto ao horário e local de aplicação da prova, foi fixado em momento posterior, qual seja, no momento da convocação dos candidatos, por meio do cartão de confirmação, conforme item 9.1.1 e 8.3 do Edital.

Conforme cronograma, o local e horário das provas foi informado aos candidatos no dia 5 de janeiro de 2009. Assim, foi fixado que a prova teria início às 13h e fim às 18h, horário de Brasília. Ou seja, aos candidatos de Manaus a prova se iniciaria às 11h, no horário local.

As provas foram realizadas no dia 11 de janeiro do corrente ano em diferentes cidades do País, conforme se verifica do anexo II do edital, em anexo.

Os candidatos manauenses, convocados para realizarem a prova no Colégio Brasileiro Pedro Silvestre, em observância ao item 9.3 do edital, chegaram ao local da prova, em média, 01 (uma) hora antes do início, i.e., às 10h, horário de Manaus/AM. Todavia não puderam entrar nas respectivas salas, pois estava sendo realizado o Processo Seletivo Macro 2009, vestibular realizado pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), no mesmo horário e local.

Com isso, cerca de 500 (quinhentos) candidatos foram encaminhados à quadra de esporte da escola para aguardarem o encerramento da prova da UFAM.

A prova de fato iniciou-se por volta de 13h da tarde, ou seja, cerca de 2 (duas) horas após o horário previsto, submetendo os candidatos a cerca de 3 (três) horas de espera (uma vez que chegaram ao local da prova com uma hora de antecedência), um longo período de angústias e incertezas, causando forte desgaste físico-emocional devido ao atraso na aplicação da prova.

Conforme relato dos candidatos, ocorreu um atraso na aplicação da prova do concurso do INSS também na escola de Formação Profissional Soares, em virtude do atraso ocorrido no Colégio Brasileiro. Segundo informações prestadas pela FUNRIO, além das referidas escolas, situadas em Manaus, as provas do referido concurso foram também aplicadas no município de Tefé, na Escola Estadual Ribeiro.

Há, ainda, relato, no Termo de Declarações n. 16/2009, da candidata Eliamara Porto Mesquita, de que, apesar do isolamento na quadra do Colégio Brasileiro, os candidatos tinham acesso a informações exteriores por meio de telefonia móvel. Tal fato nos leva a considerar, haja vista a grande diferença no horário de início da prova de Manaus e das demais regiões do País, a possibilidade de vazamento do sigilo da prova.

II – DIREITOS:

II.1. Competência do Poder Judiciário Federal, seção Amazonas: De acordo com o artigo 2º da Lei nº 7347/85, a ação civil pública deverá ser ajuizada no foro do local onde ocorrer o dano. Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

O Código de Defesa do Consumidor tem aplicação subsidiária à lei disciplinadora da ação civil pública, conforme expressa o artigo 21 da lei nº 7347/85: Art. 21 Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Tít. III da lei que institui o Código de Defesa do Consumidor. Da leitura do artigo 93, II do CDC, norma regente de todo e qualquer processo coletivo, extrai-se o entendimento de ser o local do dano o critério para a fixação da competência territorial, mesmo de âmbito nacional. Assim, a Justiça Federal, Seção Amazonas, é competente para processar e julgar a presente causa.

Art. 93 Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a Justiça local:
[...]

II – no foro da Capital do Estado ou no Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.

II.2 Da ofensa aos princípios do planejamento, moralidade, vinculação ao edital e eficiência. No caso em tela, insta salientar que o atraso de cerca de duas horas na aplicação das provas objetivas no estado do Amazonas colocou em risco a própria seriedade do concurso, haja vista a possibilidade concreta de candidatos que realizaram as provas em outras localidades do País terem se comunicado com candidatos que realizaram a prova no Amazonas, informando, de forma antecipada, o teor das questões da prova objetiva.

Não se pode ignorar que o avanço da tecnologia, seja a Internet, seja a telefonia fixa e móvel, é um facilitador do processo de comunicação entre candidatos das diferentes regiões do País, situação que pode ter comprometido o sigilo das provas, privilegiando alguns candidatos em prejuízo de outros. A este respeito, veja-se que, segundo o item 9.16 “c” do edital, o candidato poderá se retirar da sala após o decurso de uma hora de sua realização, donde se depreende que pode ter ocorrido contato entre os candidatos das demais localidades do país e os candidatos de Manaus, que somente começaram a ter as suas provas realizadas cerca de três horas após o início das provas nas demais localidades.

