domingo, 29 de janeiro de 2012

Carta aberta à Bid Lima, da Fundac

Joca Oeiras na escrivatura da carta à Bid Lima.

Trata-se de uma ideia que tive anos atrás já discuitida na época, sem maiores detalhes, com a Sonia Terra, mas ainda não viabilizada. Creio que seria uma bela ideia se um pull de entidades capitaneadas pela Fundac promovesse um concurso de desenho em nível nacional para que fosse escolhido um rosto que seria atribuído à escrava "Esperança Garcia" que, em 06 de setembro de 1770 escreveu uma já célebre carta reclamando dos maltratos que sofria nas mãos do administrador da Fazenda dos Algodões, então pertencente a Oeiras. Na época, escrevi, no Portal do Sertão o artigo abaixo transcrito. Gostarei de conversar com você e com outras entidades interessadas na promoção dos direitos humanos para que pudéssemos viabilizar um certame com este propósito, divulgando, assim, a história da escrava, símbolo maior da luta pela dignidade da pessoa humana em nossa terra. aguardo resposta!

Um rosto para Esperança Garcia

Fui procurado por jovens alunas do Colégio Cemopi que queriam saber a respeito de algum retrato que porventura houvesse da escrava Esperança Garcia, que escreveu a famosa carta datada de 06 de setembro de 1770 e dirigida ao Governador da Capitania do Piauí. A Carta, que sobreviveu a ela, a seu sofrimento, a seus filhos e a seus algozes, assume particular importância porque é um documento único e decisivo: o seu passaporte para a História. Mas um passaporte sem retrato. Disse às jovens que não havia qualquer foto – inclusive porque a fotografia ainda não havia sido descoberta – ou ilustração que revelasse o seu verdadeiro rosto, visto que apenas os nobres tinham, naquela época, o privilégio de serem retratados por artistas.

Conversando, posteriormente, com o Dr Bill (Carlos Rubem) e em uma troca de e-mails com o professor Luiz Mott (que foi quem encontrou o importante documento) concordamos, os três, que seria importante obter, através de um Concurso Público, uma imagem que pudesse ser atribuída à Escrava que se dava foros de cidadania. Porque, além da referência iconográfica, um concurso dessa natureza acaba difundindo, ainda mais, esse episódio, por todos os títulos, dignificante para a humanidade como um todo.

É importante lembrar que, por força da Lei nº 5.046, de 07 de janeiro de 1999, ficou instituído o 06 de Setembro como sendo o “Dia Estadual da Consciência Negra”.

O Professor Luiz Mott, em memorável entrevista concedida ao “Portal do Sertão”, revela:

“Esperança Garcia foi uma escrava moradora numa das dezenas de fazendas que com a expulsão dos Jesuítas, passaram para a administração governamental, e que em 1770 escreveu uma carta ao Governador do Piauí denunciando os maus-tratos de que era vítima por parte do feitor da fazenda. Salvo erro, é a segunda carta mais antiga até agora conhecida no Brasil manuscrita e assinada por uma escrava negra, e que revela não só os sofrimentos a que estavam condenados os cativos, como o fato de já nos meados do Século XVIII haver mulheres negras alfabetizadas e suficientemente “politizadas” para reivindicar seus direitos e denunciar às autoridades os desmandos de prepostos mais violentos. Além da felicidade de ter descoberto documento tão importante e raro, minha alegria foi maior ainda quando, anos depois, esta negra, até então desconhecida, passou a simbolizar o ideal de liberdade dos negros do Piauí: foi dado o nome de Esperança Garcia a um hospital em Nazaré do Piauí, em Teresina há o Coletivo de Mulheres Negras “Esperança Garcia” e o dia em que ela datou sua carta, 6 de setembro, passou, por lei, a ser comemorado o Dia Estadual da Consciência Negra. Para um historiador é a gloria ter um seu “personagem” ressuscitado e elevado a tantas homenagens dois séculos depois de sua morte”.

A CARTA

"Eu sou hua escrava de V. Sa. administração de Capam. Antº Vieira de Couto, cazada. Desde que o Capam. lá foi adeministrar, q. me tirou da fazenda dos algodois, aonde vevia com meu marido, para ser cozinheira de sua caza, onde nella passo mto mal.
A primeira hé q. ha grandes trovoadas de pancadas em hum filho nem sendo uhã criança q. lhe fez estrair sangue pella boca, em mim não poço esplicar q. sou hu colcham de pancadas, tanto q. cahy huã vez do sobrado abaccho peiada, por mezericordia de Ds. esCapei.
A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confeçar a tres annos. E huã criança minha e duas mais por batizar.
Pello q. Peço a V.S. pello amor de Ds. e do seu Valimto. ponha aos olhos em mim ordinando digo mandar a Procurador que mande p. a faz da. aonde elle me tirou pa eu viver com meu marido e batizar minha filha q.
De V. Sa. sua escrava Esperança Garcia”

Nenhum comentário: