sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Última entrevista de Torquato Neto

A última entrevista que Torquato Neto concedeu a um jornalista foi para este escriba (foto acima), publicada no Jornal Dia, no suplemente Domincultura, que eu editava em Teresina. A entrevista foi publicada no dia 18 de junho de 1972. No dia 10 de novembro o poeta suicidou-se, no Rio de Janeiro. Recordo que, depois da entrevista, Torquato me convidou para almoçar – era o almoço de despedida na casa dos pais – e perguntei se podia levar um amigo, diante o sim, convidei o poeta Salgado Maranhão. Dona Salomé, mãe do poeta – seu Heli é o pai – nos serviu uma peixada naquele domingo, a pedido de Torquato. Lá pelas tantas o telefone toca e Torquato pede licença pára levantar-se da mesa: era o filho Thiago, então com dois aninhos, ao telefone. Torquato retornou ao Rio de Janeiro na segunda-feira. Depois da morte do filho, seu Heli me chamou à sua casa e entregou-me uma cópia (para leitura) dos originais de O Fato e a Coisa. E dona Salomé, quando me viu, chorou feito criança. Esta cena se repetia sempre que nos cruzávamos pelas ruas de Teresina. (* Menezes y Morais é jornalista, escritor, historiador e editor da Nós – Fora dos Eixos).


TORQUATO NETO, VERBO DESENCANTADO

Menezes y Morais - Em que ano você arribou do Piauí? Torquato Neto - Em fins de 1959, quando terminei o Ginásio, e no início de 60 eu fui estudar o Científico na Bahia.

MM - Como você se ligou com a turma Tropicália? TN - Essa história é muito manjada. Eu fui estudar na Bahia e lá encontrei, conheci um bocado de gente no Colégio e tal; dentre estes tinha um que era amigo de outro e tal e tal, e nessa cirandinha eu cheguei a conhecer Caetano; depois eu conheci Gil; depois eu fui embora pro Rio de Janeiro em 1962, eles ficaram lá; quando foi em 65, tem aquela história conhecidíssima: Bethânia foi pra Bahia (sic) e ai começamos a fazer música, todo mundo. Isto é: a gente fazia música, brincava com música, mas o nosso papo mesmo era cinema; era o que a gente queria fazer mesmo.

MM - Qual a sua primeira música? TN - É uma música que tá gravada por Gal no Lp Domingo, de Cae e Gal: é uma seresta chamada Nenhuma Dor.

MM - É verdade que Maiakósvki exerceu influência sobre os meninos da Tropicália? TN - Maiakósvki exerceu influência sobre todo mundo que faz poesia, eu acho (Pausa, um sorriso. Balança a rede e prossegue). Em 68, a gente começou um trabalho, que depois passou a ser chamado tropicalismo. (Essa história de “Ismo” é muito chata, reduz a coisa a uma coisa momentânea, e a Tropicália é uma coisa de repercussão enorme, além do prazo).

MM - Você falou que o escopo da turma da Bahia era o cinema. E como foi isso? TN - A experiência era só de cineclubismo mesmo. A gente era viciado em cinema. Falava-se nisso de manhã, de tarde, de noite. Nessa época Glauber Rocha, era por volta de 60, começou na Bahia o movimento Cinema Novo e foi justamente nessa época em que ele filmava Barravento, o primeiro grande filme brasileiro da época. E nós fizemos então um filme que, na verdade, foi dirigido por Alvinho Guimarães, que terminou hoje em dia sendo editor do Verbo encantado - que já acabou no vigésimo número, há poucos dias. O filme chamava-se Moleques de rua, feito por todos nós, Alvinho, Caetano, Duda, eu e mais alguém que se perdeu no tempo.

MM - Torquato, na escola, gostava de Matemática? TN - Eu... (Sorrisos). Não. Eu estudava as coisas direitinho. Mas, o que eu gostava mesmo era de escrever.

MM - Você terminou o curso superior? TN - Fiz dois anos de Científico na Bahia e o terceiro no Rio. Ai, fiz vestibular pra Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil; fiz vestibular pro curso de Jornalismo e cursei até o segundo ano. Ai, achei que o negócio tava muito chato e larguei.