Saliente-se ainda que no estado do Amazonas foram também aplicadas provas no município de Tefé, local em que, segundo informação da FUNRIO, não houve atraso no início das provas, motivo pelo qual é grande a possibilidade de ter ocorrido comunicação entre os candidatos de Tefé e Manaus quanto ao conteúdo das provas e vazamento do teor de suas questões.

Entende-se que tal fato, por si só, é mais do que suficiente para ensejar a anulação da prova objetiva, por macular a moralidade do processo seletivo. Neste sentido, importante colacionar excerto de decisão recente proferida pela Juíza Federal no Estado do Amazonas, Jaiza Maria Pinto Fraxe (ação civil pública n.º 2008.32.00.009110-8), em que se questionou a legalidade do vestibular de 2009 realizado pela UFAM:

8. Ressalte-se que não é sequer necessário provar que tenha efetivamente ocorrido favorecimento pessoal de quem que seja. Basta, para fragilizar o ato administrativo de aplicação das provas, a potencialidade da ocorrência de quebra de segurança e sigilo [...]

Saliente-se que as irregularidades não pararam por aí. Há relatos, por parte de alguns declarantes, no sentido de que foi admitido o ingresso de candidatos no Colégio Brasileiro, em Manaus, após o horário previsto para o início de realização das provas. Veja-se que dentre as 11 horas e as 13 horas (no horário de Manaus), foi permitida livremente a entrada de candidatos. Por outro lado, segundo o termo de declarações da candidata Janaína, mesmo após às 13h, horário de Manaus, foi permitida a entrada de candidatos, fls. 20. Veja-se, portanto, que foi admitido o ingresso de candidatos até três horas após o início das provas, com a inobservância do contido na cláusula 9.6, segundo a qual “Não será admitido o ingresso de candidatos no local de realização da prova após o horário fixado para o seu início.” Neste aspecto, foram inobservados os princípios da vinculação ao edital, do planejamento e da eficiência que regem a Administração.
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Evidente que a inobservância do referido dispositivo editalício demonstra também ofensa ao princípio da isonomia, uma vez que em todo o País foi vedada a entrada de candidatos que não se apresentaram no horário exigido, sendo que na cidade de Manaus foi admitido o ingresso de candidatos com atraso de mais de duas horas. Em outras palavras: enquanto no resto do País não foi admitido o ingresso de candidatos após as 13 horas (horário de Brasília), em Manaus, candidatos que chegaram após às 15h (horário de Brasília), que corresponde a 13 horas no horário de Manaus, lograram realizar normalmente as suas respectivas provas, em clara ofensa ao princípio de vinculação ao instrumento editalício e à isonomia.

Por outro lado, a cláusula 9.2 do edital, que dispõe que a FUNRIO tem o direito de alterar o horário de realização das provas deve ser lida com razoabilidade, haja vista que não se pode depreender da mesma a possibilidade de atraso da prova em cerca de 2 (duas) horas. Ademais, a coincidência no local de realização das provas para o vestibular da UFAM e para o concurso do INSS não se constitui em caso fortuito e força maior, decorrendo, em verdade, de culpa das instituições organizadoras de ambos os processos seletivos. A culpa da FUNRIO na coincidência de locais de realização das provas é depreendida do ofício oriundo da Direção do Colégio Brasileiro, no qual o Diretor informa que contactou o Sr. Jonathan da FUNRIO, cerca de uma semana antes, informando a respeito da aludida coincidência. Ademais, a própria instituição, em ofício envido ao MPF, informa que foi notificada da coincidência de locais de realização da prova (UFAM e FUNRIO), não tendo adotado nenhuma providência.

Destarte que o concurso público, instituto jurídico de importância crucial para o Estado Democrático de Direito, deve ser conduzido de forma a respeitar todos os princípios que regem a Administração, dentre os quais, a igualdade, legalidade, vinculação ao edital, moralidade, publicidade, moralidade. O descumprimento pela Administração dos referidos princípios, a suscitar dúvida fundada quanto à seriedade do certame (ante o risco de vazamento das questões), é mais que suficiente a justificar a anulação do processo seletivo, seja em homenagem aos aludidos princípios constitucionais, seja em respeito aos administrados.

No presente caso, verifica-se a inobservância de princípios basilares da Administração, justificando-se a anulação do concurso, não cabendo falar em convalidação do ato administrativo, ante a gravidade dos vícios e a ofensa ao interesse público.

II.3. Direito constitucional ao acesso a cargos e empregos públicos. Ofensa ao Princípio da Igualdade de acesso aos cargos e empregos públicos. Candidatos manauenses em desigualdade de condições. Não observância do critério meritocrático.

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em outubro de 1988, consagra o princípio republicano da igualdade de acesso aos cargos e empregos no serviço público, materializado no art. 37, II, a seguir transcrito:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

A exigência de concurso público para o provimento de cargos e empregos públicos é expressão do princípio da isonomia, bem como da impessoalidade e moralidade, que devem reger os atos da Administração Pública.

Assim, a fim de garantir o citado preceito constitucional, deve-se resguardar em todos os atos e procedimentos administrativos a igualdade de condições, conforme preleciona Celso de Melo:

O que a Lei Magna visou com os princípios da acessibilidade e do concurso público foi, de um lado, ensejar a todos iguais oportunidades de disputar cargos ou empregos na Administração direta e indireta.

Com isso, a realização de concurso público, em todas as suas fases, exige a observância estrita, pelo Poder Público, dos princípios constitucionais expressos e implícitos impostos à administração pública direta e indireta, previstos na Constituição. Em suma, o concurso público deverá, obrigatória e especialmente, obedecer aos princípios da igualdade, da publicidade, da competitividade e da seletividade.

Todavia a igualdade de oportunidades deve ser aferida não apenas no plano teórico, mas, sobretudo, no aspecto prático, sendo que este último ponto é que é o cerne da presente demanda.

O aglomeramento humano desgastante e angustiante sofrido pelos candidatos manauenses, relatados na exposição fática desta demanda, não pode ser desprezado como fator desestabilizador e de desequilíbrio das condições para a realização das provas em relação aos demais candidatos.

Compreendendo melhor a problemática, nas lições de José dos Santos Carvalho Filho e Hely Lopes Meirelles, abaixo, busca-se a noção de concurso público, procedimento administrativo avaliador das várias aptidões dos candidatos, dentre elas a intelectual, física e psíquica, a fim de assegurar a igualdade de condições aos postulantes a cargos e empregos públicos.

[...] o procedimento administrativo que tem por fim aferir as aptidões pessoais e selecionar os melhores candidatos ao provimento de cargos e funções públicas. Na aferição pessoal, o Estado verifica a capacidade intelectual, física e psíquica de interessados em ocupar funções públicas e no aspecto seletivo são escolhidos aqueles que ultrapassam as barreiras opostas no procedimento, obedecida sempre a ordem de classificação.2 (Grifamos)

O concurso é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, consoante determina o art. 37, II, da CF.3

Ora, é evidente que os candidatos manauenses não podem ser avaliados nas mesma condições dos demais candidatos. A espera desarrazoada e excessiva gerou grandes danos às condições físicas, psíquicas e emocionais dos candidatos.

A prova do dano se satisfaz, na espécie, com a demonstração do fato externo que o originou e pela experiência comum. Não há como negar o desconforto e o desgaste físico causados pela demora imprevista e pelo excessivo retardo no início da prova.

Com isso, é inegável, à luz do exposto e do bom senso, que os candidatos manauenses não concorreram em igualdade de condições físicas, psíquicas e emocionais com os demais candidatos, senão vejamos:

a) Do abalo físico: deve-se pela sujeição de espera, para alguns candidatos por cerca de 03 (três) horas, em local inapropriado e desprovido de conforto, quais sejam: a rua e a quadra de esporte do Colégio Brasileiro Pedro Silvestre.

Saliente-se que o período de longa espera dos candidatos era exatamente o horário destinado ao almoço, o que aumenta ainda mais o desgaste físico;

b) Do abalo psíquico-emocional: Deve-se pelas incertezas e angústias naturais geradas pelo atraso da prova, que, para alguns, representa o meio de consecução do sonho de ingresso no serviço público. Deve-se, também, pelas discussões geradas pelas confusões e tumulto, em razão da ausência de informações, bem como em razão da ausência de poder de decisão dos funcionários da instituição organizadora na definição do início da prova, conforme depreende-se das alegações da FUNRIO por meio do ofício n. 004-2009/ASEJUR/DIRJUR (anexa).

Assim, conclui-se que as condições ambientais e as instalações implicaram excessivo e desigual desgaste físico e mental ao candidato, prejudicando a concentração necessária para avaliação do mérito - objeto do concurso público.

Nesse ponto – o mérito do candidato avaliado -, não se pode olvidar que os fatos ocorridos com os candidatos manauenses prejudicam também o critério meritocrático, ligado ao princípio da eficiência, o qual é da essência de todo concurso público, conforme os ensinamentos dos administrativistas abaixo:

O concurso público é o instrumento que melhor representa o sistema do mérito porque traduz um certame de que todos podem participar nas mesmas condições, permitindo que sejam escolhidos realmente os melhores candidatos.

