quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Jamerson Lemos, nos subúrbios do ócio.


Jamerson Moreira de Lemos nasceu em Recife (PE), a 22 de dezembro de 1945, e faleceu em Teresina, a 5 de agosto de 2008). Poeta, deixando sua terra, viveu alguns anos em São Luís (MA), onde certamente se contaminou com a boa poesia daquela Província iluminada, de Gonçalves Dias a Ferreira Gullar, pra não falar nos mais novos. Tanto é verdade que o seu primeiro livro foi editado pelo Governo do Maranhão, com a participação da Academia Maranhense de Letras, no final da década de 60, século XX. Sempre o parto do primeiro livro é longo, por vários fatores que não cabe aqui explicar. Não poderia ser diferente com Jamerson Lemos. Saiu com o nome da “Superfície do Vento”, 1968, seleção de um calhamaço que me mostrara antes, com o título provisório de “Cerca de Arame”. Depois publicaria ainda “Sábado Árido” (1985) e “Nos Subúrbios do Ócio” (1996), ambos em Teresina.

Deixou muitos inéditos, entre os quais “Istmo Soledad”, ao qual dei um prefácio já publicado aqui e alhures, situando sua poesia e seu fazer poético entre os melhores cultores da poesia-práxis, uma corrente derivada do concretismo, cujos poetas brasileiros mais conhecidos são Mário Chamie, Armando Freitas Filho, Mauro Gama e Adailton Medeiros (este natural de Caxias-MA). Esse modo de fazer poesia valoriza o ato racional de compor e busca um sentido intercomunicante entre versos e palavras, tudo integrado ao real quotidiano, objetivo, ou seja, o dado social-histórico vai de braços dados com a poesia e a pesquisa semântica ou semiológica. Quem mais se celebrizou neste “sertão-vereda” foi o João Cabral de Melo Neto, pernambucano como Jamerson Lemos. A preocupação maior com letras, sílabas e palavras do que com o espaço em branco ou preto da página faz da poesia de Jamerson um antilirismo que a muitos preguiçosos assusta. Mas, se bem observada, sua poesia é de um apaixonado das coisas belas, dos sentimentos mais puros e da riqueza na expressão, num estilo que parece desinteressado da vida e do real, deixando visível a veia do bom humor em todos os poemas.

A poesia-práxis é do Brasil dos anos 60. O CLIP – Circulo Literário Piauiense, movimento daquela década, de certa forma enquadra bem a poesia deste poeta que entrou para a convivência dos clipianos. Se do CLIP não fez parte oficialmente, foi por ter chegado ao Piauí pouco depois. Mas, de tal maneira integrou-se aos criadores do CLIP (Hardi Filho, Chico Miguel e Herculano Moraes), que seria pecado não incluí-lo nessa geração cujos efeitos ainda ressoam.

Casado com dona Maria das Dores de Morais Lemos, funcionária dos Correios já aposentada, Jamerson Lemos deixa órfãos seus dois filhos: Juninho e Ceres Josiane.

Duas vidas: uma, a familiar e sentimental como poucos; outra, a profissional, onde se desdobra para conciliar o vendedor de imóveis com o poeta. Reconhece Alberoni Lemos que não foi fácil ao poeta Jamerson Lemos. Daí que é impossível saber bem de sua poesia sem o conhecimento do homem, que se dizia descendente de judeu, em seus conflitos filosóficos e existenciais – acrescenta o grande homem de imprensa, Alberoni Lemos.

Mas, um pouco da poesia jamersoniana fará bem, seria mesmo imperdoável que não se oferecesse ao leitor. Então, com o título “Do movimento à noute” vai como exemplo:

“O mistério da espuma do mar
é não haver mistério algum.
Fundo longilíneo
maravilhoso o mar não se sabe um
convite à morte ao amor à
vida. Há mistério, há?

A espuma do mar longe de ser algo
incógnito, transcendental, flora
estrelinhas nas algas, águas,
sargaços e areia, namora
da luz às conchas, à lua minguante
e permanente se renova.”

Do mar o mistério da espuma
inexiste – bolhitas ou escumas –
existe o mistério à bruma
de noite à noute uma a uma
a onda virada serpente
engole a solidão da gente.”
(in “O Estado”. 04-10-87, Teresina, PI).

Hardi Filho considera que “J. Lemos, o boêmio navegador de ares e bares, nos dá um exemplo de modernidade poética soberba e despreocupada”, enquanto A. Tito Filho diz que “no poeta há sobretudo intensidade de expressão artística e estranho brilho verbal”.

Sim, mas resta dizer que Jamerson Lemos, da geração dos anos 60 (leia se CLIP), além de sua participação na vida cultural no meio piauiense, registrou-a valorosamente com dois prêmios importantes que recebeu, no Piauí: um da Academia Piauiense de Letras e outro da Fundação Cultural do Piauí, ambos de poesia. Desta forma, é impossível que o Piauí não o reconheça como seu poeta, aliás um dos mais singulares, como consta de “A Poesia do Piauí no Século XX”, antologia organizada por Assis Brasil, Editora Imago, Rio, 1995.

3 POEMAS de JAMERSON LEMOS:

NAS RUAS

não mais voltarei aqui
seguirei as curvas do vento
tentar não tendo
assim eu me perdi

nada do que vi vi
nisso me acalento
foi bom todo momento
vivi

subida descida
noite amanhecida
espuma do Mar

tempo sem bruma
lua me luma
ar

DEPOIS DO DESERTO

Maripositas brincam da luz
pepitas vivas no Ar
não cansam de voar
em xis e em cruz

meu peito vive a bailar
assim me conduz
Mariposa me reluz
à Luz do Luar

sigo por essa Rua
de Alma nua
nem sei pronde vou

tenho pouco de oiro
trago-a cravada no coiro
antes do Voo


CHARADA

Uma pessoa não é só uma
São duas três pessoas
Enigma incógnita bruma
Noite misteriosa voas

Tranquilidade noturna das lagoas
Cabeça como sino soas
Diz-me que alma é verruma
Quantos somos em suma?

Vida é viagem
Viajar e margear
Floresta deserto penhas miragem

Corpo uma bagagem
Flor a florar
Passagem.

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*Francisco Miguel de Moura, membro da Academia Piauiense de Letras, poeta e romancista, crítico e cronista, pertence à Geração do CLIP, anos 60 brasileiros.

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