Cícero Manoel. Foto sem crédito.
Mafuá é um bairro de Teresina onde se localiza um mercado público. Na parte exterior do mercado, que dá para a Rua Lucídio Freitas começou a funcionar, 35 anos atrás, uma minúscula loja (2X2?) denominada “Armarinho São Francisco” onde se vendiam, como em outras lojas do ramo, botões, zipers, agulhas, linhas e outras miudezas. A Dona Zefinha, que criou o negócio, faleceu há oito anos, deixando-o, de herança, para Cícero Manoel, seu filho.
Este Cícero Manoel – figura mansa, porém inquieta, formado em letras (UFPI) mas artista plástico, por profissão e vocação – desde que assumiu o posto da mãe começou a comprar, trocar e receber e aceitar doações de livros e revistas de arte, gravuras, desenhos e pinturas, CDs e vinis diversos, cartões, fotos, etc., objetos que passaram a conviver com as mercadorias à venda no armarinho. Em quatro anos aquele acervo cultural cresceu tanto que foi necessário modificar a disposição dos móveis (e, mesmo, adaptá-los para outras funções). Cícero reservou, por exemplo, uma parede só para pendurar as pinturas, desenhos, fotos e gravuras. Uma estante-expositora de mercadorias da loja, construída e desenhada por seu pai, virou expositor de livros e revistas de arte e apenas uma das três paredes do cubículo foi reservada para as mercadorias do armarinho. Estava criado, no Mercado do Mafuá, o “Espaço Cultural São Francisco”.
Se, nos primeiros anos, o acervo era mostrado sem maior cuidado expositivo, a partir de 2005, no dia 4 de junho, Cícero resolve inaugurar uma nova fase: com uma vernissage matutina, que se constituiu num generoso café da manhã servido, a partir das sete e meia aos convidados, abre a exposição do artista plástico teresinense "Gabriel Archanjo – pinturas e desenhos". Foi neste dia que eu conheci o lugar. E tão impressionado fiquei que publiquei, dias depois, em um portal teresinense, a seguinte crônica:
Arte & Hospitalidade no Mercado do Mafuá
por Joca Oeiras
Café, leite, beiju, cuscus, bolo frito, queijo de coalho, suco de laranja, melão e melancia. Foi este o cardápio servido nesta manhã de sábado durante a inauguração da exposição "Gabriel Archanjo pinturas e desenhos" no ESPAÇO CULTURAL SÃO FRANCISCO”. E eu fui o primeirão a chegar, às 7,30h da manhã, no local onde se desenrolou este desejum artístico.
O Gabriel Archanjo é um grande artista cuja obra me encantou desde o dia em que tive o primeiro contato com ela, e com ele, na Oficina da Palavra, apresentados que fomos pelo professor Cineas Santos. E é claro que os trabalhos do Gabriel valorizam qualquer Galeria do mundo. Mas, que me perdoe o meu amigo , as estrelas do dia foram, sem sombra de dúvida, o Espaço Cultural São Francisco e o seu dono, o também artista plástico Cícero Manoel.
Imaginem uma pequena loja de armarinhos (3m X 4m) em que dois dos três cantos e quase todas as prateleiras são ocupadas com livros e objetos de arte. Agora localizem esta loja na rua da frente do mercado do Mafuá (Lucídio Freitas, 1633). É este o "Espaço Cultural São Francisco".
No acervo, obras do próprio Archanjo, esculturas de Carlos Martins, pinturas e desenhos de autoria do dono, livros de arte , gravuras variadas, fotos antigas, objetos de adorno, revistas e até alguns exemplares do "mais charmoso".
O Cícero é o meu candidato ao Troféu Resistência que, ouvi dizer, foi instituído pelo João Cláudio Moreno. Muito mais que isto, no entanto, fiquei encantado com a hospitalidade do nosso anfitrião.
Como fui o primeiro a chegar, secundado pelo poeta Fred Maia e o dramaturgo Tarciso Prado, pudemos ver sua dedicação à montagem da farta "mesa" (o balcão da loja) composta por todas as delícias acima relatadas, o cuscus ainda quentinho respirando embaixo do papel filme. Um monte de gente bacana chegando, gente como o Machado Junior e a sua nova namorada, a Débora, que veio dar um abraço no Gabriel (que chegou lá só no final, o tímido) e a gente ficou comendo e conversando e se espremendo no espaço exíguo mas de uma dignidade incomparável.
Eu gosto de tratar meus hóspedes muito bem e também sei reconhecer esta qualidade nas pessoas: o Cícero foi um grande anfitrião, sempre preocupado que não faltasse nada.
De repente, imaginem só quem resolveu aparecer vestido de padre? O próprio João Cláudio Moreno, provando, mais uma vez, que "o hábito não faz o monge, mas fá-lo parecer de longe" (como dizia o Millôr quando ainda era Vão Gogo). E o João é um camarada cujo carisma galvaniza a platéia mesmo quando faz parte dela. Rimos muito com ele e eu, em particular, fiquei muito feliz por tê-lo encontrado.
Então, acho que todo mundo que lá esteve há de concordar, foi demais prazerosa e divertida esta nossa manhã de sábado no Espaço Cultural São Francisco, no Mercado do Mafuá, zona norte, Teresina.
PS: Os trabalhos expostos não estão à venda pois, ou pertencem ao acervo do Espaço ou, seis deles, são da coleção particular do João Cláudio Moreno que os emprestou para a mostra. Há, no entanto, alguns desenhos do Gabriel que se encontram à venda, mas não expostos. Eu, por exemplo, já sou o feliz proprietário de um deles.
Creio que o trabalho do Cícero é, por todos os títulos, elogiavel. Mas já se evidenciam, ele mesmo começa a tomar consciência disto, alguns problemas. A sua incansável atividade e o prestígio que o local adquiriu entre os formadores de opinião em Teresina - todos os jornais diários divulgam os eventos do espaço – tem trazido muita gente ao local, evidenciando um projeto que é maior que o espaço físico que ele ocupa, embora um de seus principais encantos, senão o principal, é onde ele se localiza.
Fiquei comovido quando me disse que sua amiga Ana Márcia Moura, uma das melhores arquitetas piauienses, "elaborou um projeto visando a ampliação do espaço fisico da loja"! Sei bem que a marca referencial da arquitetura é a utilização racional dos espaços mas, mesmo que, por uma mágica arquitetônica, o projeto da Ana Márcia Moura conseguisse triplicar o espaço, ainda assim, e muito rapidamente, ele voltaria a se mostrar modesto nas proporções. Talvez o Cícero, apoiado, inclusive, pela Prefeitura de Teresina, proprietária do Mercado do Mafuá, e por outras instituições de amparo à cultura, pudesse, de alguma forma, estender a todas as dependencias daquele espaço público a Arte que ele, tão valentemente, busca preservar. Seria uma bela saída! A resistência cultural ocupando novos espaços.
PS: O dono do Armarinho São Francisco nunca me perdoaria se eu não deixasse bem claro que os novos e antigos clientes da loja recebem o mesmo tratamento personalizado que receberiam caso a Dona Zefinha ainda estivesse no comando.
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