domingo, 15 de maio de 2011

A casa e o fantasma

Eurípides de Aguiar, o neto Jozias e a filha Genu Moraes.
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A. Tito Filho

Inteligente, de agradável palestra, educada, mulher de espírito forte, desde garotinha tem merecido palmas e admiração, como naquela noite maravilhosa em que participou de hora de arte no Theatro 4 de Setembro, com Lígia Martins, Maria Alice Rebelo, Ivone Bandeira e outras coleginhas do mesmo tope. Uma ocasião saiu fantasiada de francesa, num bonito acontecimento artístico de Teresina. As idéias e as atitudes fizeram-na, no percurso da vida, vereadora em São Luís, onde residia. Voltando a Teresina, aqui tem sido uma legítima representante do pai Eurípides Clementino de Aguiar, o político e jornalista de grande conceito em todo o Piauí, e cuja casa residencial a filha Genuzinha Aguiar Correia transformou numa espécie de arquivo e museu daquele que conquistou mandatos eletivos diversos à custa de prestígio e liderança. Conheci Eurípides, rico colecionador de apelidos - Urso Branco, Macacão de Matões, Gostosão da Vicença, - em 1947, no dia 19 de janeiro, em que ele fazia aniversário. Tornei-me freqüentador da mansão e lá de vez em quando me encantava para ouvir-lhe a boa prosa, bate-papo jovial, alegre, desopilante. Trabalhamos juntos: eu delegado, Eurípides chefe de polícia.

O velho e seguro comandante tinha como riqueza importante: a afeição da mulher virtuosa e dos quatro filhos, dois dos quais varões.

Genuzinha guarda, com a vigilância dos dragões da lenda, a casa em que habitou uma das figuras de maior evidência no Piauí, até a década de 50, quando realizou a viagem final. Nas dependências do prédio se encontram cousas pessoais de Eurípides, bengalas, chapéus, a escrivaninha, a cadeira de trabalho e muitos objetos de uso da família - móveis, louçaria, imagens de santos, vasos e decorações diversas, tudo disposto com engenho e carinho. A laboriosa produção jornalística de Eurípides está nos arquivos sob o olhar vigilante do amor filial.

Foi aí na casa ilustre que recentemente se deu o lançamento do último livro de Renato Castelo Branco, "O Rio Mágico" - e Renato tem sido fazedor permanente de livros bons, sinceros, que enobrecem a literatura nacional: "A Química das Raças", "A Civilização do Couro", "Teodoro Bianca", "A Janela do Céu", "Candango, Blaiberg, Gagarin", "Pré-História Brasileira", "Tomei um Ita no Norte", "Os castelos Brancos d'Aquem e d'Além Mar", "A Conquista dos Sertões de Dentro", "Rio da Liberdade", "Senhores e Escravos", "O Planalto", "Amor e Angústia", "O Anticristo" - agora "O Rio Mágico", de força lírica e telúrica, reencontro do homem feito e perfeito com as suas origens de menino, adolescente e moço. Fui o apresentador do livro e não pude esquecer o ambiente sagrado em que me achava, com bocado de pessoas amáveis, para aplaudir o escritor - o ambiente de Eurípides, pouco mais de 40 anos atrás sentado no salão maior, o sofá e as cadeiras dando para a porta da rua. Não consegui deixar de vê-lo dentro da memória, sorrisão constante, tipos adversários desfilando pela galhofeira.

Quando a festa chegou ao fim, e saí para o merecido repouso da choupana distante, depois do Poti, eu ainda via o fantasma de Eurípides de Aguiar. Por dentro eu me perguntava qual a vitória da morte. Por que morrem os que são úteis a humanidade? Não tive resposta. O jeito estava em deixar com Genuzinha Aguiar Correia o fantasma sagrado do seu pai insubstituível.

A. Tito Filho, 24/12/1987, jornal O Dia.

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