sábado, 14 de agosto de 2010

Matemática? sou um gênio!

Charge: Autoria desconhecida (por enquanto).

Fábio Takahashi
13/08/2010 - Folha de S. Paulo (SP)

O Governo de São Paulo vai pagar até R$ 50 a alunos do ensino fundamental (11 e 12 anos) com notas baixas que participem de aulas de reforço em matemática -disciplina em que os resultados da rede estadual são piores.

O dinheiro será dado diretamente ao estudante, e não a sua família. O valor é proporcional à presença nas atividades, realizadas duas vezes por semana, em sessões de 90 minutos, por três meses. Se não faltar nenhuma vez, o aluno ganha R$ 50 ao final do período.

Educadores ouvidos pela reportagem mostraram opiniões diferentes sobre o tema. Os mais críticos dizem ver um estímulo para que o aluno tire nota baixa pensando na possibilidade de ganhar o dinheiro e um combate equivocado do problema. Para outros, trata-se de um bom incentivo para comparecimento ao reforço.

O pagamento a alunos com dificuldade integra o projeto da Secretaria da Educação em que 400 bons estudantes do ensino médio da rede estadual darão tutoria (atividades de reforço) em matemática para 1.200 alunos do 6º e 7º anos.

A gestão Alberto Goldman (PSDB) decidiu dar o "vale-presente" aos alunos com notas baixas para estimular a presença às atividades, que não são obrigatórias.

Durante o desenvolvimento do projeto, levantou-se a possibilidade de que houvesse muitas faltas dos estudantes e até mesmo desistências. Chegou-se a pensar em sorteios de notebooks.

O reforço começa no mês que vem. O projeto é piloto e pode ser ampliado. A rede tem 4,2 milhões de alunos.

MÉDIAS BAIXAS - Exames estaduais e nacionais mostram que matemática é o ponto mais crítico do ensino público, tanto em São Paulo como no país. Na última avaliação paulista, chegou a haver recuo na média no ensino médio.

A Folha conversou com professores da rede, que mostraram preocupação com o pagamento aos alunos. A principal é que eles poderão tirar notas baixas apenas para integrar o reforço e ganhar o dinheiro.

Os participantes do projeto serão escolhidos com base nas notas do Saresp e boletins escolares. As inscrições começaram no dia 4 e terminam hoje, no site www.multiplicandosaber.org.br.

Para isso, é preciso que a escola do estudante tenha sido uma das 441 escolhidas. Os estudantes-tutores ganharão bolsa de R$ 115.

O projeto é financiado pelo governo, Banco Interamericano de Desenvolvimento e parceiros. Também participam a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) e docentes da USP.

13/08/2010 - Folha de S. Paulo (SP)

"Vale-presente" pode ser negativo, dizem educadores

Professores veem chance de aluno forçar nota ruim para ganhar o dinheiro; outros elogiam incentivo à frequência

SÃO PAULO - Educadores ouvidos pela reportagem tiveram avaliações diversas em relação à iniciativa de dar dinheiro ao estudante com notas baixas que participe do reforço.

Pesquisador do Insper (ex-Ibmec SP), Eduardo Andrade diz que o projeto de tutoria é "interessante", mas o pagamento aos alunos pode ter um "efeito colateral": os não escolhidos terão incentivo a não irem bem nas provas, para poder ganhar o dinheiro. "Seria interessante que os pupilos, para ganhar o pagamento, comprovassem algo adicional além da frequência nas tutorias, como por exemplo a realização de exercícios de reforço", diz Andrade.

Para a professora Angela Soligo, da Faculdade de Educação da Unicamp, os alunos mais pobres poderão, de fato, forçarem notas baixas para ganhar os R$ 50. "Mas essa não deve ser a regra."

Ela critica apenas o fato de o pagamento ser chamado de "vale-presente" pelo governo. "Dessa forma, parece que está sendo dado um brinde aos que vão mal."

A coordenadora do curso de pedagogia da Unicamp, Maria Marcia Malavazi, disse ver no projeto um sério risco de fracasso porque utilizará alunos e professores não treinados suficientemente.

Além disso, o projeto ataca a periferia e não a questão central do problema de qualidade de ensino. São, para ela, medidas paliativas e distantes de um investimento correto para a melhora de qualidade -como aulas em período integral.

"Remunerar o aluno para ele frequentar o reforço significa constatar que os nossos alunos não são motivados para as salas de aulas. Significa dizer que o problema é muito mais grave. Não podemos pensar que essa seja uma forma ideal de trazer o aluno para sala de aula com uma remuneração de R$ 50. É lamentável", afirmou ela.

A presidente da Apeoesp (sindicato dos professores), Maria Isabel Noronha, diz que o projeto como um todo é ruim porque a questão principal do problema não está sendo combatida.

Uma delas é oferecer uma remuneração adequada para os professores e, com isso, estimular a procura à carreira de profissionais de qualidade, principalmente de matemática, em déficit na rede.

"O Bolsa Família tenta combater o trabalho infantil, é uma outra discussão. Mas pagar para um aluno ter aulas é uma coisa que eu nunca vi", afirmou ela que diz ver um "caráter eleitoreiro".

(FÁBIO TAKAHASHI e ROGÉRIO PAGNAN)

"É muito ruim para a educação", diz professora

SÃO PAULO - Para a professora da USP Lisete Arelaro, a iniciativa de pagar ao aluno para estudar é absurda.

Folha - Qual a sua análise sobre esse projeto? Lisete Arelaro - Isso é muito ruim para a educação das nossas crianças e jovens. Eu só me mexo se me pagarem. Isso é ruim. Eu sou contra pagar. Para você querer que um aluno fique numa aula de reforço, você precisa dar condições para a escola, para um lanche, alguma coisa. Se a escola tiver condições, ela não precisa, não deve, pagar dinheiro nenhum. Eu sou contra qualquer coisa chamada bolsa, bolsinha, bolsete. Daqui a pouco vai ser: "Se ficar quieto, tem R$ 5. Se falar, você tem R$ 3. Se acertar a questão, você ganha uma figurinha". É impossível esse tipo de processo, só responder certo se ganhar alguma coisa. Acho um risco numa sociedade consumista, é um absurdo.

Para docente da USP, "dinheiro pode ser estímulo"

SÃO PAULO - Docente da Faculdade de Educação da USP, Silvia Colello defende o pagamento aos alunos com nota baixa.
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Folha - Qual sua análise sobre esse projeto? Silvia Colello - O dinheiro pode ser um bom "start" [início]. Estimulado pelos R$ 50, o aluno é estimulado a comparecer ao reforço. A partir daí, caberá aos tutores e docentes mostrar que saber matemática é importante, independentemente do dinheiro. Claro que o estudante deveria ter simplesmente vontade de aprender, mas não é fácil.
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Os alunos vão querer tirar nota baixa? Não acho. Bom aluno não vai querer tirar nota baixa, ficar de recuperação. Minha preocupação é com a escolha do tutor. Um jovem pode saber matemática e ser drogado. Ele será exemplo para o mais jovem. Precisa analisar não só nota.

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