Baseia-se o concurso em três postulados fundamentais. O primeiro é o princípio da igualdade, pelo qual se permite que todos os interessados em ingressar no serviço público disputem a vaga em condições idênticas para todos. Depois, o princípio da moralidade administrativa, indicativo de que o concurso veda favorecimentos e perseguições pessoais, bem como situações de nepotismo, em ordem a demonstrar que o real escopo da Administração é o de selecionar os melhores candidatos. Por fim, o princípio da competição, que significa que os candidatos participam de um certame, procurando alçar-se a classificação que os coloque em condições de ingressar no serviço público.4

O concurso visa a selecionar os candidatos mais capazes, é inadmissível a concessão de vantagens e privilégios a determinadas pessoas ou categorias por criar desigualdade entre os concorrentes.5

A investidura em cargos ou emprego público só pode dar-se se antecedida de concurso público. Com essa exigência fica garantido o princípio da igualdade de todos e o interesse da Administração em admitir os melhores. De fato, o concurso público respeita o princípio da isonomia, na medida em que todos podem nele se inscrever (é por isso que ele é público), e permite à Administração selecionar os candidatos de maiores méritos.6

Finalizando a questão fulcral da presente lide, interessante se faz demonstrar, utilizando-se os elementos propostos pela administrativista Fernanda Marinela, a ocorrência da desigualdade.

Para avaliar se há ou não violação a este princípio, devem-se observar dois elementos: primeiro, identificar qual é o fator de discriminação e, em seguida, verificar se ele está de acordo com o objetivo da norma. Quando o fator de discriminação, utilizado no caso concreto, estiver de acordo com o objetivo da norma, não há violação ao princípio da igualdade e a exclusão é valida.7

Então, utilizando-se os elementos acima propostos, fixamos que o elemento de discriminação está na excessiva espera do início da prova, o que gerou um desgaste desigual aos candidatos manauenses em relação aos demais candidatos. Tal desgaste vai de encontro aos objetivos da norma, posto que, como já foi citado, o concurso público visa a avaliar o mérito do candidato; para tanto, faz-se necessário avaliar a aptidão física e mental, as quais, no caso em tela, já estavam
comprometidos.

Neste sentido, veja-se termos de declarações de fls. 20 do inquérito civil público em anexo, em que uma das candidatas declara que ouviu por diversas vezes o representante da FUNRIO afirmar que se permitisse logo a entrada das candidatas nas salas, porquanto “elas estão cansadas”, em alusão ao desgaste físico e emocional dos candidatos do Estado do Amazonas.

Posto isso, conclui-se que houve grave afronta ao princípio da isonomia, tornando absolutamente inviável a manutenção do presente certame, nascendo, portanto, a obrigação de declaração de nulidade.

III) Antecipação dos efeitos da tutela in limine inaudita altera parte. Anulação da prova do dia 11.01.2009. Risco de dano irreparável. Prova inequívoca da verossimilhança das alegações. art. 273 do CPC. art. 12 da lei 7347/85.

Verifica-se, no caso em epígrafe, a caracterização dos requisitos legais para a concessão de tutela antecipada, quais sejam, a prova inequívoca da verossimilhança da alegação e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

A FUNRIO não nega o atraso desgastante ensejador desta demanda. Em resposta a ofício encaminhado pelo Ministério Público Federal, por meio do ofício n. 004-2009/ASEJUR/DIRJUR(anexo), a FUNRIO confirmou o atraso, informando que a prova iniciou às 12 (doze) horas e 30 (trinta) minutos, horário de Manaus. Ou seja, a prova teria iniciado 01 (uma) hora e 30 (trinta) minutos após ao horário fixado nos cartões de confirmação dos candidatos.

Analisando as atas da salas do Colégio Brasileiro Pedro Silvestre, em anexo, verificou-se o seguinte:

a) Nas salas 02, 10, 12, 13, 14, 16 a18, 21 e 22 a prova iniciou às 12h30;

b) Nas salas 03, 06 a 08 e 11 a prova iniciou às 12h40;

c) Nas salas 04, 05 e 15 a prova iniciou às 13h;

d) Na sala 09 a prova iniciou às 12h36;

e) Na sala 19 a prova iniciou às 12h45;

f) Na sala 20 a prova iniciou às 12h15;

g) Na sala 23 a prova iniciou às 12h35.

