terça-feira, 17 de abril de 2012

Leonardo, católico e republicano

Capa do livro de Gervásio Santos.


Os sentidos do acontecer histórico são sempre mais interessantes quando apreendidos enquanto construções coletivas.

Assim sendo, os chamados “grandes personagens da história” nunca serão amealhados na história do tempo social como seres maiores que o acontecimento dado de que são sujeitos.

Heroicização? Esquecimento? Isto são obras dos inventariantes de sentidos na vaga do tempo que não para e nas junções e injunções da construção cultural-social no porvir. Não se trata de desconhecer que há pessoas que se distinguem mais que outras enquanto flui a vida historicamente considerada.

Ancorado nessa paradigmática é que fazemos estas considerações sobre Leonardo de Carvalho Castello Branco, agitador republicano no cenário da aclamação da Independência no Piauí, personagem sobre quem se fez até hoje estrondoso silêncio. Ou sobre quem, no mais das vezes, é lembrado por ter sido um fracassado cientista, poeta, político ...

Clodoaldo Freitas, em 1903, ainda que em viés e sentido de negatividade, concede: “Seja como for, Leonardo das Dores, pelo seu trabalho indefeso, pelos seus estudos, pela sua obra sobre mecânica não é de todo um nulo e bem poderia ser, se a tivesse publicada, que fosse um benemérito da ciência. Ele dorme esquecido o sono da morte. A posteridade, infelizmente, ratifica o juízo dos coevos com relação aos seus trabalhos científicos e literários, mas deve honrar a sua memória como patriota, que trabalhou denodadamente, e sofreu gloriosamente pela nossa independência, cumprindo, como nenhum outro contemporâneo, seus deveres de cidadão, através de tremendos padecimentos físicos e morais, sem ter jamais recebido, por tudo quanto fez, a mínima recompensa”. 

Recortamos esta citação do livro de Valdemir Miranda de Castro, “Leonardo: um homem e sua história” (p. 78), para ilustrar o que vimos dizendo, pela palavra de um intelectual de grande peso no Piauí de cem anos atrás.

Tomamos desse recorte biográfico a consideração de que “a posteridade [...] deve honrar a sua memória como patriota [que cumpriu] seus deveres de cidadão ...”, para ir rompendo o silêncio e retirando esse homem e sua história dos escombros sobre si lançados por aqueles que sempre quiseram um mundo diferente do que ele sonhou.

Senão vejamos: Leonardo quis um regime de liberdade (por isso pagou com a prisão), a liberdade triunfante dos contemporâneos europeus, cada vez mais calcada em sentidos de igualdade –o que se viu aqui foi o triunfo do absolutismo do imperador que golpeou o primeiro corpo legislativo eleito do novo Império; Leonardo contra isto lutou (e de novo pagou com a prisão), tornando-se um confederado do Equador, um republicano larvar –o que se viu foi a reiteração da monarquia, a profusão da produção das baronias mofadas; Leonardo quis as luzes da ciência como que aspergindo as letras bíblicas divinais de sua fé em Deus –teve negados os meios; já então ia viçando o reino dos “formados”.

Leonardo disse de si, citando Chateaubriand, ser um homem fora de seu tempo; estaria no próprio tempo porvindouro ... Parece calhar a observação, observando essa autoapreciação, hoje vivendo nós há mais de um século depois de sua morte. Nos dias em que é lembrado o processo de lutas daquele tempo, seu nome, e ainda mais seu exemplo, são, em regra, esquecidos.

É fundamental perguntar: por que Leonardo se arriscaria a ser preso por suas idéias (duas vezes) se nele não houvesse a firmeza e sentimento maiores de amor a ideais libertários? Relembre-se que ele era um proprietário de terras, sua família já então uma secular latifundiária do vale do Longá. Então: por que esse pensar a revolução, esse namorico com a mecânica? A vida desse homem precisa ser ainda melhor esmiuçada para realcemos o quanto exemplar e vitorioso foi o seu sonhar.

Mais e mais bonito o seu gostar da miunçaia: sonhou construir a liberdade como luta do povo – e o sonho dele não acabou sangrando às margens do Jenipapo, como para ele a liberdade não veio pelas margens do Ipiranga.

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