sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Jesus Pobre, São Francisco miserável

São Francisco de Assis.

José Maria Vasconcelos 

Neste início do novenário de São Francisco de Assis, acordo-me, ainda na aurora sob foguetório por todos os cantos da cidade. Levas de caminhões paus-de-arara, lotados de romeiros, chegam do interior do Maranhão e Piauí, partem, com os de Teresina, rumo a Canindé. Gente simples, pária, mal alojada, vestida de tosco manto franciscano, barrigas embrulhadas, tecendo a arte de viver da fé. Deus aceita, sem cobrar, o custo da ignorância religiosa. Culpa de quem explora a ingenuidade coletiva, calvário anual. 

Francisco de Assis, há séculos, fascina milhões de cristãos, em geral pobres e miseráveis, pela santidade de vida, de tentar imitar Jesus Cristo ao extremo da tolerância, inclusive de se martirizar com cinco chagas, semelhantes às de Cristo. 

Pense num filho de próspero empresário despojando-se de toda riqueza e herança, para morar numa pocilga, em radical pobreza. Filho único, rodeado da patota incrementada, metidos em serenatas e boemia, galopando luxuosos ginetes medievais. Assim, Francisco de Assis, filho do magnata Pedro Bernadone, avaro e obstinado por dinheiro, e da piedosa D. Picca. 

Lendo o evangelho, Francisco associou o sermão da pobreza de Cristo ao capitalismo exarcebado do pai Bernardone, da farra de poder e desvario do Vaticano. O jovem liderou grupo de companheiros da elite a abandonar a vida prazerosa, radicalmente, “sem lenço, sem documento”, para viver a pobreza evangélica. Pedro Bernardone desesperou-se, perseguiu o filho. Em vão. 

Francisco e os companheiros, incluindo mulheres lideradas pela bela Clara, vestiram-se de túnicas camponesas, cingiram-se de corda e sandálias. Escolheram uma pocilga abandonada (Porciúncula), primeiro convento da ordem franciscana. 

No princípio, o Papa Inocêncio III desaprovou a fundação da Ordem, devido ao extremado voto de pobreza exigido pela constituição franciscana, que proibia frades tocarem em dinheiro, “excremento”, para Francisco. A subsistência da comunidade tinha de depender, exclusivamente, de doações em alimentos e produtos básicos. Por um aviso de Deus em sonho, o papa se rendeu. Mais tarde, a Ordem se dividiu em Franciscanos, Conventuais e Capuchinhos, por descompassos na interpretação da pobreza franciscana. Oito anos de seminário capuchinho renderam-me o prazer da vida simples. Portanto, nada de deboche a Francisco. 

O poverello (pobrezinho) de Assis reproduz a espiritualidade ortodoxa de monges medievais, ultrapassando o exemplo da pobreza de Cristo. 

Jesus nasceu numa gruta, porque José não encontrara vaga em hotel. Jesus e os apóstolos recebiam doações em dinheiro. Segundo o evangelista João, Judas Iscariotes gerenciava a bolsa (que judiação!). Jesus frequentava banquetes, aceitou precioso e caro bálsamo com o qual a irmã de Lázaro lhe ungiu os pés. Ele bebia puro vinho. O Mestre celebrou a ceia em residência de dois pavimentos e sala ornamentada. Não se vestia toscamente: na crucificação, soldados disputaram sua túnica, “sem costura”- segundo João. 

Francisco de Assis assumiu o último limite da convivência com o material, a miséria. Só bebia vinho misturado a água. Alterava o sabor da alimentação para domar o apetite. Sofreu, já no final de curta vida, o descuido de frades no exercício da pobreza. 

Jesus não exige tanto de seus adeptos. Explica-se o fascínio de Francisco andando de pau-de-arara.

Nenhum comentário: