segunda-feira, 19 de março de 2012

Elmar Carvalho, o Noturno de Campo Maior

Poeta Elmar Carvalho.

Diego Mendes Sousa

Elmar Carvalho é autor do poema Noturno de Oeiras, embora o poeta tenha nascido em Campo Maior, graciosa cidade do Piauí. Elmar Carvalho é cantor de si e do outro, no limite das sensibilidades. O poeta apresenta-se em releituras:

Eis como sou
               neste instante único
                ( após o qual já
                 serei um outro):
Um homem que rema
                 no seco contra
                 a corrente das águas
Um homem que usa
                  a gravata como
                  se fora um baraço
                   nas horas de opressão
Um homem que escreve
                    torto por
                    linhas certas
Um homem que sobe
                      e teima contra
                      a lei da gravidade
                      Eu sou aquele
que aprendeu
a pecar para
ter a hulmidade
de não ter uma
virtude
                      Eu sou aquele
que jogou roleta
russa com o tambor
cheio de balas e
apostou contra a
sorte
                    Eu sou aquele
                    que lutou para
                    não ser

Apesar de Elmar Carvalho ter lutado para não ser, conseguiu algo maior e divino:

Também sou poeta,
Alcides Pinto,
sou poeta.
E estou de mal com a vida
que nos acena
com miragens
que jamais irá cumprir.
...
Sou poeta,
Alcides Pinto, sou poeta,
juro que sou poeta.

Elmar Carvalho não só afirma ser poeta como também possui consciência do próprio poema e da revelação íntima da poesia:

As meadas e as palavras
são labirintos e teias.
Nelas os poetas se elevam;
nelas as moscas se enleiam
e se debatem em vão.
Os poetas são.
As moscas, não.


Elmar Carvalho escreve de forma lírica ou épica o seu sonho humano de querer amar às geografias, sem medidas, e povoadas de solidão, ao amar:

Meia-noite.
Metade silêncio,
metade solidão.


Atravesso a praça das Vitórias
na hora dolorosa das doze badaladas
punhaladas que também me atravessam.

Da casa de doze janelas
doze donzela me espiam com olhares
que são setas de medo que
assustam e extasiam.
...
Oeiras navega na noite
de um tempo que não termina.
De um tempo sem medida, fugitivo
de ampulhetas e relógios.


Em minha opinião, os poemas Noturno de Oeiras e Noturno do Cemitério Velho de Oeiras são os mais belos de toda a obra poética de Elmar Carvalho, composta pelos livros Cromos de Campo Maior; Noturno de Oeiras; Rosa dos Ventos Gerais; Sete Cidades - roteiro de um passeio poético e sentimental e Lira dos Cinquent'anos.
Oeiras é uma cidade, em si, misteriosa; Foi a primeira capital do Piauí, e dentre as simbologias literárias, torrão natal do notável romancista O. G. Rego de Carvalho.
Mas diz Elmar Carvalho:


Cemitério
misteriosamente sem mistério
                                       etéreo
em sua clareza
- mais que clareza, certeza -
de cemitério.


Campo Santo
onde o fogo-fátuo
e o pirilampo
cintilam - destilam suas luzes mortas
nas alamedas sem (en) canto
nas veredas do que é somente
pranto
onde poetas
egressos de outra vida
recitam versos enternecidos
para a imortal amada
inesquecida
onde músicos falecidos
acordam sons delicados
doces como alfenim
das cordas sensíveis
e pulsantes do bandolim.


Ó som de lamentações e de ais,
de lamúrias passionais,
de réquiem e miserere
que dilacera e fere
como não se ouvirá
nunca mais!


Outra enigmática peça de efeito de Elmar Carvalho é A Casa No Tempo:


A casa vive em mim
com os seus grandes medos
e grandes sobressaltos
com os seus porões
e os seus alçapões cheios de ratos
e gradeados por grandes teias de aranha.
A casa vive em mim
com seus insetos nojentos
e com suas aranhas
desenhando circunlóquios
através das circunferências das teias
repletas de arabescos e rococós.
A casa vive em mim.


Vive em mim
com seus gemidos
de fantasmas que
arrastam correntes
por entre ais doloridos.
Vivem em mim
com suas lamentações de suicidas
que gemem e gemem.
Vivem em mim
coms os ruídos de passos misteriosos
com suas portas e
janelas que se abrem
e fecham por mãos invisíveis.
Vive em mim
com os ruídos cadenciados
de botas que passam
passam no limiar
do grande mistério
entre o ser e o
não ser.
A casa é um navio fantasma.


Elmar Carvalho é membro da Academia Piauiense de Letras. Importante intelectual piauiense da geração 70, ao lado do também exímio poeta Alcenor Candeira Filho.

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