J. L. Rocha do Nascimento
A irmã via tv, pensava no galã das oito e sonhava com o mundo encantado das celebridades, algo distante da periferia e da miséria em que vivia mergulhada. Certa noite, saiu para um passeio inocente e, numa esquina qualquer, um maníaco a estrangulou.
Diante do vídeo, choraram a morte da irmã.
A mãe via tv e fazia mantas de crochê pra complementar a renda familiar. Durante os comerciais sonhava com o futuro do filho. Continuou a fazer crochê diante da tv, até que o corpo encurvou-se, os dedos enrijeceram, a respiração parou. Não pode ver o grande homem em que se transformou o filho que, com vocação para o entretenimento, diariamente engolia fogo e querosene nos sinais de trânsitos da zona leste.
Diante do vídeo, choraram a morte da mãe.
O pai via tv e sonhava com a aposentadoria por invalidez. Depois de uma longa luta desigual, o coração não resistiu à burocracia da previdência social.
Diante do vídeo, chorou a morte do pai.
Ele via tv. Perdera a irmã, a mãe, o pai, mas ainda lhe restava a tv. Sentindo-se só, resolveu se casar. Acabou desistindo. A renda irregular e o hálito de querosene não recomendavam tal ousadia. Resolveu entregar-se totalmente à tv. Uma idéia estranha começou a verrumar-lhe o juízo: porque não se casar com a própria tv? Afinal, ela nunca o deixara só. A idéia amadureceu, virou decisão. Foi ao Cartório mais próximo e manifestou seu desejo. Diante do inusitado, o Escrivão o encaminhou ao meritíssimo que, de plano, repeliu a idéia.
Desolado, pensou em fazer uma loucura, mas acabou por concluir que não há nada mais deprimente do que um defunto sem choro. Veio-lhe então a solução: pegou a nota fiscal da tv e escreveu com a esferográfica: Certidão de Casamento.
Passaram a viver juntos, sem grandes conflitos domésticos, uma vida plena de lances emocionais: hoje o patrãozinho distribuindo dinheiro no auditório, amanhã aquele apresentador falando baboseiras dominicais, ali outro anunciando mais uma paternidade duvidosa. Um dia, nunca mais retornou aos sinais de trânsito, os poucos amigos o abandonaram, os vizinhos começaram a apresentar inusitada agressividade. Mas a tv mantinha-se fiel, pronta, solícita. É certo que, uma vez que outra, mais por culpa da companhia de energia, saía do ar. Convencia-se de que a companheira estava naqueles dias. Dormia mais cedo.
Tempos depois percebeu que estava cego. Uma onda de desespero invadiu-lhe a vida. Restava, ainda, a possibilidade de ouvir o inconfundível som da tv. E foi exatamente numa dessas carícias mais prolongadas que se deu a triste descoberta, razão da tragédia que se anunciava: os cupins devoravam impiedosamente a parceira.
Diante do inexorável, finalmente se decidiu. Armou-se de um pé-de-cabra e de uma faca de cozinha. Num golpe certeiro, espatifou a tv e, nem sequer um gemido, cortou a garganta. Ninguém presenciou a cena, rápida, precisa, sem cortes. Mas a tv ainda emitiu um som rouco e ininteligível, talvez choro.
Diante do vídeo, choraram a morte da irmã.
A mãe via tv e fazia mantas de crochê pra complementar a renda familiar. Durante os comerciais sonhava com o futuro do filho. Continuou a fazer crochê diante da tv, até que o corpo encurvou-se, os dedos enrijeceram, a respiração parou. Não pode ver o grande homem em que se transformou o filho que, com vocação para o entretenimento, diariamente engolia fogo e querosene nos sinais de trânsitos da zona leste.
Diante do vídeo, choraram a morte da mãe.
O pai via tv e sonhava com a aposentadoria por invalidez. Depois de uma longa luta desigual, o coração não resistiu à burocracia da previdência social.
Diante do vídeo, chorou a morte do pai.
Ele via tv. Perdera a irmã, a mãe, o pai, mas ainda lhe restava a tv. Sentindo-se só, resolveu se casar. Acabou desistindo. A renda irregular e o hálito de querosene não recomendavam tal ousadia. Resolveu entregar-se totalmente à tv. Uma idéia estranha começou a verrumar-lhe o juízo: porque não se casar com a própria tv? Afinal, ela nunca o deixara só. A idéia amadureceu, virou decisão. Foi ao Cartório mais próximo e manifestou seu desejo. Diante do inusitado, o Escrivão o encaminhou ao meritíssimo que, de plano, repeliu a idéia.
Desolado, pensou em fazer uma loucura, mas acabou por concluir que não há nada mais deprimente do que um defunto sem choro. Veio-lhe então a solução: pegou a nota fiscal da tv e escreveu com a esferográfica: Certidão de Casamento.
Passaram a viver juntos, sem grandes conflitos domésticos, uma vida plena de lances emocionais: hoje o patrãozinho distribuindo dinheiro no auditório, amanhã aquele apresentador falando baboseiras dominicais, ali outro anunciando mais uma paternidade duvidosa. Um dia, nunca mais retornou aos sinais de trânsito, os poucos amigos o abandonaram, os vizinhos começaram a apresentar inusitada agressividade. Mas a tv mantinha-se fiel, pronta, solícita. É certo que, uma vez que outra, mais por culpa da companhia de energia, saía do ar. Convencia-se de que a companheira estava naqueles dias. Dormia mais cedo.
Tempos depois percebeu que estava cego. Uma onda de desespero invadiu-lhe a vida. Restava, ainda, a possibilidade de ouvir o inconfundível som da tv. E foi exatamente numa dessas carícias mais prolongadas que se deu a triste descoberta, razão da tragédia que se anunciava: os cupins devoravam impiedosamente a parceira.
Diante do inexorável, finalmente se decidiu. Armou-se de um pé-de-cabra e de uma faca de cozinha. Num golpe certeiro, espatifou a tv e, nem sequer um gemido, cortou a garganta. Ninguém presenciou a cena, rápida, precisa, sem cortes. Mas a tv ainda emitiu um som rouco e ininteligível, talvez choro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário