quarta-feira, 6 de julho de 2011

Torquato Neto: A propósito de uma introdução

Kenard Kruel, devorando TN.
.
Ao refazermos a trilha labiríntica de Torquato Neto em seu caminho, guiamo-nos por um fio condutor que perfaz o conjunto da obra do poeta & artista performático - o estilhaçamento e deslocamento de um “eu –sujeito” fragmentado, seja na poesia & estética artística, seja em sua vida íntima, social e política - o “anjo torto de Paupéria”.

Literato cantabile

Agora não se fala mais
toda palavra guarda uma cilada
e qualquer gesto é o fim
do seu início;
agora não se fala nada
e tudo é transparente em cada forma
qualquer palavra é um gesto
e em sua orla
os pássaros de sempre cantam assim:
do precipício:
a guerra acabou
quem perdeu agradeça
a quem ganhou.
não se fala. não é permitido
mudar de idéia. é proibido.
não se permite nunca mais olhares
tensões de cismas crises e outros tempos
está vetado qualquer movimento
do corpo ou onde que alhures.
toda palavra envolve o precipício
e os literatos foram todos para o hospício.
e não se sabe nunca mais do fim. agora o nunca.
agora não se fala nada, sim. fim, a guerra
acabou
e quem perdeu agradeça a quem ganhou.
Agora não se fala nada
e tudo é transparente em cada forma
qualquer palavra é um gesto
e em sua orla
os pássaros de sempre cantam
nos hospícios.
Você não tem que me dizer
O número do mundo deste mundo
Não tem que me mostrar
A outra face
Face ao fim de tudo
Só tem que me dizer
O nome da república ao fundo
O sim do fim
Do fim de tudo
E o tem do tempo vindo;
Não tem que me mostrar
A outra mesma face ao outro mundo
(não se fala. não é permitido:
mudar de idéia. É proibido
não se permite nunca mais olhares
tensões de cismas crises e outros tempos
está vetado qualquer movimento.

(NETO, Torquato. Os últimos dias de paupéria. In. Marcha à revisão. 1ª ed.: perspectiva, São Paulo. Pág. 35. 1973).

Interposto às diversidades de temas, estilos e vozes que compõe a sua obra, compartilhada à vida fragmentada pela angústia e o drama existencial vivido em “Paupéria” - Torquato Neto alinha-se à linhagem dos românticos malditos. A singularidade de seus versos representa uma dramática tensão entre o eu lírico e a cultura daquela época - anos 60 e 70. Nos múltiplos tipos de atividades que participa sempre desponta como um ser mutante, envolve-se com as coisas e por elas também é envolvido.

Era no “espaço-poliédrico” & cavernoso do hospício, a cela escura daquele mundo - a loucura – a habitação daqueles que repudiavam a instituição total da linguagem contaminada pelos dos “falsos poetas e artistas”, filhos do sistema. Assim, “os lite-ratos marginais e subversivos” foram caçados e internados nas prisões e hospícios: “Os literatos foram todos para o hospício”, (NETO, Torquato. Os últimos dias de Paupéria. Org. Wally Sailormoon e Ana Maria S. de Araújo Duarte - Rio de Janeiro: Max Limonad. Pág. 97, 1973.).

“... Parto silenciosamente. Tenho saudade, como os cariocas, do dia em que sentia e achava que era dia de cego. De modo que fico sossegado por aqui mesmo, enquanto durar. Pra mim, chega!...”. (PIRES, Paulo Roberto. TORQUATÁLIA: obra reunida de Torquato Neto, Rio de Janeiro: Rocco. Pág. 404, 2004).

10 de novembro de 1972 - O Brasil perdia um de seus maiores e mais geniais poetas. Torquato Neto viveu com a mesma intensidade dos seus versos e escritos, rompeu as fronteiras entre arte e realidade, entre sujeito e objeto, sua obra é o reflexo da crise de um sujeito – não a simplória degradação, e sim a sua descentração em meio à fragmentação da identidade cultural da sociedade no capitalismo tardio”.

A dramática resistência estética em Paupéria

“Quando eu recito ou quando eu escrevo, uma palavra – um mundo poluído – explode comigo & logo os estilhaços desse corpo arrebentado, arrebentado, retalhado em lascas de corte & fogo & morte (como napalm), espalham imprevisíveis significados ao redor de mim: informação. Informação: há palavras que estão no dicionário & outras que eu posso inverter, inventar.

Todas elas juntas & à minha disposição, aparentemente limpas, estão imundas & transformaram-se, tanto tempo, num amontoado de ciladas. Uma palavra é mais que uma palavra, além de uma cilada. Elas estão no mundo como está o mundo & portanto as palavras explodem, bombardeadas. Agora não se fala nada, um som é um gesto, cuidado. Vida toda linguagem(... )No princípio era o verbo, existimos a partir da linguagem, saca? Linguagem em crise igual a cultura e / ou civilização em crise – e não reflexo da derrocada. O apocalipse, aqui, será apenas uma espécie de caos no interior tenebroso da semântica. Salve-se quem puder...”(NETO, Torquato. Os últimos dias de Paupéria. Org. Wally Sailormoon e Ana Maria S. de Araújo Duarte - Ed: Eldorado, Rio de Janeiro. Pág. 79. 1973.).

Alguns dados biográficos são imprescindíveis para que compreendamos certas peculiaridades de seu rumo:

“Ao nascer no dia 9 de novembro de 1944, em Teresina, Piauí, Torquato Pereira de Araújo Neto, filho do promotor público Heli Rocha Nunes e da professora primária Maria Salomé da Cunha Araújo, mostra desde cedo uma propensão à literatura. Escritor precoce e compulsivo, já aos 9 anos escreve a primeira poesia - o “menino-poeta” ensaiava assim o seu destino:

O meu nome é Torquato
O de meu pai é HELI
O de minha mamãe SALOMÉ
E o resto ainda vem por aí.

(KRUEL, K. Torquato Neto ou a carne seca é servida:
Um roteiro biográfico. Teresina: Mimeógrafos. Pág: 2.1992).

Ao passar nas provas do exame de admissão ao ginásio, com 11 anos, pede à mãe um presente - as obras completas de Shakespeare - isto assusta Dona Salomé, pois achava tais tipos de leitura muito ousados para crianças naquela idade.

Torquato contra argumentava: “... é só ler com atenção que a gente compreende...” (KRUEL, K. Torquato Neto ou a carne seca é servida: Um roteiro biográfico. Teresina: Mimeógrafos. Pág. 2.1992).

Torquato Neto, ao completar 15 anos, deixa Teresina. Vai para Salvador cursar o científico - desejava ser diplomata. Ao sair de um sítio provinciano, jovem - logo começa a sentir o “ar criativo” da cultura baiana. Amplia as amizades, pois foi estudar na mesma escola de Gilberto Gil, lá se aconchega dos irmãos Caetano Veloso e Maria Bethânia. Neste clima de euforia artística, Torquato descobre a obra dos poetas João Cabral de Melo Neto e Carlos Drummond de Andrade:

“Quando saí de Teresina, os poetas que eu conhecia eram aqueles dos textos da escola: Castro Alves, Gonçalves Dias etc. A poesia moderna eu não conhecia nada. Naquela época, no Piauí, nós não tínhamos acesso a isso. Na Bahia eu tive contato imediato com essas coisas, como Carlos Drummond de Andrade.

Drummond foi o cara que mais me interessou, logo de cara. Me impressionou, sei lá. Aí eu fui lendo João Cabral de Melo Neto, a secura do engenho, da Faca, coisa seca, agreste de Cabral. Depois li outros poetas etc...” (KRUEL, K. Torquato Neto ou a carne seca é servida: Um roteiro biográfico. Teresina: Mimeógrafos. Pág: 5. 1992).

Interposto às diversidades de temas, estilos e vozes que compõe a sua obra, compartilhada à vida fragmentada pela angústia e o drama existencial vivido em “Paupéria” - Torquato Neto alinha-se à linhagem dos românticos malditos. A singularidade de seus versos representa uma dramática tensão entre o eu lírico e a cultura daquela época - anos 60 e 70. Nos múltiplos tipos de atividades que participa sempre desponta como um ser mutante, envolve-se com as coisas e por elas também é envolvido.

No meado da década de 60 chega ao Rio de Janeiro para cursar jornalismo. Não se forma, mas exerce a profissão de jornalista em alguns periódicos cariocas. Faz alguns “Frilas” no suplemento Plug, do Correio da Manhã. Colabora no suplemento cultural O Sol, do Jornal dos Sports, para meses depois trabalhar em uma agência de notícias internacional, localizada no aeroporto do Galeão, junto com o jornalista & escritor Elio Gaspari. Logo a seguir, é convidado para fazer uma coluna sobre produção cultural no jornal Última Hora - a coluna Geléia Geral - no período 71/72, onde defende através de sua ótica rebelde as manifestações artísticas da vanguarda. Participa como mentor intelectual das edições & manifestos artísticos: Presença e Navilouca.

O poeta registra sabores e dissabores na performática vida que desenha para consigo, e com o mundo político-artístico-cultural de um país que o entusiasma, ao mesmo tempo em que o deprime. São os tempos de ferro – fogo & miséria endêmica vividos pelo Brasil, que o poeta descontrói & renomeia de “Paupéria” - a verve das angústias de “uma geração em seus últimos anos”. Neste contexto, deixa sua marca criativa na poesia, música, cinema, jornalismo e na produção cultural. Destaca-se como poeta da palavra escrita e cantada. Suas poesias-letras fazem-no “menestrel do tropicalismo”. Têm várias parcerias e uma “fama clandestina” - boicotado por suas atitudes limites – sobrevive até então, na medida do possível de biscates jornalísticos - sempre através do impossível - mote de sua criação e comportamento.

Suas palavras cantadas são: Louvação e Geléia Geral (com Gil), Mamãe Coragem, Marginalia II (com Caetano), Pra Dizer Adeus e Lua Nova (com Edu Lobo), Let´s Play That (com Jards Macalé).

Faz parte do álbum que dá início ao movimento tropicalista - com direito a participação na fotografia de capa do disco Tropicália ou Panis et Circensis, em que estão incluídas suas músicas Mamãe Coragem e Geléia Geral (com Caetano e Gil).

Ao analisarmos o espólio de sua obra é notório perceber como Torquato alterna uma ativa militância - ora um intelectual de idéias revolucionárias que ousava enfrentar a luta mais ferrenha contra o poder político e os artífices do autoritarismo na linguagem - ora com momentos de profundas crises existenciais - isto o fragiliza, aumenta sua insegurança. O recrudescimento do regime militar pós-68 (AI-5) acaba por determinar o fim do movimento tropicalista - com as prisões e o exílio de Caetano e Gil.

A situação de terror e repressão contra artistas, políticos, intelectuais, líderes sindicais e estudantis amplia-se assustadoramente, o que provoca seu auto-exílio na Europa e Estados Unidos na companhia do amigo, o artista plástico Hélio Oiticica, através de sua exposição itinerante de arte – Tropicália – nome do movimento cognato“... eu é que inventei. Depois o Caetano, que eu nem conhecia, fez a música e o nome ficou conhecido. De modo que eu inventei a Tropicália e eles inventaram o Tropicalismo - Hélio Oiticica”.(BRITO, Jonard Muniz de. Vanguarda de um tigre de papel ?Revista Vozes (separata). Rio de Janeiro, número 10 .Pág. 65. Dezembro de 1973.)

Algum tempo depois, sua mulher Ana Maria vai ao seu encontro. Moraram em Londres e Paris. Quando volta ao Brasil, no início dos anos 70, liga-se ao eixo experimentalista, que se estende da poesia marginal ao cinema “udigrudi” de Julio Bressane, Rogério Sganzerla e Ivan Cardoso, além de conviver com semioticidade poética dos concretistas Décio Pignatari e os irmãos Campos. É considerado filósofo do movimento tropicalista, ao lado de Gil, Caetano e Capinam. Todo o virtuosismo multidimensional e experimental de sua produção literária - na prática poética e estética - inclui Torquato Neto no espírito rebelde & maldito, representativo à resistência na poesia brasileira.

As vertentes contextuais de seus escritos em “Os últimos dias de Paupéria” incrementam o conteúdo da solitária edição deste livro, organizado & publicado em 1973, após a morte trágica do poeta – suicídio por inalação de gás - em 1972, aos 28 anos. Toda a edição da obra ficou a cargo de seu amigo Waly Sailormoon e Ana Maria Silva de Araújo, viúva de Torquato. Houve uma 2ª edição ampliada, publicada em 1982, pelos mesmos Waly e Ana. O livro tornou-se uma raridade no mercado, seu “preço de compra” não pode ser dimensionado, pois virou uma preciosidade literária restrita a colecionadores.

A poética de estilhaços comprova as “explosões” estéticas na poesia. Ao utilizar as aglutinações semânticas na palavra “Paupéria”, o poeta promove a junção de dois signos presentes na desconstrução da linearidade lexical. Une em um só signo a força explosiva da semântica partida; presente no signo prefixo “pau”, indicador contextual à violência daquela época de nossa história e o signo sufixo “éria” “miséria”, referente às condições econômicas & sociais de um país estagnado pela pobreza social, estética e cultural, estes signos interligados pela consoante de ligação “P”, fio condutor do eixo parodístico da intertextualidade - referência ao signo “Pompéia” - antiga cidade romana destruída pela força de um vulcão. Cidade em que viviam artistas, músicos, filósofos e “prazerosos vagabundos”, que em seus muros e paredes guardavam a força da linguagem popular do “latim vulgar”. “Um tesouro lingüístico” para o estudo da origem da língua não padrão de Roma. Todos estes elementos guiam-se pela virada crítica e experimental propostas na linguagem poético-estética do “anjo torto tropicalista”, implícita e explícita no sarcasmo & na ironia de seus poemas, letras-musicais, filmes & argumentos jornalísticos - uma procura constante de sempre se dimensionar no limite, tanto no comportamento artístico, como no pessoal - nas fronteiras do impossível, a beirar o abismo da linguagem & da vida.

São estes universos de experiências em linguagem verbal & não verbal que o conduzem a um texto limítrofe entre “vida & morte”, acrescido pelos conflitos existenciais pertinentes à tensão dramática do poeta; a crítica presente na “práxis aisthétós” de suas manifestações artísticas.

A poesia de resistência ligada ao engajamento político ideológico das esquerdas revolucionárias - perfil contextual do poeta no limiar de sua vida poética - é o “mote inicial” de sua palavra cantada.

Adere e assume os comandos da ruptura formal & estética impostas pelo modelo experimentalista que busca reforço nos modernistas de 22, principalmente em Oswald de Andrade - com sua proposta desconstrutora - que se propõe a destruir o mito do engajamento da arte, por conseguinte do poder de uma ideologia de esquerda, ou não - aí não era relevante à cor da bandeira e sim algo mais apropriado – o descondicionamento do discurso estético da linguagem ligado a qualquer tipo de poder.

A resistência tropicalista é feita por rupturas formais através de seu modelo, que propõe uma estética desconvencionada aos matizes de qualquer ideologia política. As vestes semióticas, indumentárias de uma expressão antropofágica – fragmentada & estilhaçada - adquirem os estilhaços de significados do caos, prazer, carnaval, anarquia, etc., formalizam um “corpus textual despedaçado”, desmistificado & desmitificado das visões de esquerda ou direita, do bem ou do mal. A forma, isto é, a estética, assume a função transformadora e rompedora das barreiras da linguagem autoritária do poder, comprovados nos diálogos de discursos opostos, presentes nos versos de sua letra–poesia, “Geléia Geral”.

Sempre impaciente, o profeta do silêncio, como o escorpião, esse ícone semiótico destrói o tropicalismo, ao exterminá-lo com sua própria malignidade: “Um escorpião encravado / na sua própria ferida / não escapa”.(NETO, Torquato. Os últimos dias de Paupéria. Org. Wally Sailormoon e Ana Maria S. de Araújo Duarte – Ed: Eldorado,Rio de Janeiro. Pág. 89. 1973.).

Torquato agarra-se aos rumos Barthesianos:

“A linguagem é uma legislação, a língua é seu código. Não vemos o poder que reside na língua, porque esquecemos que toda língua é uma classificação, e que toda classificação é opressiva (...) Arremata, a linguagem e o fascismo. A língua, como desempenho de toda a linguagem, não é nem reacionária, nem progressista; ela é simplesmente: fascista; pois o fascismo não é impedir de dizer, é obrigar a dizer”.

(BARTHES, Roland. Aula. Trad. Leyla Perrone-Moisés. Cultrix: São Paulo. Pág: 12. 1978.).

É uma tentativa ampliada de sobrevivência à violência causada pelo recrudescimento do regime militar e as pressões do esquerdismo engajado. Seu niilismo assiste ao desencanto da vida como um neo-romântico intempestivo. O mundo das palavras torna-se o planeta do caos para o performático poeta.

