segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

A criação da Quarta-Poética no Nós e Elis

Kenard Kruel. Foto: Chagas Silva.

Desde a fundação do Nós e Elis - 25 de abril de 2004, dia da votação na Câmara dos Deputados, da emenda Dante de Oliveira, que propunha eleições diretas para o ano seguinte, ou seja, 1985, o bar me teve como frequentador diário, ou melhor, noturno. Passou a ser, assim, o meu bar doce bar, o Nós e Elis, que o Joca Oeiras está nos fazendo reviver com essa série de depoimentos que ele está arrancando, de uns, a forcepes, como no caso da Marldeide Lins Albuquerque, Geraldo Brito, Albert Piauí, Machado Júnior, dentre outros.

Época do Nós e Elis eu ainda bebia à balde. À balde mesmo. O Marcelo, nosso garçon de plantão, já sabia. Quando eu chegava, geralmente acompanhado pelo Albert Piauí, Lizânia Brito, Creuza Martins, poeta William Melo Soares, Renzo Ramos, Dr. Zé de Braga, Paulo Moura, trazia um balde de cerveja. Nunca uma só garrafa. Ao findar da lida, no mínimo 10 caixas de cervejas se apresentavam para serem pagas sem dó nem piedade. Isso nos tornava um grupo com certas regalias por parte dos garçons, menos por parte do dono - o furioso manso Elias Prado Junior, que tratava todo mundo igual. Podia gastar 10 mil por noite, quanto ficar apenas na biqueira. Elogiava do mesmo jeito que metia o cacete! Ele ia dum ponteiro ao outro em menos de fração de segundo. Só tinha uma pessoa que o acalmava, a Dona Vera, que pouco se metia com a parte externa do Nós e Elis. O seu habitat era na cozinha, no abastecimento da cozinha, na arrumação de qualquer coisa na dispensa. Isso quando o próprio maridão não fazia com gosto e arte. Sim!, o Elias Prado Junior tinha gosto e arte em fazer tudo por tudo no Nós e Elis. Dona Vera ficava, assim, à distância, intervindo apenas no momento certo, ou seja, quando notava que o maridão estava a ponto de morrer enfezado com algum cliente ou com algum garçon ou matar ambos os dois juntos. Bastava passar as mãos no cabelo dele (alguma coisa de Sansão e Dalila?!) e pronto, a criança de instalava nele again.

Muito bem! O Joca Oeiras pretende fazer um livro, reunindo os depoimentos que ora se apresentam aqui e alhures. Da minha parte, faria um livro sozinho, com mais de mil e uma páginas. Porém, narrarei aqui, hoje, apenas a história de como nasceu a Quarta Poética. Nasceu assim... Era uma vez, numa noite, chegando ao Nós e Elis estava no palco o Paulo Aquino cantando e encantado a todos, quando, numa bobeira dele, segurei o microfone e passei a declamar alguns poemas - fernando pessoa, william melo soraes, torquato neto, mário faustino, da costa e silva, castro alves etc -. Sem mais nem menos, um gaiato começou a gritar: "Desce do palco, doido!". Desci, calmamente, peguei uma mesa, de madeira, pesadona, e lasquei na cabeça do dito que quase vira de cujus de tanto sangue que saiu do miolo de pote dele. Subi, calmamente, e terminei de declamar os poemas sob o espanto dos fregueses e garçons e do próprio Elias Prado Junior que, ao contrário do que pensei, disse que eu tinha feito bem feito o que fiz. "Ora, onde já se viu interromper um poeta recitando outros grandes poetas!"...

Era uma noite de terça-feira. Na noite seguinte, quarta-feira, quando eu cheguei estavam no palco o poeta, ator, diretor José Afonso de Araújo Lima e a atriz Vera Leite recitando poemas, com fundo musical do sempre eterno encantador de gentes Paulo Aquino. Subi para recitar também. Foi quando tomei conhecimento que, a partir daquela noite, estava criada a Quarta Poética. José Afonso de Araújo Lima e a Vera Leite tinham sido contratados para recitar poemas no Nós e Elis. Assim, os poemas a serem recitados deveriam ser entregues a eles. que estavam encarregados do repertório poético e do palco, com o aviso bem dado: "não deixe o Kenard Kruel, por nada no mundo, quebrar outra mesa na cabeça dos nossos fregueses!". No que pese eu gostar muito de poesia e, talvez, quem sabe, mais ainda do José Afonso de Araújo Lima e da Vera Leite passei a não freqüentar o Nós e Elis nas quartas-feiras. Ora! Uma noite, minhas orações foram atendidas. Como eles não recitavam como eu, com sangue nas veias dilatadas da América Latrina, uma noite receberam uma sapatada em suas respectivas bundas. Bem feito! Ora! A partir daquela noite, minha semana passou a ser completa, novamente, no Nós e Elis (com direito, inclusive, de subir no palco e recitar os meus poemas preferidos - sem mais nenhum gaiato a gritar: "Desce do palco, doido!"). Tudo isso com a doce cumplicidade do Paulo Aquino que, quando me via chegar, já ia tocando pianissimamente. Era a deixa para a minha entrada sempre triunfal. Ainda hoje eu sou o maior declamador de bar que eu conheço!
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É mentira, Albert Piauí?!!!

Um comentário:

Paulo Aquino disse...

É isso aí, Kruel, lembro com muita saudade das quartas poéticas em que nós comandávamos, a Vera e eu; uma música, um poema; e o momento poético era facultado a qualquer pessoa que quisesse manifestar sua veia; como voce, muitos outros participaram desse momento tão ímpar, desse casamento tão perfeito em que a musica e a poesia se fundiam numa magia deliciosa, impagável. A quarta poética pegou, e tinha um público cativo, que gostava do risco e do riscado, como nós.