quarta-feira, 21 de julho de 2010

S. O. S amarante

Da Costa e Silva: a minha terra é um céu...

(*) Enéas Athanázio

Quando recebi o título de cidadão honorário do Piauí, por decisão da Assembleia Legislativa daquele Estado, em Teresina, dei uma esticada, junto com amigos, para conhecer Amarante. Situada na região sul piauiense, às margens do rio Parnaíba, - o Velho Monge do poeta, - é uma cidade histórica que abriga impressionante conjunto arquitetônico, em local bonito e aprazível, de onde se dercortina o magnífico panorama das serras gêmeas, de formato aproximado ao retângulo, na outra margem do grande rio, o que con-fere à cidade uma característica singular e inesquecível. A avenida principal, partindo da escadaria que conduz ao ponto mais alto, segue em linha reta até o rio, toda arborizada e com as construções em estilo colonial alinhadas em ambos os lados. É um ambiente acolhedor e tão logo o avistei tive a viva impressão de que o conhecia de longa data, tantas vezes o vi retratado em fotos e jornais. Por ela caminhamos, num bando alegre de pessoas que nos acompanhavam, conversando e aprendendo sobre a antiga cidade.
Além de um rico passado histórico, registrado em numerosas obras a respeito da cidade, do município e da região, Amarante tem sido o berço de personalidades do maior destaque na vida cultural do Estado e do próprio país. Basta lembrar, entre tantos outros, o célebre poeta Da Costa e Silva, o poeta da saudade e que atribuiu ao Parnaíba a alcunha inapagável de Velho Monge, considerado até hoje a maior figura da poética piauiense e uma das grandes da literatura nacional. Sobre ele existe copiosa bibliografia e comentei sua vida e obra em meu livro "O Perto e o Longe." Nos altos da escadaria, em local destacado, erige-se o busto em sua homenagem, local de visita obrigatória para quantos passam pela cidade e sua própria população. Lá também estivemos, prestando nossa comovida homenagem ao grande vate em sua terra natal. Amarantino da maior expressão foi também Clóvis Moura, o sociólogo da negritude, meu dileto e saudoso amigo, cujas cinzas foram lançadas à caudal do Velho Monge, a seu pedido, pela esposa. Sobre ele muito escrevi nos jornais e pelo menos dois ensaios a respeito de sua obra estão em meus livros. Muitos outros escritores e poetas amarantinos têm se destacado nas letras, merecendo lembrança Homero Castelo Branco, autor de vasta obra e do projeto que me transformou em cidadão piauiense. Outras manifestações enriquecem a vida cultural da cidade nas artes plásticas, no artesanato popular, na música e até no cinema. A Academia de Letras é muito ativa.
Em nossa visita, minha esposa e eu fomos recebidos e tratados com a maior simpatia. Em solenidade na Câmara Municipal, saudou-nos em nome da cidade o presidente da Academia, Virgílio Queiroz, e outras personalidades locais se manifestaram. Numerosas pessoas nos prestigiaram. Nas andanças pelo interior do município contamos sempre com a companhia de muita gente alegre e simpática. Momentos inesquecíveis em que o calor piauiense se casava com o da afeição.
Agora, porém, uma nuvem de apreensão e receio paira sobre a vida feliz e bucólica dos amarantinos. Notícias veiculadas pela imprensa alçaram um verdadeiro fantasma sobre os moradores da simpática cidade. É como um terrível pesadelo que continua mesmo na vigília e perdura à luz radiante do sol equatorial. Por uma dessas decisões insólitas e incompreensíveis de entidades públicas ditas superiores, informa-se que deverá ser construída enorme barragem no rio Parnaíba, pouco abaixo da cidade, para construção de uma usina elétrica. Como consequência inevitável, o imenso lago a ser formado poderá submergir por completo e para sempre a cidade turística com seu passado histórico, seu patrimônio arquitetônico e sua cultura. É fácil imaginar o sentimento que vai nos corações daquela gente tão orgulhosa do seu passado e de suas conquistas. Num piscar de olhos - que são uns poucos anos na vida de uma comunidade com tão fundas raízes no passado? - tudo poderá submergir. A avenida com os casarões senhoriais, as moradas das pessoas, o lar da família, o cantinho de cada um com todas suas lembranças, a escola, a igreja, os locais dos encontros, das festas, das danças, do folclore, as árvores verdejantes com suas sombras benfazejas, tudo, tudo mesmo, poderá ser sepultado sob as águas. Como aconteceu com Canudos; como aconteceu com Itá e com outras mais.
É nessas horas que se percebe o valor e o sentido da democracia porque a grita já começou. Amarantinos de perto e de longe protestam, escrevem nos jornais, enviam mensagens e tentam, por todos os meios, sensibilizar os que detêm o poder de decisão. A todos eles junto minha voz, ainda que fraca e sem ressonância, mas desinteressada e sincera, esperando que o pesadelo por eles vivido se esvaneça no raiar do novo dia.

(*) Enéas Athanázio é escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br

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