Igreja Matriz de Amarante
(*) M. Paulo Nunes
Lembro-me de uma época em que a cidade histórica de Ouro Preto, a antiga Vila Rica do tempo da Colônia, teve seus velhos casarões ameaçados de destruição pela fúria das intempéries, aliada à crônica falta de proteção do nosso patrimônio histórico. Houve então um emocionante clamor de nossos intelectuais e artistas, como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Tristão de Athayde e outros pela sua proteção.
Um coro semelhante de lamentações e protestos está se fazendo ouvir agora pela preservação de Amarante ante a possibilidade de sua destruição pela barragem do Castelhano, no município de Palmeirais, dentre outras cinco que estão projetadas, pela programação do governo federal, a ter início já no corrente ano. Manifestaram-se sobre o assunto o escritor e diplomata Alberto da Costa e Silva, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras e filho do nosso maior poeta, Da Costa e Silva, o professor universitário e crítico literário Cunha e Silva Filho, amarantino ilustre, os historiadores e ensaístas Dagoberto Carvalho Jr. e Fonseca Neto, membros da nossa Academia, e os amarantinos Armando Gomes da Silva e Olemar de Sousa Castro, residentes fora de nosso Estado. O escritor catarinense Enéas Athanázio, ao visitar aquela bela cidade apenas uma vez, qua ndo aqui recebeu a cidadania piauiense, ficou deslumbrado com a sua paisagem e a sua beleza arquitetônica, dedicando-lhe um comovente hino de amor, "SOS Amarante", publicado nos jornais de sua terra. Alberto da Costa e Silva, em seu luminoso artigo, "Em defesa de Amarante", declara, entre outras coisas, que "O autor da desastrada idéia não deve saber o que é belo ou lhe tenha horror. Assemelha-se a quem planejasse destruir, em Minas Gerais, Mariana ou Tiradentes, ou aterrar, no Rio de Janeiro, a baía de Guanabara".
A Academia Piauiense de Letras, em sessão ordinária, por iniciativa do signatário, com a discrepância apenas de um de seus pares, manifestou-se plenamente contrária àquela idéia extravagante, ao tempo em que decidiu convocar uma audiência pública, a ser realizada em data oportuna, na própria Academia, para a qual serão convocados os representantes dos órgãos responsáveis por aquele projeto. E o Conselho Estadual de Cultura igualmente se posicionou contrariamente àquele injustificável projeto, através de moção subscrita por todos os seus integrantes, sem qualquer discrepância.
Há poucos dias, em reunião de trabalho realizada na sede do Conselho Estadual de Cultura, estiveram reunidos representantes da "CNEC Engenharia", a firma responsável pela elaboração do RIMA (Relatório de Impacto Ambiental), indispensável para a licitação da obra, juntamente com representantes do Conselho, do IPHAN, do MINC e de sua Superintendência estadual, insatisfeitos com pontos básicos daquele relatório, para debater o assunto. Não saí dali satisfeito com as explicações dadas, manifestando, de viva voz, minhas discordâncias.
Espero que as autoridades responsáveis pela inoportuna idéia possam repensar o assunto. Ou isto ocorrerá ou veremos nossa bela Amarante seguir um dia o destino das cidades fantasmas, mergulhando no rio do esquecimento um dos mais belos conjuntos arquitetônicos do país e possamos assim apenas reter na lembrança os belos versos de Da Costa e Silva:
"A minha terra é um céu se há um céu sobre a terra:
É um céu sobre outro céu tão límpido e tão brando,
Que eterno sonho azul parece estar sonhando
Sobre o vale natal, que o seio à luz descerra..."
Não sou amarantino de nascimento. Meu amor àquela terra decorre do amor que dedico àquela que ali fui buscar como esposa e com quem convivo há cinquenta e cinco anos. E para sempre.
(*) M. Paulo Nunes é escritor.
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