domingo, 1 de janeiro de 2012

Evocação da Cidade Amada

Cunha e Silva Filho, no lançamento do livro, na APL.


Tenho admiração pelas pessoas que amam sua cidade e a ela se apegam cada vez mais. Na minha índole andarilha, de nômade contido pelas circunstâncias, nunca me apeguei a qualquer das cidades onde residi e várias delas não passaram de acampamentos à beira do caminho. Daí talvez a minha intensa admiração pelo livro “As Ideias no Tempo”, de Cunha e Silva Filho (Edição da Academia Piauiense de Letras – Teresina – 2010), que me foi oferecido pelo próprio autor. Embora o livro seja muito mais amplo, foi a primeira parte, evocando a cidade amada da infância, que mais me tocou. É todo um capítulo do melhor memorialismo, repleto de sentimento e de saudade. Teresina, a capital piauiense, é a grande personagem.

Depois de longa ausência, o escritor retorna à cidade e se põe a palmilhar suas praças e ruas, como quem busca o tempo perdido. E nisso me faz lembrar Hemingway e o receio que tinha de voltar aos lugares míticos da infância e constatar que só existiam no sonho e haviam desaparecido no passar do tempo. Procura, então, fixar em palavras as suas impressões e, como é natural, mergulha no passado distante revolvendo as lembranças retidas nos escaninhos da memória. Evoca os lugares que lhe eram caros, os amigos anônimos da infância, as manhãs e as noites de Natal, a visita aos presépios armados nas casas vizinhas, os uniformes escolares que tanto significavam, a ausência dolorosa do pai e do irmão. E nessas andanças, às vezes reais e outras tantas imaginárias, vai pensando sobre a cidade amada e os efeitos inexoráveis do tempo. “Tudo mudou, como mudou a minha fisionomia – escreve ele. – O tempo ali passado só a mim pertence. Só a memória persiste no mais íntimo de meu ser. A cidade, no geral, tenta escapar dos meus dedos. Fiquei estranho no meu próprio ninho” (p. 52). E mais adiante, frente ao irremediável, conclui: “Cada geração tem a sua Teresina. Eu tive a minha e ela está profundamente guardada, como um tesouro encantado, na minha memória de adulto” (idem). Vencido pelo cansaço, o caminhante fica parado e se põe a observar. “”Ninguém lhe presta atenção. Todos os homens presentes lhe passam indiferentes. Como, então, recuperar o tempo, as pessoas, as coisas, os sons, o cheiro, o perfume, enfim, aquilo que somente existe no espólio da memória?” (p. 54). Diferente, modernizada, crescida, no entanto, a cidade amada lá continua. E a ela o autor dedica todo um capítulo que constitui verdadeiro poema em sua homenagem.

Mas o livro não se esgota aí. É obra de cultura, erudição, pensamento. Contém ensaios, resenhas, artigos e crônicas sobre os mais variados temas. Entre os ensaios, três em especial merecem destaque, o primeiro sobre Graça Aranha, autor que anda esquecido, e outro sobre a poética de Clóvis Moura, em geral abordado como antropólogo, esquecendo-se sua poesia, e o último sobre Drummond. Análises críticas abordam outros autores, como Assis Brasil, O. G. Rego de Carvalho, A. Tito Filho, Francisco Miguel de Moura, João Pinheiro, Carlos Alberto Gramoza, M. Paulo Nunes, Elmar Carvalho, José Ribamar Garcia e o próprio pai, Cunha e Silva. A figura paterna é evocada com ternura em várias crônicas pungentes, comentando inclusive seus escritos de jornalista com longa militância. Considerações sobre teoria literária, autores, livros, periódicos culturais e mil outros assuntos recheiam a última parte a que denominou miscelânea.

Trata-se, enfim, de um livro que discute, ensina e faz pensar. Sua leitura alarga nossos horizontes sobre a vida literária no país e, em especial, sobre os que escrevem no Piauí.

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