quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O populismo no poder

Chagas Rodrigues by Radamés Araújo da Silva
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Wall Ferraz

A tentativa de imposição de mais um nome da família Freitas para substituir o governo Gayoso e Almendra faz com que a oposição se arregimente e vá tecendo, vagarosamente, uma forma de união entre os udenistas, à frente José Cândido Ferraz, com os petebistas de Matias Olímpio que apoiam o governo. Esta aglutinação das forças oposicionistas resultaria num acordo para livrar o Piauí do domínio da família que já governava há oito anos e pretendia fazê-lo por mais quatro.
A figura central do movimento era o advogado Demerval Lobão Véras, que várias funções exercera no Estado: inspetor de ensino, diretor do departamento da Fazenda, deputado federal, presidente da Ordem dos Advogados, em plena ditadura, dentre outras.
Demerval era uma figura conhecidíssima pela retidão do caráter, pela dureza, por sua forma de coordenar os assuntos políticos. Fazia aquilo que chamamos de “política com os pés nos chão”.
Assim, impôs-se como único líder do grupo oposicionista capaz de enfrentar o domínio oligárquico viabilizando o acordo entre as forças da UDN e PTB, que, antagônicos no contexto nacional, se uniram nos Estados mais atrasados, onde o problema de posições ideológicas ou convicções políticas é esquecido na hora da disputa pelos cargos. Isso ocorre entre nós desde 1930 até hoje. A ambição do poder fica acima dos ideais políticos, dos programas partidários.
Gayoso e Almendra era um homem criativo, de grandes iniciativas no setor privado. Latifundiário, possuía grandes plantações de laranjas e criação de gado, além de uma cerâmica. Enquanto viveu, o general revelou-se um lutador e mostrou boas iniciativas nos assuntos particulares. Mas, no governo, atuou como um homem totalmente manietado pela conjuntura, que anulou o seu espírito criativo, embora conservador. Ele era, no fundo, um tradicionalista que tinha vasta leitura e boa formação intelectual.
A campanha para a sucessão do general Gayoso esta no auge quando aconteceu um acidente que iria mudar toda a história. O candidato a governador pelo PTB Demerval Lobão, junto com o candidato a senador, engenheiro Marcos Parente (recém-chegado na política como deputado federal e que aqui montara o jornal Folha da Manhã, com bom feitio gráfico e grande circulação), realizava uma viagem para a região Sul do Estado, quando, nas proximidades do povoado de Morrinhos, o carro em que andava se chocou com uma caçamba da construtora que fazia a estrada. No acidente, morreram Demerval Lobão e Marcos Parente, jornalista Ribamar Pacheco, o motorista José Raimundo, o médico e secretário particular do candidato, Rubem Perlingeiro.
A tragédia caiu como uma bomba nos meios políticos piauienses, porque desfalcava a oposição de seus principais trunfos contra a oligarquia. Mais uma vez aparece José Cândido Ferraz, que ratifica o acordo com Matias Olímpio e, com o apoio até de Leônidas Mello, conseguem as forças oposicionistas manter a coligação e recrutam dois candidatos para substituírem os sinistrados no acidente de Morrinhos.
Para disputar o governo escolhem um deputado federal de Parnaíba, pertencente à família de comerciantes locais, Francisco das Chagas Caldas Rodrigues que, ainda muito novo, é chamado para o exercício governamental. Assim, pela primeira vez na história republicana do Estado, o governo seria dirigido por um parnaibano. O vice-governador era político de Floriano. Entretanto, para concorrer à vaga do Senado, foi convocado um comerciante que residia no Rio de Janeiro, Joaquim Parente, que tinha como único mérito para entrar na disputa o fato de ser irmão de Marcos Parente. Afinal, era preciso aproveitar a comoção geral dos piauienses, com a tragédia recente dos candidatos. É nesta circunstância que Joaquim Parente, apesar de sua bondade e simplicidade, é trazido para o Piauí, como se traz um boi para o matadouro. Enfrenta algumas intrigas de bastidores, mas acaba vencendo-as, da mesma forma como a coligação PTB/UDN derrota o candidato do PSD, de forma brilhante.
José Gayoso Freitas, o candidato do PSD, era filho do ex-governador Pedro Freitas e sobrinho do então governador Gayoso e Almendra.
Esta vitória desfaz o sistema oligárquico e novos rumos se apresentam ao Piauí com a era de Chagas Rodrigues.
Francisco das Chagas Caldas Rodrigues era fruto da política populista de Getúlio Vargas. Preocupado com as ideias trabalhistas e ainda vivendo o clima emocional da morte daquele que governara o país por 15 anos, Chagas chega ao governo com a mentalidade de um burguês progressista, pregando a mudança das estruturas existentes e a luta contra o imperialismo norte-americano.
Bastante instruído na arte da manipulação das massas, faz com que elas se aproximem do poder, para dar sustentação política aos seus ideais trabalhistas.
Como era um deputado de Parnaíba e foi chamado às pressas para disputar o governo, após eleito Chagas vem para Teresina sem muito conhecimento sobre as lideranças políticas locais. Mesmo assim, procura recrutar entre udenistas e petebistas aqueles que formariam a sua equipe governamental e que, com ele, inaugurariam no Piauí um novo estilo de administração. Não resta dúvida que sua ação governamental foi marcante, pois chegou como um pequeno terremoto que abalou as estruturas arcaicas existentes no Estado.
