Torquarto Neto em instalação de H.O.
Entrevista de
Luciano Figueiredo a Regis Bonvicino,
novembro de 2010
Fonte: clique aqui
Luciano Figueiredo nasceu em Fortaleza em 1948. É artista plástico, designer e curador. Iniciou sua carreira como pintor em 1965 e, desde então, realiza regularmente exposições individuais e coletivas em galerias de arte e instituições em cidades como Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Londres, Nova Iorque e Paris. Como designer, realizou muitos projetos gráficos e editoriais tais como capas de discos, cartazes, cenografias para espetáculos de música, letreiros de filmes e edições de livros e revistas. Enquanto curador, manteve atividades institucionais como coordenador técnico para o Projeto Hélio Oiticica (1981-1996), diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas - FUNARTE (1986-1988), diretor do Instituto Nacional de Artes Gráficas- FUNARTE (1987-1988) e diretor do Centro de Arte Hélio Oiticica (2003-2008). É autor da antologia “A Pintura Depois do Quadro” sobre a obra de Hélio Oiticica (2008).
Regis Bonvicino: Como conheceu Torquato Neto? O que, como artista plástico, o aproximou dele, que, em princípio, era um letrista, um poeta? Luciano Figueiredo: Conheci Torquato Neto aí no início de 1971 – ele recém-chegado da Inglaterra e da Europa –, por intermédio de meu amigo e poeta Duda Machado, que nessa época dirigia o primeiro espetáculo de Macalé, que ali iniciava sua carreira solo como compositor e cantor em um teatrinho na Praça General Osório, em Ipanema, chamado Teatro de Bolso, para o qual eu fazia a cenografia e programação visual. Torquato Neto, que eu conhecia apenas de nome como figura do Tropicalismo, apareceu num dos ensaios e lá fomos depois tomar uns chopes na companhia de Duda Machado. Para mim, Torquato Neto era uma figura-chave do Tropicalismo – e é preciso que se diga: naquela época essa distinção entre letrista e poeta não era para aqueles jovens um diferencial levado muito ao pé da letra, pois escrever letras de música era uma realização poética ambiciosa e plena. Imagine: os seus textos musicados e cantados por vozes como Gal Costa, Maria Bethania circularem em todo o Brasil e dentro de contexto artístico considerado o mais avançado, que era a música popular brasileira. Aquilo que estava acontecendo pela via do Tropicalismo era algo inédito, que nunca se vira antes, era uma saída e tanto para veicular uma produção poética. Um poeta como Torquato não estava almejando publicar livro de poesia em editora. A questão era atuar e abrir brechas artisticamente, e Torquato era tido como um homem muito sofisticado em seus conhecimentos de arte em geral, amigo de Hélio Oiticica e outros artistas plásticos. Se você olhar fotos daquele evento coletivo, Apocalipopótese, em 1968, e assim chamado por Rogério Duarte, você vê o Torquato lá vestindo um Parangolé do Hélio Oiticica. O Duda Machado, pelo que me lembro, nem pensava em edições de poemas por editoras. Waly Salomão, que era amigo de Caetano, também até ali não havia publicado nada, nada. Tudo era feito para produzir efeito rápido. As editoras não representavam um veículo desejado pelos jovens aspirantes. Duda, que era também um dos maiores amigos e interlocutores de Caetano, queria mais era revelar-se como poeta-letrista, começando a compor com Macalé coisas como “Sem Essa”, “Hotel das Estrelas” e várias outras pérolas, para Gal Costa gravar. As editoras literárias que normalmente publicavam textos novos estavam sob censura ou haviam fechado. Aquela revista da Editora Civilização Brasileira (olha só o nome) já nem era mais impressa. Para muitos escritores e jornalistas a solução era o Pasquim, tabloide semanal de grande sucesso de vendas inclusive, mas que só tinha escritores comunas e que eram presos ciclicamente pelos militares. A turma do Pasquim (Millor Fernandes, Paulo Francis, Jaguar, Ziraldo) inicialmente fora extremamente hostil e preconceituosa com os jovens artistas baianos, que eram chamados por eles de “bahiunos”. Ipanema foi a última comunidade intelectual e boêmia a olhar para os baianos que estouravam nos festivais de música de São Paulo e empolgavam o Brasil. E não se pode esquecer que Augusto de Campos foi o primeiro a escrever louvando Caetano em seu texto “Boa Palavra na Música Brasileira” e o Hélio Oiticica escreveu para o jornal Correio da Manhã o texto intitulado “A Trama da Terra que Treme - O Sentido de Vanguarda do Grupo Bahiano”. Não eram exatamente todos assim, e, diga-se de passagem, o Luis Carlos Maciel, que conseguiu editar alguns números do tabloide A Flor do Mal, era bem mais aberto, diferente e mais culto que seus colegas de redação do Pasquim. Duda Machado admirava muito o Torquato e eu seguia atentamente a sua opinião, que era o poeta de quem eu era mais próximo na época e muito me ajudou nos meus primeiros anos quando vim de Salvador, e fizemos vários trabalhos juntos entre 1970-1972. A amizade com Torquato nasceu a partir daquele dia; porém, de um modo paradoxal, por assim dizer, mesmo considerando o tanto que fizemos juntos no turbilhão daqueles anos, às vezes tenho a impressão estranha de que não o conheci muito intimamente. Na amizade, rolava mesmo era o campo das ideias, projetos, trabalhos e os agitos entre inúmeros personagens que vão compor certa cena cultural de um Rio de Janeiro daquela época. Ficamos amigos ali naquela ocasião e pronto. Dessa conversa de mesa de bar eu me lembro bem que ele queria articular coisas agregando novos artistas e que já tinha com seus contactos planos de atuação na imprensa, ou seja, encontrar novas tribunas para expor e defender ideias. Logo me senti incluído, e o Duda planejava coisas com ele. Parecia-me uma pessoa pronta para reiniciar e conspirar artisticamente coisas novas no Brasil ainda ultrautópico e muito inocente da época. A ausência súbita de Caetano e Gil marcava um corte no que o Tropicalismo estava representando até ali e parecia que, sem a presença deles, certa “orfandade” e lacuna exigiam uma atuação que representasse algo de continuidade e avanço para os que ficaram e acreditavam naqueles ideais. E ele, Torquato Neto, quando volta ao Brasil, parece possuir uma visão de cultura muito antenada internacionalmente, como se possuindo um repertório de ideias mais ampliado em bali zamento ideológico, muito à frente do que debatia a intelectualidade de esquerda local. Afinal, passa um bom período entre Londres e Paris e vendo bem de perto os resultados culturais de Maio de 68 e a transformação do movimento jovem e uma óbvia proximidade com a cultura underground emergente nos Estados Unidos. Tenho a impressão de que Torquato apostou numa nova forma de tensão experimental de sintonia que a província via com suspeita. Sim, foi esse espírito que uniu todo um novo grupo e fez surgirem tantos novos talentos e realizações, como os shows de Macalé, Gal Costa, A “Geleia Geral” (coluna dele no jornal Última Hora) e “Navilouca”, projeto dele com Waly Salomão. Torquato Neto com a sua coluna “Geleia Geral” articulou e desafiou em várias polêmicas um meio artístico ainda muito dominado por intelectuais de uma esquerda sufocada, derrotada e mesmo assim intolerante.
RB: Como foi o A-I 5 de 13 de dezembro de 1968 para você? LF: Em 1968 eu ainda era um jovem estudante secundarista em Salvador, mesmo que já fizesse minhas pinturas sistematicamente e participasse de exposições como nas duas Bienais de Artes Plásticas em 1966 e em 1968, quando a última versão foi censurada e fechada pelo comando militar em Salvador. Eu participei de todo movimento estudantil que se insurgia nas ruas, em passeatas, mesmo antes do A-I 5. Para jovens da minha faixa de idade, nós seguíamos o que as lideranças estudantis nos convocavam e nos esclareciam. É claro que essas lideranças eram células comandadas pelos diretórios universitários e que, por sua vez, seguiam as diretrizes políticas dos comandos das várias facções do Partido Comunista, o chamado partidão, que logo se esfacelou em várias facções, à medida que a repressão arrochava ainda mais a vida de uma sociedade que não era mais livre. Entre 1964-1968, para nós, os muito jovens, esse arrocho político foi ficando gradualmente claro. Eu tinha 20 anos de idade quando aconteceu o AI-5 e foi mesmo ali que os meus amigos ativistas políticos me esclareceram a dimensão do desastre. Em 1969, participei de uma exposição de arte realizada na rua, numa praça pública em Salvador, e em seguida fomos todos intimados para responder Inquérito Policial Militar (os chamados IPMs) no quartel da Polícia Militar, o que não teve maiores conseqüências para mim. Mas vi que, se eu continuasse atuando como artista entre grupos políticos, ia acabar entrando em cana como militante político, coisa que nunca fui, pois nunca pertenci a qualquer facção organizada, mesmo conhecendo todos os principais integrantes dos vários grupos e facções, que acabaram tendo destino terrível sob o jugo militar: foram torturados, mortos, caçados em todo o território nacional, e muitos foram exilados para o exterior.
RB: Caetano Veloso foi preso em 27 de dezembro daquele ano. Você, Torquato e outros assumiram então a tendência experimental, contracultural, não alinhada com os marxistas; como foi isso? O que significava ser de esquerda? LF: As coisas não se deram bem assim como você me pergunta: primeiro que Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos em São Paulo, depois transferidos para o Rio e, em seguida, passaram ainda algum tempo em Salvador. E, antes de seguirem para Paris e Londres, fizeram aquele espetáculo Barra 69 no Teatro Castro Alves, que foi uma espécie de despedida. É difícil focar e tudo criticar daqueles anos. Torquato viajou para Londres em companhia de Hélio Oiticica quatro dias antes de o A-I 5 ser decretado. Partiram do Rio em navio cargueiro. O Hélio ia para Londres de qualquer maneira, porque já tinha exposição marcada na “Whitechapel Gallery” para fevereiro de 1969 e suas obras tinham seguido meses antes, e Torquato, como todo mundo na época, queria mudar de ares, já que não havia mais grupo Tropicalista atuante. Eu era um recém-chegado e meus amigos mais próximos no Rio eram Duda Machado, Waly Salomão, José Carlos Capinan, Jorge Salomão, Luis Carlos Saldanha, e fui conhecendo muitos outros e, súbito, éramos uma tribo nova num Rio de Janeiro que parcialmente nos acolhia. Quanto a questões como o experimental e o movimento contracultural como posições não alinhadas aos marxistas ortodoxos, também não aconteceu assim de maneira linear e simples de ser explicada. É preciso entender de uma vez por todas que definições como o experimental já se manifestavam anos antes na produção de arte brasileira e no Hélio Oiticica, por exemplo, que nunca foi filiado a partido político algum. Tinha suas posições bem firmadas através de suas criações como Parangolé (a partir de 1964) e pelos eventos que organizava ou de que participava, como as exposições Opinião 65,Opinião 66 e Nova Objetividade Brasileira em março de 1967, quando apresentou sua célebre obra que intitulou Tropicália. Esses eventos e alguns outros realizados em espaços públicos tinham a participação de muitos outros artistas. Então, isso demonstra uma vontade forte por parte dos artistas de não se deixarem “encaixar” em categorias que fossem obedientes aos valores oficiais do circuito de arte da época, em que tudo girava entre a Bienal de São Paulo e o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
Ser de esquerda na época significava fazer oposição e mesmo não necessariamente sendo filiado a esse ou a outro partido de esquerda. Muitos artistas eram ativistas políticos e outros não. Entretanto, produção de arte era algo totalmente solidária “à la gauche”, entende? E como se explica isso? A meu ver, porque os ideais das vanguardas artísticas estavam majoritariamente alinhados aos ideais das vanguardas políticas ao longo de pouco mais da metade do século XX. Fazer oposição significava querer transformação e mesmo sendo pela subjetividade, que caracteriza o ato de se expressar artisticamente.
RB: Como foi ser artista para você, para seu trabalho, sob aquele início da ditadura? LF: Foi rico de diversas maneiras: tive muita sorte quando me iniciei porque estudei com Adam Firnekaes, no Instituto Goethe em 1964, em Salvador. Ele era imigrante judeu, alemão, pintor e músico erudito. Tocava fagote. Ensinou-me Klee, Kandinsky, a Bauhaus, os movimentos modernistas: Blaue Reiter, Cubismo, Futurismo e outros. Ou seja, o contrário da Bahia provinciana e folclórica. Eu pintava compulsivamente e tinha o incentivo dele, mas, como jovem, o meu círculo de amigos de esquerda cobrava de mim que fizesse pinturas que comunicassem a “questão social” e eu não sabia mesmo o que era arte pra valer: se Paul Klee ou a cartilha cepecista de fazer arte para ser “fiel” ao mundo como indivíduo. Tive um momento em que queria me sentir mais integrado com meus amigos e passei a fazer pintura muito figurativa e que tentava retratar a miséria. Um dia levei esses novos trabalhos para o professor ver; ele ficou horrorizado e disse-me: “– Alguém o está influenciando a fazer essas coisas horríveis, isso nem é boa política nem bom caminho para a arte, largue disso imediatamente”. Ou seja, de um só golpe, ele salvou-me da mediocridade ideológica que estava no ar a impregnar as artes. Falou-me do teatro de Bertolt Brecht como um exemplo subutilizado pela estética de esquerda.