MM - Torquato gosta de banana, laranja, melancia, tangerina, caju... agora, conta pro leitor como é que foi aquela coluna Geleia Geral, sua, na Última Hora. TN - Era uma coluna diária onde eu abordava problemas gerais. O problema de vida que nós tivemos que enfrentar uma geração inteira. Eu tentei, durante nove meses, fazer uma coluna reflexa, um alto-falante, um retrospecto também... exatamente no momento em que o Pasquim tava falindo, como uma coisa realmente importante, quente. Depois que deixei de curtir a coluna, eu deixei de fazer.

MM - Como o público se comportou, em relação à mesma? TN - Muito bem. Minha coluna era lida exatamente pelas pessoas que eu gostaria que lessem. Pela juventude do Rio de Janeiro. Cabeludos em geral...


MM - Qual o poeta ou os poetas que influenciaram realmente na sua poesia? TN - Quando eu sai de Teresina, os poetas que eu conhecia eram aqueles dos textos de escola: Castro Alves, Gonçalves Dias etc. A poesia moderna eu não conhecia nada. Naquela época, no Piauí, não tínhamos acesso a isso. Na Bahia, eu tive um contato imediato com essas coisas, como Carlos Drummond de Andrade. Drummond foi o cara que mais me interessou, logo de cara, me impressionou, sei lá. Aí, fui lendo João Cabral de Melo Neto, a secura do Engenheiro, da Faca, coisa seca, agreste, de Cabral. Depois, li outros poetas etc. Mas, hoje em dia, o negócio importante para mim é a poesia concreta, lá de São Paulo, e o resultado do trabalho que a gente tem tentado desenvolver. E o que eu queria dizer aqui é que a Tropicália, no sentido da música, foi uma radicalização tão grande quanto a poesia concreta também foi no sentido da poesia. Quer dizer, a gente mexeu exatamente com a forma da música brasileira. E eu acredito sinceramente que isso é a coisa mais importante em qualquer processo cultural. Ou você mexe com a forma, ou então não mexe com nada.

MM- Onde e com quem nasceu a poesia concreta? TN - Nasceu em São Paulo, exatamente com a trinca Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari. O nome “poesia concreta” apareceu pela primeira vez no contexto internacional, no importantíssimo suplemento literário do Times de Londres, aí por 61, 62, não sei direito, não me lembro.

MM - Conta pro leitor como é a coleção Na Corda Bamba. TN - É uma coleção editada por José Álvaro Editor. Dirigida por José Carlos Capinan e pelo poeta Waly Salomão. É uma literatura experimental. José Álvaro se interessou com o trabalho desta turma que está trabalhando nisto: novas experiências com a poesia, com o texto, com a linguagem e não com a língua brasileira (sorri). Então, A Corda Bamba já vai sair o primeiro livro: de WS... Me segura que eu vou dar um troço. Em seguida, o livro de Jorge Mautner Fragmentos de Sabonete, depois tem o livro de Bivar e depois é o livro que eu estou preparando agora, que, aliás, eu nem sei se vou terminá-lo todo, porque eu tou mais interessado é em cinema. Ele chama-se Pesinho pra Dentro, Pesinho pra Fora. Bom, Corda Bamba é isso, amizade. É uma oportunidade que um editor tá dando pra que jovens poetas consigam mostrar, lançar as suas produções experimentais. Eu sempre escrevi muito, principalmente poesia. Mas nunca pensei em publicar livros. Eu preferi utilizar a poesia na música. Se agora eu estou tentando preparar esse livro é a pedido de amigos. Já fizemos três filmes, um dos quais foi exibido recentemente no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, ainda não foi possível uma exibição deste no Brasil e tá sendo exibido agora no circuito universitário dos E. U. A.. E aqui, em Teresina, eu cheguei com essa ideia: fazer um filme aqui. Aí me encontrei com o Edmar, Galvão, Noronha, essa turma aí, e eles tavam tentando fazer um filme também e então eu me enturmei com eles e tamos aí, já fizemos Adão e Eva na Sociedade de Consumo, feito por eles, no qual eu trabalho como ator. Logo depois eu pretendo começar um longa-metragem meu, feito com eles e outras pessoas que eu ainda vou convidar. É um filme intitulado Idade, Cidade Verde.

MM - O que você vai fazer quando terminar tudo isso? TN - Ir pro Rio de Janeiro (pausa). Eu moro lá, né? (ilustra a frase com um sorriso de azul e branco. Isto é: um sorriso branco dentro do azul da tarde...). Quando este filme for exibido eu pretendo fazer outros, eu não quero mais parar de fazer cinema.

* (Entrevista publicada no jornal O Dia, Domincultura, 18 de junho de 1972).

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