Antes, podia-se pensar em uma história enredada por uma literatura com princípio, meio e fim – um processo teleológico na linguagem literária - restava ali apenas uma espécie cáustica no macabro mundo da semântica textual. As palavras fragilizadas não davam sentido poético ao produtor textual: “Agora não se fala mais, toda palavra é uma cilada”. (NETO, Torquato. Os últimos dias de Paupéria. Org. Wally Sailormoon e Ana Maria S. de Araújo Duarte - Rio de Janeiro: Max Limonad. Pág. 97, 1973.).

Era no “espaço-poliédrico” & cavernoso do hospício, a cela escura daquele mundo - a loucura – a habitação daqueles que repudiavam a instituição total da linguagem contaminada pelos dos “falsos poetas e artistas”, filhos do sistema. Assim, “os lite-ratos marginais e subversivos” foram caçados e internados nas prisões e hospícios: “Os literatos foram todos para o hospício”, (NETO, Torquato. Os últimos dias de Paupéria. Org. Wally Sailormoon e Ana Maria S. de Araújo Duarte - Rio de Janeiro: Eldorado. Pág. 97, 1973.).

Começava-se a desintegrar o seu conceito de arte e texto. Não havia mais uma estrutura acabada e harmônica. Rompiam-se as noções textuais, cenários da linguagem explícita, estilhaçava-se a linearidade, algo além do fragmento modernista, era a poética dos estilhaços, desaglutinações & aglutinações no interior das palavras, apropriações extradiegéticas reescritas com outros significados - a palavra poliédrica e suas multifaces a estilhaçar significados, estas manifestações acabaram por deslocar a forma de se entender o objeto artístico, uma estética não em termos de leitura, mas de prazer estético, com humor e ironia associados aos refugos da identidade nacional dominante, tal como Chacrinha, miss Brasil, etc. O importante seria o leitor curtir o texto. A semiótica ocupa o espaço da semântica textualizada, estilhaça a palavra em imagens, embora seja a representação de uma curtição sofrida e silenciosa.

Vale ressaltar que Torquato, apesar de toda a força criativa, sucumbe ao cruel contexto histórico-existencial que vive. No próprio corpo maculado grafa o tema de sua poesia, o drama do escorpião suicida.

Deve-se dizer que no conteúdo de sua carta despedida da vida, garante a si a dádiva do poeta, “o silêncio”. Seu suicídio, no dia em que completava seu 28º aniversário, pasmeia a todos, até os que o rejeitavam. Torquato voltava de um jantar com Ana. Ele tranca-se no banheiro e liga o gás, enquanto ela dormia. No dia seguinte foi encontrado morto pela empregada. Deixa um bilhete de despedida que dizia:

“... Parto silenciosamente. Tenho saudade, como os cariocas, do dia em que sentia e achava que era dia de cego. De modo que fico sossegado por aqui mesmo, enquanto durar. Pra mim, chega! Peço mais uma vez silêncio. Thiago pode acordar...”. (PIRES, Paulo Roberto. TORQUATÁLIA: obra reunida de Torquato Neto, Rio de Janeiro: Rocco. Pág. 404, 2004).

10 de novembro de 1972 - O Brasil perdia um de seus maiores e mais geniais poetas. Torquato Neto viveu com a mesma intensidade dos seus versos e escritos, rompeu as fronteiras entre arte e realidade, entre sujeito e objeto, sua obra é o reflexo da crise de um sujeito – não a simplória degradação, e sim a sua descentração em meio à fragmentação da identidade cultural da sociedade no capitalismo tardio”.

“... Neste final de século fala-se em crise de identidade do sujeito. O homem da sociedade moderna tinha uma identidade bem definida e localizada no mundo social e cultural. Mas uma mudança estrutural está fragmentando e deslocando as identidades culturais de classe, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade. Se antes estas identidades eram sólidas localizações, nas quais os indivíduos se encaixavam socialmente, hoje elas se encontram com fronteiras menos definidas que provocam no indivíduo uma crise de identidade”.(HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade-10. Ed – Rio de Janeiro: DPNA, Contracapa, 2005.).

Nosferato

Em sua mordida
crava seus dentes
e se eterniza

“let’s play that...”

A vida em liquidação Liquida – líquida... gente

Texto escolhido por Barbieri

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