RB: Há um Torquato letrista, um Torquato poeta, digamos em prosa e verso, um Torquato ator, um Torquato jornalista etc. Você poderia falar deles? LF: Francamente, não consigo separar o letrista do poeta. Para mim caminhava tudo muito junto, como já expliquei. Creio que as letras que ele fez com Gilberto Gil bem no início de carreira em que fala do Piauí, (não consigo lembrar o nome de cada agora), as letras com Edu Lobo, aquela canção, creio que é a mais famosa de todas, “Pra Dizer Adeus” e “Mamãe Coragem” são poemas muito bonitos. Na “Navilouca” ele escreveu um poema para o qual o Oscar Ramos e eu fizemos uma interpretação gráfica meio à la poesia concreta: “Poeta, mãe da artesmanhas, d’ armas, d’ hoje, d’ amanhã”. O Torquato Neto jornalista era o agitador cultural, que escrevia diariamente sobre a produção artística emergente e que hoje é uma das fontes mais ricas sobre a produção daqueles anos, que passaram a ser rotulados como “cultura marginal”. Ora, tudo era marginal. E o Torquato ator foi uma coisa ocasional. Ele fez o personagem do filme Nosferato no Brasil, um super 8 de Ivan Cardoso (pivô da briga dele com o Cinema Novo), e fez outros filmes com Luiz Octavio Pimentel, também em super 8, que era a febre do novo formato película e muito acessível, porém não creio que o Torquato tivesse maiores ambições em ser ator ou atuar sistematicamente em filmes.
RB: Qual foi a participação de Júlio Bressane e Rogério Sganzerla nesse período de “exílio interno”. E a de Torquato? LF: O que você chama de “exílio interno” foi a produção de filmes da Belair Filmes, a ruptura desses cineastas com o grupo principal do Cinema Novo e com o qual Julio Bressane e Rogério Sganzerla já não comungavam, e faziam filmes que não seguiam uma estética ou ideologia firmada pelo Cinema Novo. Torquato fala muito desses filmes do Julio e do Rogério em vários textos da coluna “Geleia Geral”, e o Ivan Cardoso começou a fazer filmes muito influenciado por eles e era também muito próximo do Torquato e do Hélio Oiticica. Se “exílio interno” houve para Torquato Neto, creio que representava o seu afastamento do grupo baiano a partir de certo momento em 1968 e cujos motivos eu nunca soube como se deram nem por quê.
Hélio Oiticica
RB: Como foi a sua relação com Hélio Oiticica? E a de Oiticica com Torquato? LF: Eu conheci o Hélio em março de 1970, através de Duda Machado e Ivan Cardoso. Eles me levaram à casa dele uma noite. O Hélio tinha uma habilidade rara para agregar pessoas, apresentar uns aos outros e incentivar todo o mundo a trabalhar. Ele havia chegado de Londres e sua casa no Jardim Botânico era frequentada por todo o mundo. Fazia sessões de projeções de slides de sua exposição em Londres, que havia sido um sucesso enorme por lá. Ele era simples, extravagante, exuberante, exagerado e muito generoso ao mesmo tempo. Passei a frequentar sua casa aonde todo o mundo ia com frequência, e saíamos juntos em bandos para ver shows de música, filmes, festas, mas ele trabalhava sem parar e não suportava gente improdutiva, o pessoal que ficava de “bobeira”, como se dizia naquela época. Fui bem acolhido por ele, que me mostrou muito de sua obra e tanta coisa de que eu só ouvia falar, se bem que eu tinha sido monitor de uma das Bienais de Arte em Salvador e curiosamente fui escolhido para ficar na sala dedicada a ele com sua obra Grande Núcleo, aquele labirinto de placas de cor penduradas. Passei dois mes es dentro daquilo. Então, eu tive uma vivência muito intensa com a pintura dele antes de conhecê-lo, com suas proposições de cor e espaço e, assim, conhecer o Hélio pessoalmente foi extraordinário. Lembro bem que, no primeiro dia em que o vi, tive a sensação nítida de nunca ter encontrado ninguém com aquela personalidade e maneira de ser: uma maneira de falar inconfundível e quando estava presente era de um magnetismo contagiante. Foi muito generoso comigo, pois, quando estava fazendo a maquete da cenografia para um show de Gal Costa, ele recebeu a notícia de que tinha ganhado a bolsa Guggenheim e deveria partir logo para New York. Confiou-me a execução de sua maquete, que era um enorme volume com níveis diferentes e forrado de vermelho com espaço para a banda: a Gal movimentava-se por aqueles volumes subindo e descendo rampas para a plateia, que ficava parte deitada em colchões amarelos e parte nas cadeiras da plateia. Essa realização marcou uma posição de confiança entre nós e, para mim, levou-me aos próximos trabalhos que vim a fazer. Torquato e Hélio foram muito amigos. Brigaram em Londres não sei por quê e depois fizeram as pazes, quando o Hélio já morava em New York. Escreveu vários textos para a “Geleia Geral”, além de ter sido um dos maiores incentivadores do projeto da “Navilouca”. Naquele texto-carta que o Hélio escreveu para Waly Salomão e foi publicado na revista Pólem, há um trecho em que ele explica de maneira rápida a sua admiração por Torquato e dá como encerradas maiores explicações sobre o assunto.
RB: Havia uma agitação, digamos, multimídia naquele momento. O que pode contar-nos? LF: O circuito de arte, de certa forma e mesmo cerceado pela censura da ditadura militar, tinha uma difusão de ideias muito superior se compararmos aos dias de hoje, e mesmo com a nova realidade global com o advento da internet e derivados virtuais que, supõe-se, intensificam a comunicação como fator cultural. O Rio de Janeiro daqueles dias tinha pelo menos 7 jornais diários e creio que São Paulo por aí também. Este fato faz um diferencial enorme, pelo menos no Rio de Janeiro, que hoje só tem 1 jornal diário, disputado por todos os setores de cultura e que evidentemente e curiosamente caracteriza uma situação mais provinciana que outrora.
RB: O que há ainda daquele Luciano Figueiredo em você hoje? LF: Eu não tenho saudades daqueles dias, mas creio que faria tudo de novo. Eu vivi de fato questões muito ricas e principalmente essa da ligação e impregnação das artes umas com as outras. O meu caminho como artista plástico foi todo meio que de viés com coisas diferentes acontecendo ao mesmo tempo e se interligando, e creio que cheguei a um ponto onde tive a necessidade de centrar mais minhas atividades como artista plástico, com questões próprias da pintura: cor e espaço. Olhando hoje, vejo que minha geração se impregnou exageradamente de valores conceituais e creio que isso muitas vezes se sobrepôs à realização concreta, física, de projetos e ideias. Felizmente, livrei-me há muito do peso de conceitos meramente por conceitos, porque, afinal de contas, ou bem você vai viver de sonhar em fazer coisas e achar que tudo é “coisa mental” e deixa de realizar e avançar em problemas, que só o exercício da construção pode revelar algo que persegue seu imaginário. Senão, fica-se eternamente vivendo de temas da esfera da objetividade e corre-se o risco de não mais poder avançar nos poderes da subjetividade. Creio de fato que o que mais existe em mim daqueles dias é a minha relação com a poesia e com os poetas, embora não acompanhe o vai-e-vem do mundo literário. Muito mais releio meus poetas favoritos. E quanto às artes plásticas, tenho vontade de me ajoelhar quando estou diante de um quadro de Cy Twombly, Mondrian, Vantongerloo, James Bishop, Sean Scully, Sigmar Polke, Aurelie Nemours, Martin Barré, William Kentridge, Anselm Kieffer, quando vejo qualquer quadro ou desenho de Paul Klee; ou de ir até Monterchi, vilarejo medieval na Úmbria, e contemplar um afresco de Piero Della Francesca. Enfim, não consigo nunca me distanciar das coisas que aprendi com o meu professor Adam Firnekaes. E olho com orgulho aquele objeto que Oscar Ramos e eu fizemos com Torquato Neto, a GÉLIDA GELATINA GELETE.
Nenhum comentário:
Postar um comentário