domingo, 24 de abril de 2011

Minha leitura de Von Meduna

Divulgação.


"É muito bom tornar um leitor escritor de nossas próprias escrituras" – Wilson Bueno.

O livro de Edmar Oliveira – A Incrível História Von Meduna e a Filha do Sol do Equador, confirma que o processo de leitura não é apenas recreativo, reflexivo, é também criativo, e faz do leitor atento um autor. Por isso mesmo vou falar de como a leitura de seu livro me impressionou. Primeiro vem a emoção. Depois nos chega à reflexão. A minha abordagem é apenas lúdica, impressionista. Quero falar do profundo efeito e afeto que o livro me suscitou Recordações. Familiaridade, como se eu fosse um personagem, um figurante, que, menino, pelas ruas esburacadas e cheias de piçarra da velha Teresina viu muitas coisas que o Edmar Oliveira também viu. Pois ele diz no seu livro: “ descubro,absolutamente surpreso, que vou me misturando nessa história, assumindo além do papel de narrador, um personagem que na primeira pessoa fala dos acontecimentos presentes e passados.”

O livro me deu a impressão que eu estava ouvindo, em certos momentos, uma musica de câmara, em outro, uma alucinante opera, uma verdadeira loucura.Volver os olhos por suas paginas era como se tivesse fazendo uma viagem a cidade de Teresina, andando pelo bairro do Porenqanto, que ficou, por enquanto, toda a vida, quando ia ser apenas um desvio, chegando até a colina ou penhasco, onde fica o prédio do sanatório Meduna. Aquele prédio, me chamava muita atenção, pois estava ligado a figura do doutor Clidenor de Freitas Santos, que era uma espécie de ícone, lá em casa, pelo fato de ter curado o meu pai de um esgotamento nervoso, fazendo com que ele voltasse ao seu trabalho, nos idos de 1943,ainda no Asilo Areolino de Abreu, que ficava no Campo de Marte.

Meu pai ficou muito grato ao seu médico. E toda vez que vinha a Teresina trazia-lhe de presente um capão bem cevado. Havia dessas singelezas naquele tempo, trocas de amabilidade e gratidão, entre médico e paciente, quando o lucro ainda não afetava a medicina, quer dizer, os médicos. Clidenor de Freitas Santos, que colecionava edições de Don Quixote está tão bem inserido no von Meduna que se constitui o personagem principal, com começo meio e fim. Pois ele encarna o próprio nome do livro. A carta que ele escreve aos seus filhos é um a apelo à esperança e que pode ser renovado.

Outras lembranças me visitaram durante a leitura de von Meduna: a do desconhecido poeta Deusdete Gomes Pinho, tipografo, meu amigo, que foi internado no Asilo Areolino de Abreu, e lá mesmo, depois de muito sofrimento, faleceu, o Lucimar Ochoa, pintor, parente do Albert Piauí, também morreu no Asilo. Algumas vezes visitei o meu primo Tersandro, e, também, primo do Edmar Oliveira, no tempo em que eu era menino, e fiquei impressionado com o nosso encontro, até porque parecia mais à vontade do que eu, talvez rindo da minha normalidade.

Em Teresina, em quase todos os bairros havia um louco; qual a família que não tem o seu louco descendentes do sangue de Oeiras?

Quando cheguei a Teresina vindo do Maranhão para estudar, na idade de oito anos, minha mãe me apresentou a um tio. Depois de me observar um pouco, disse: este aí é doido manso. Talvez estivesse certo. A manada está dividida em loucos mansos e loucos agitados: uns atrás dos muros, outros do lado de fora.

O livro de Edmar Oliveira ressuscita fantasmas e aviva urgentes problemas sociais concernente a saúde, e que são rabos de lagartixas, frases de Lampadusa, mas isto não invalida a vontade de continuar em frente, sempre acenando para o possível.

O que eu pude observar na minha leitura do seu livro é que, o mesmo, se bifurca em duas vertentes. A primeira se expressa de forma dissertativa, um relatório técnico, com nomes científicos, mas tudo bem explicado. A segunda vertente é narrativa, epocal, ambas correm paralelas, mas, às vezes, se encontram. Nesta última vertente, Edmar Oliveira se expressa mais como poeta do que como médico. Se bem que, médico, poeta e louco, todos nos somos um pouco.

A minha leitura de von Meduna, em parte, foi uma experiência de ficção, um romance repleto de fantasmas. Pois todo mundo que morre, e entra para a história, vira ficção. Nicinha com sua capacidade de estar sempre alegre, e enfeitada. Avião que representava as fitas que ele assistia no Teatro e no Rex, e o Bibelô, que, se travestia em uma roupa de mulher, com a singeleza de um menino que estivesse pagando uma promessa. Ficaram na rua; eram doidos mansos, com suas almas encantadas; simplesmente apêndice, como diz bem Edmar Oliveira.

O livro von Meduna me impressionou e me deleitou, não apenas pela sua mensagem de esperança, mas, sobretudo, pelo seu toque poético ao evocar as lembranças da terra querida, filha do sol do Equador Quanto às reflexões sobre o livro, é o que não vai faltar, por parte, principalmente, dos leitores mais ligados ao problema da psiquiatria. Pois este não é um livro para um só publico, como bem observou a autora do prefácio.

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