Adriano Lobão Aragão
A Academia Onírica é resultado de um curioso encontro de vertentes e gerações que, inevitavelmente, culminariam na mesma direção: a necessidade da poesia e suas múltiplas formas de expressão. A despeito do nome, não espere as formalidades típicas que o uso do termo “academia” costuma evocar. E se o adjetivo “onírico” remete ao sonho e à fantasia, que seja assim, mas a Academia Onírica parece sonhar com os olhos abertos para o futuro e suas possibilidades. E o hibridismo revela-se como a tônica dessa harmonia dissonante, pois encontramos conexões múltiplas, envolvendo desde encontros poéticos mensais, a editoração do zine AO, até a exibição de documentários, como “A Revolução dos Pirulitos” (abordando o controverso poeta Chiquinho Garra) e “Sem Palavras” (que retoma o panorama da cena underground teresinense da década de 70, tendo como foco o artista Arnaldo Albuquerque), ambos dirigidos por Aristides Oliveira e produzidos pelo Coletivo Diagonal. Encontramos também o blog poesiatarjapreta.blogspot.com, que dá o devido suporte de divulgação via internet e, como a maioria dos veículos on line, desenvolve-se a partir de seus próprios recursos: vida própria, um blog que, ao mesmo tempo em que divulga os eventos e as ideias da Academia Onírica, veicula-se como um blog de poesia que sustenta-se autonomamente. Nesse sentido, a veiculação do zine AO, um breve prontuário de poemas apresentados como remédio contra a mesmice, não é um desdobramento do blog, muito menos dos encontros poéticos realizados no Orbital Cultural Canteiro de Obras, pois funcionaria da mesma forma sem o evento ou o blog, mas ganha, é claro, muito mais força quando reunidos.
Sediada em Teresina, Piauí, e envolvendo Demetrios Galvão, Fagão, Kilito Trindade, Laís Romero, Thiago E., Valadares e Arianne Pirajá, a Academia Onírica finalizou as atividades de 2010 com o lançamento de um CD intitulado Veículo Q.S.P (quantidade suficiente para), no qual, sob o acompanhamento musical da banda Quarterão, os oníricos declamam seus poemas. Apesar do estilo “manifesto” que costuma instaurar-se nos textos de apresentação produzidos pelo grupo, há no CD um equilíbrio entre declamação e musicalidade que, diversas vezes, pende para uma ambientação mais lírica do que muitos poderiam supor. Destacaria, para uma audição mais demorada, as faixas “Eu Digo Amor”, de Laís Romero; “Be Bop”, de Fagão e Adolfo Severo, e “A Língua”, de Thiago E. Vale lembrar que o trabalho poético de Thiago E. na Academia não parece competir ou valer-se de sua participação na banda Valeduaté, e uma prova disso é a gravação de seu poema calcada quase que exclusivamente na declamação. Trata-se de poesia em espaços distintos, feições distintas, mas, enfim, poesia.
Em relação aos encontros poéticos, as noites homenageavam artistas da palavra, como Pablo Neruda, Manoel de Barros, Arnaldo Antunes, Rubervam Du Nascimento, Ana Cristina César, entre outros. “Não sei se todos entenderam, mas o poeta ‘homenageado da noite era sempre uma desculpa para que os encontros existissem, pois o que estava sendo valorizado eram os poetas presentes e a produção dos demais artistas envolvidos,” declarou Demetrios Galvão, em texto publicado no blog do grupo. E, oniricamente, Kilito revela que “era a eletropoesitividade de uma noite onírica que me invadiu e multiplicou-se pelo soma, impulsionando minhas células a movimentos radônicos tal qual carrinhos de bate-bate num parque de diversão”.
Nas palavras de Valadares, “este coletivo, que começou a ser idealizado por duas mentes precisadas destes comprimidos (Kilito e eu), há quase vinte anos, busca através de olhares aguçados, de corpos sãos, de mentes sãs... novas primas, novas eras, novas floradas, que tragam a textura dos ipês, a modelagem colorida das palavras, de coisas que traduzam a vontade de ser artífice, que tragam o horizonte dos artistas...”
Não creio que, no momento, caiba aqui uma análise crítica dos versos apresentados nas noites poéticas, nos zines AO, na Academia em si. Há, como em qualquer canto em que se busque a poesia como meio de expressão, bons e razoáveis resultados, e só faria sentido um julgamento crítico mais apurado caso voltássemos a atenção para algum poema ou autor específico. Mas essa é uma outra questão, pois a Academia Onírica abre-se para a pluralidade e, enquanto grupo, deve ser valorizada naquilo que tem de melhor: a agregação de valores distintos que dá visualidade a um fenômeno maior, a colocação da poesia como ordem do dia e da noite, uma grande experiência em que cada um pode contribuir com um (ou vários) verso(s), e depois de 11 noites de poesia, 11 edições do zine AO e do CD Veículo Q.S.P. o sonho continua pulsando pela noite adentro.
[publicado no jornal Diário do Povo, coluna Toda Palavra, Teresina, 14/12/2010]
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