Assim, malgrado a informação prestada a este órgão ministerial, deve-se registrar que a mesma não é inteiramente real, pois em 10 (dez) das 22 (vinte e duas) salas o horário de início da prova foi superior ao horário informado, iniciando a prova, em algumas salas, às 13h, i.e., um atraso aflitivo de no mínimo 2 (duas) horas. Fala-se no mínimo, porque, como já foi mencionado, muitos alunos chegaram ao local da prova 1 (uma) hora antes do início, em observância ao item 9.3 do edital em comento. Para esses alunos o desgaste foi de aproximadamente 3 (três) horas de espera angustiante em meio a um grande tumulto e confusão.

A questão, porém, não se resume ao desgaste físico e emocional suportado por cerca de quinhentos candidatos da cidade de Manaus. O atraso de duas horas na aplicação das provas colocou em risco a própria seriedade do concurso realizado pelo INSS, ante a possibilidade, concreta (e não remota), de vazamento do conteúdo das questões entre os candidatos que realizaram provas nas diferentes regiões do País.

O risco de dano irreparável também é patente, considerando o cronograma do referido concurso, com a previsão de divulgação do resultado dos aprovados na prova objetiva no próximo dia 28 de janeiro de 2009. Destarte que o momento mais adequado à apreciação da validade do concurso em epígrafe, com a sua conseqüente anulação, é o momento anterior ao da divulgação do seu resultado. Isto porque a anulação tardia do concurso, embora seja medida adequada aos princípios que regem a Administração Pública, gera insegurança e incertezas entre os candidatos,
que têm a sua expectativa inicial de nomeação para um cargo público frustrada com a decisão judicial a posteriori de anulação.

Saliente-se, ademais, que a divulgação oficial do resultado final do concurso, segundo o cronograma, está prevista para o dia 06 de fevereiro de 2009, donde se depreende a urgência de concessão da liminar ora requerida.

Assim sendo, Excelência, considerando que se trata de concurso nacional, envolvendo mais de quarenta mil candidatos em todo o País, impõe-se, data maxima venia, a prolação de decisão judicial urgente, no sentido de proceder à anulação da prova objetiva aplicada no dia 11 de janeiro, com a designação de uma nova data para realização de nova prova, medida que se impõe, ante a ofensa aos princípios constitucionais da isonomia e moralidade, bem como à inobservância,
pela instituição organizadora, das normas editalícias que regem o certame.

Assim, a imediata anulação mostra-se como a única medida possível, a fim de garantir um concurso público sem máculas, pelo que está presente os requisitos previstos no art. 273 do CPC.

IV) PEDIDOS:

a) a citação dos Réus para, querendo, contestar a presente ação, nos termos do art. 285 do CPC ;

b) MEDIDA LIMINAR inaudita altera parte, a fim de que seja anulada a prova objetiva do concurso público para provimento e formação de cadastro de reserva para o cargo de Analista do Seguro Social, com formação em Serviço Social, Edital n. 01/2008 Social, realizada no dia 11 de janeiro de 2009, ante os vícios que pesam contra o mesmo, intimando a Ré para que designe nova data para aplicação das provas objetiva do concurso público em comento;

b) Seja julgado PROCEDENTE O PEDIDO da presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, confirmando-se a liminar requerida, a fim de que seja mantida a anulação da prova, intimando a Ré para que designe nova data para aplicação das provas objetiva do concurso público em comento;

c) a intimação das Rés para que se manifestem sobre os pedidos de antecipação de tutela, nos termos do art. 2º da Lei 8437/92;

d) a condenação ao pagamento dos ônus de sucumbência;

e) a isenção de custas e despesas processuais, nos termos da Lei.

Protesta pela produção de todos os meios de provas admitidos em Direito, especialmente documental, testemunhal, pericial e inspeção judicial.

Dá-se à causa o valor de R$ 10.000,00

Manaus, 22 de janeiro de 2009.

Luciana Fernandes Portal Lima Gadelha
Procuradora Regional dos Direitos do Cidadão

2 comentários:

Anônimo disse...

pois é uma vergonha mesmo com tudo isso que aconteceu o concurso não foi anulado
estou indignada com tudo, não acredito mais em concurso, acho q a juíza esqueceu esse principio de isonomia

Unknown disse...

O que aconteceu no Amazonas foi muito grave...o suficiente para anulaçao da prova Os candidatos que fizeram a prova com atrazo tanto podem ter sido beneficiados com possiveis informações sobre a prova, mais tambe podem ter sido prejudicados pelo stress...da espera... ja imaginou como estavam emocionalmente depois de 03 horas de espera, ja que deveriam chegar com 01 hora de antecedencia...