terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Tropicalista Lenta Luta - Tom Zé


Recomendo a leitura de Tropicalista Lenta Luta,  Publifolha, 2003, de Tom Zé. O livro se divide em quatro partes. A primeira é o texto autobiográfico que dá título ao conjunto - memórias de Irará, na Bahia, histórias da música, trajetória do artista. Na segunda, foram reunidos 25 textos escritos em ocasiões diversas - para jornais, revistas, sites - e uma carta. Os assuntos vão da música à política, dos livros às cidades, da ecologia às lembranças pessoais. Depois disso vêm todas as letras, incluindo o disco novo Imprensa Cantada 2003. A quarta parte é a transcrição de uma longa entrevista, concedida ao músico Luiz Tatit e ao editor da Publifolha, Arthur Nestrovski, em que esses e outros assuntos se combinam. Tropicalista Lenta Luta traz ainda a discografia completa de Tom Zé e uma biografia musical. PS.: na página 115, encontra-se o texto Torquato, Torquato, publicado originalmente em junho de 1987 no Estadão. Nele, Tom Zé conta como recebeu a notícia de sua morte e sua compreensão daquele drama.

DOMINGOU (1967)

são três horas da tarde
é domingo
da janela a cidade se ilumina
como nunca jamais se iluminou
são três horas da tarde
é domingo
na cidade, no Cristo Redentor ê ê
é domingo no trole do parque
é domingo na moça e na praça
é domingo ê ê
domingou meu amor

hoje é dia de feira
é domingo
quanto custa hoje em dia o feijão
são três horas da tarde
é domingo
em ipanema e no meu coração ê ê
é domingo no Vietnam
na Austrália e em Itapuã
é domingo ê ê
domingou meu amor
quem tiver coração mais aflito
quem quiser encontrar seu amor
dê uma volta na praça do Lido
ê esquindô, ê esquindô, ô esquindô-lê-lê
quem quiser procurar residência
quem está noivo, já pensa em casar
já pode olhar o jornal, paciência*
tra-lá-lá tra-lá-lá ê ê
o jornal de manhã chega cedo
mas não traz o que eu quero saber
as notícias que leio conheço
já sabia antes mesmo de ler ê ê
qual o time que você quer ver**
que saudade, preciso esquecer
é domingo ê ê
domingou meu amor
tanta gente que vai e que vem
são três horas da tarde
é domingo
vamos dar um passeio também ê ê
o bondinho viaja tão lento
olha o tempo passando
olha o tempo
é domingo outra vez
domingou meu amor (três vezes)

Musicada por Gilberto Gil. © Musiclave Editora Musical Ltda.

* Gil canta: pode olhar o jornal, paciênciA.

** Gil canta: qual o filme que você quer ver.


Torquato Neto: Tom, estou pedindo pra roubar uma palavra sua...

Tom Zé: Que brincadeira é essa, Torquato?

TN: É, tô pensando em usar “domingá” ou “domingou” numa canção que estou fazendo.

TZ: Torquato, não me diga isso... Se eu fosse reclamar de coisas minhas, até mais consideráveis... Olha, estou cansado de ver minhas idéias gozando com o palco dos outros.

TN: É por isso que estou ligando. Mas vamos ao caso: você escreveu essas palavras na Moreninha, não é?

TZ: Peraí, estou repassando a letra da Moreninha na cabeça... não acho as palavras! “Tempo tempou, Dia diou, Verão desinvernou...” Não, não tem “domingá” nem “domingou”

TN: De onde é então? Já vi você cantando isso...!

TZ: Domingá, domingou... Já sei, é de outra música, Dique do Tororó: “Ê ê, Tororó, ê, domingou / O dique está nascendo, ê, no domingá.”

TN: E como fica o caso, você me dá permissão?

TZ: Domingue tudo que você quiser,Torquato. Muito obrigado.

In: Tropicalista Lenta Luta, editado por Arthur Nestrovski.

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