quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

O tropel dos búfalos

Cineas Santos. Foto sem crédito.

Por absoluta necessidade (precisava digitar um arremedo de crônica) entrei numa lan house em S. Raimundo Nonato. A tarde mal se iniciava, e a sala estava praticamente vazia. De repente, quatro rapazes entraram trotando. De imediato, preparei-me para o pior: só podia ser um assalto. Sem tomar conhecimento de minha opaca presença, os quatro entrincheiraram-se e começaram uma intensa guerra virtual. Cada vez que abatiam um dos “inimigos”, berravam como se comemorassem um gol. Se bem entendi as regras daquele jogo sinistro, venceria o combatente que eliminasse o maior número de adversários no menor espaço de tempo. Tentei ignorá-los e concentrar-me no meu trabalho. Impossível: as balas ricocheteavam por toda parte e o barulho tornou-se insuportável. Acovardado, fugi do campo de batalha.

Na saída, ocorreu-me a pergunta: Alguém que brinca de matar não corre o risco de tornar-se um matador?

A pergunta pode parecer um despropósito, mas me lembro de ter lido, em algum lugar, a história dos três jovens americanos (sempre eles!) que, em meio a uma batalha virtual, resolveram encomendar uma pizza. Quando o entregador bateu à porta do apartamento, um dos moleques sacou de uma pistola e o fuzilou ali mesmo. Em seguida, pegaram a pizza e foram comê-la como se nada tivesse acontecido. Quando a polícia chegou, o matador justificou-se candidamente: A gente só queria saber como é que alguém morre de verdade.

Sobre os efeitos dos jogos violentos na vida dos adolescentes, os “entendidos” ainda não chegaram a um consenso. Há os que afirmam que esses jogos podem, sim, incitar a práticas violentas; não falta, contudo, os que garantem que os jogos violentos funcionam como uma espécie de catarse e até inibem a violência. Como não sou entendido em nada, prefiro manter-me a distância.

Longe da manada barulhenta, na casa da irmã querida, abro a revista Discutindo Literatura (Escala Educacional – nº 18) e me deparo com uma notícia curiosa: no Rio Grande do Norte, três jovens acusados da prática de crime pela internet receberam uma sentença exemplar: por determinado período, ficam proibidos de ingerir bebidas alcoólicas; freqüentar lan houses e participar de redes de relacionamento.

Até aí nada de extraordinário. Extraordinário é o fato de serem obrigados a ler obras literárias escolhidas pelo juiz que os condenou. Para evitar “espertezas”, trimestralmente terão de apresentar relatório “realizado de próprio punho, revelando suas impressões sobre os temas principais dos livros”. Se não o fizerem, podem ser presos. As duas primeiras obras indicadas pelo sábio magistrado são A Hora e a vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa, e Vidas Secas, de Graciliano Ramos.

Não me lembro de ter visto sentença mais sensata. Tivesse mandado os três infelizes para um presídio qualquer, o juiz estaria apenas propiciando-lhes uma pós-graduação em crime. Ao “condená-los” a ler, talvez os resgate para o convívio social. Li a matéria pensando naqueles quatro rapazes que, “inocentemente”, brincam de matar numa lan house.

A sábia sentença do juiz potiguar bem que poderia nos inspirar a exigir dos nossos filhos uma prática bem simples: para cada duas horas na internet, teriam de dedicar pelo menos uma à leitura de textos escolhidos por nós. É quase certo que, num primeiro momento, a molecada iria nos devotar ódio mortal. Com o correr do tempo, porém, aprenderia que não se brinca com a vida, o mais precioso de todos os bens, mesmo que seja apenas uma vida virtual

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