A esperteza e o estilo populista do jovem governante foram demonstrados logo no início, ao procurar manter um diálogo com o povo através da Rádio Clube de Teresina, por ele recém-criada, num programa que ia ao ar semanalmente. Com longos discursos e respostas a cartas que lhe eram enviadas pelos ouvintes, Chagas vai acatando as sugestões administrativas e prendendo a atenção do povo. Era uma nova maneira de governar, que embasbacava os adversários e até correligionários, que nunca tinham visto algo parecido. Mas, contraditoriamente, logo se viu isolado no Karnak, em razão do pouco contato que tinha com a burguesia dominante local.
Havia alguns sindicatos, ainda na época de Vargas e Chagas procurou estimulá-los, renová-los. Criou uma sede para abriga-los – a Casa dos Sindicatos, que ainda hoje existe na Rua Desembargador Freitas – e tentou forjar uma mentalidade diferente nos trabalhadores, especialmente nos da capital e de Parnaíba. Mas cometeu um erro ao supor que aquilo que vinha sendo praticado com êxito em Estados do Sul – Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, onde os trabalhistas tinham muita força através dos sindicatos – poderia ser feito no Piauí. Aqui a conversa era outra porque a classe trabalhadora era alienada politicamente e não entendia o seu papel na sociedade e muito menos no governo, sendo, portanto, incapaz de aproveitar a oportunidade que Chagas procurava lhes dar. Simplesmente achava aquilo bonito: via no governador alguém que falava pelos trabalhadores. Também é verdade que nas poucas categorias de trabalhadores piauienses não havia uma liderança capaz de influenciar as demais, despertando-lhes alguma consciência política.
A administração de Chagas Rodrigues procurou implementar uma ação social, notadamente em Teresina e Parnaíba, através do Serse – Serviço Social do Estado, que atendia a pobres, leprosos e velhos. Fez desaparecer os mendigos das ruas, colocando-os em asilos ou fornecendo-lhes alimentos; estimulou o artesanato e não perdeu a oportunidade de praticar o seu populismo, dando assistência pessoal aos flagelados das enchentes da capital, com abrigos e alimentação. Ele não se furtava de caminhar em meio ao lamaçal e chegar às casas dos mais humildes. Esse estilo de governo empolgava enormemente as massas, que lhe faziam as maiores reverências, julgando-o como “o pai dos pobres”, um salvador de suas misérias. Foi assim que se instalou o populismo no Piauí, com o rótulo de trabalhismo.
Analisando com mais profundidade a ação governamental de Chagas Rodrigues vamos encontrar, entretanto, uma preocupação com a formação de uma jovem equipe de profissionais que tinha como objetivo principal o desenvolvimento do Estado. Para isto, criou a Comissão de Desenvolvimento Econômico (Codese), que mais tarde se transformaria na Secretaria de Planejamento. Foi através da Codese que o Piauí começou a ser reformulado e estudado. Criou-se um projeto de desenvolvimento para o Estado. Seus problemas foram analisados mais profundamente e realizadas pesquisas históricas. Dirigindo a Codese encontrava-se o professor Raimundo Santana e outros egressos da CEPAL. Homens com mentalidade desenvolvimentista que procuraram introduzir no Piauí o tecnicismo que não existia, a fim de que o Estado pudesse crescer e expandir-se economicamente.
Com isto vem a reformulação administrativa e ainda hoje são mantidos na máquina órgãos criados na administração Chagas Rodrigues, como a Agespisa e a Cepisa, que foram desmembradas do Instituto de Águas e Energia Elétrica. Foi implantada também a Agrinpisa, para cuidar do desenvolvimento agrícola, aproveitando a ideia do governador anterior. Outra ação digna de elogio foi a aquisição do Banco Comercial e Agrícola do Piauí, uma entidade de crédito particular que se transformaria mais tarde no nosso Banco do Estado do Piauí – BEP.
Chagas ainda deve ser considerado como o governador do ensino secundário. Construiu a Escola Normal de Parnaíba e instalou a de Picos. Ginásios em União, Floriano e São Raimundo Nonato, disseminando o ensino em pontos estratégicos do Estado. Construiu ainda algumas estradas, visando ao novo Piauí que queria implantar.
Mostrava-se, o governante, um homem afável, atencioso, educado no velho estilo parnaibano, sem pronunciar qualquer palavra que pudesse ser interpretada como grosseria. Aberto ao diálogo, ouvia demoradamente a todos, sem discriminação de classes ou posições. Tinha uma conduta retilínea. Em verdade, também trazia consigo uma ingenuidade para com as raposas da política piauiense. Achava que o convencimento através da sua retórica poderia mudar o rumo político do Estado.
Mas, não sabia Chagas que sua política se chocava com o conservadorismo existente nas hostes udenistas, que repelia ações inovadoras. Seu desconhecimento das lideranças da capital provoca choques e sua imagem se desgasta junto aos chefes políticos da cidade e do interior. Tudo isso faz com que ele seja obrigado a candidatar-se ao Senado e à Câmara Federal – na época eram permitidas candidaturas simultâneas -, pois temia não obter êxito como senador, como de fato ocorreu; mas foi eleito para a Câmara Federal. Entretanto o seu candidato ao governo foi derrotado por uma aliança inversa à que o elegeu a UDN coliga-se com o PSD e a oligarquia retorna ao poder sob a égide de um novo nome que iria marcar profundamente a história do Piauí, Petrônio Portella.

Wall Ferraz
45 anos depois: tudo que vi, li e ouvi
Plug Gravação, Sonorização e Publicidade Ltda.
Teresina, 1992, páginas 80 a 87.

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