(*) M. Paulo Nunes
O poeta Manuel Bandeira, nos idos da década de 40, do século passado, dirigiu certa feita uma carta-poema ao então prefeito Hildebrando de Góis, pedindo urgentes providências junto àquela alta autoridade para que fosse providenciado o calçamento de um pátio interno nas proximidades do edifício em que morava no Castelo, próximo à Avenida Beira-Mar. Depois de muita pesquisa em uma velha Antologia do poeta, Estrela da Vida Inteira, (Livraria José Olímpio Editora, 1970), após recorrer ao velho amigo e bandeirano da melhor cepa, Cineas Santos, fui encontrá-lo no livro Lira de Brigadeiro, daquela Antologia. (Vejam logo onde, ou seja, na parte menos nobre da poesia do "velho bardo").
Vejamos alguns instantes de sua musa faceta:
"Excelentíssimo Prefeito
Senhor Hildebrando de Góis,
Permiti que, rendido o preito
A que fazeis jus por quem sois,
Um poeta já sexagenário,
Que não tem outra aspiração
Senão viver de seu salário
Na sua limpa solidão,
Peça vistoria e visita
A este pátio para onde dá
O apartamento que ele habita
No Castelo há dois anos já.
É um pátio, mas é via pública,
E estando ainda por calçar,
Faz a vergonha da República
Junto à Avenida Beira-Mar!
Indiferentes ao capricho
Das posturas municipais,
A ele jogam todo o seu lixo
Os moradores sem quintais.
Que imundície! Tripas de peixe,
Cascas de fruta e ovo, papéis...
Não é natural que me queixe?
Meu Prefeito, vinde e vereis!
Quando chove, o chão vira lama:
São atoleiros, lodaçais,
Que disputam a palma à fama
Das velhas maremas letais!
A um distinto amigo europeu
Disse eu: - Não é no Paraguai
Que fica o Grande Chaco, este é o
Grande Chaco! Senão, olhai!
Excelentíssimo Prefeito
Hildebrando Araújo de Góis,
A quem humilde rendo preito,
Por serdes vós, senhor, quem sois!
Mandai calçar a via pública
Que, sendo um vasto lagamar,
Faz a vergonha da República
Junto à Avenida Beira-Mar!"
Prevalecendo-me assim, do precedente ilustre, dirijo-me ao velho amigo Elmano Ferrer, atual Prefeito de nossa capital, a quem me liga velha amizade, desde os tempos já remotos do secretariado provisório de que juntos participamos, no governo Lucídio Portella, e embora não sendo poeta como Bandeira, o que muito lamento, mas pessoa muito prosaica, ainda que não possa viver sem poesia, peço sua atenção para o seguinte problema:
Tendo vivido, na Rua 31 de Março, desde que retornei de Brasília, em 1992, ao aposentar-me no serviço público, após 46 anos de serviços prestados à educação no país, onde construímos casa, com o propósito de ali viver o restante de nossos dias, agora, por imposição da velhice e outras circunstâncias menores que não vêm a pelo examinar, passamos a morar na Avenida Mal. Castelo Branco.
Nas vizinhanças da residência anterior, havia um depósito de lixo onde a população da redondeza se desabastecia de seus objetos indesejáveis, inclusive, às vezes, de animais mortos. Feito o calçamento da rua do lixão, depois de muito empenho dos moradores, inclusive do signatário, como os seus residentes não o completaram, construindo a calçada correspondente, o depósito de lixo continuou a ser feito em um dos lados da rua, prática nefasta em que se excelem os moradores de nossa capital, em absoluto desprezo por ela.
Chego à nova residência, num local supostamente hoolywdiano, pois ostentando o pomposo nome de "Beverly Hills" e topo, ao lado do novo apartamento, com outro depósito de lixo, com iguais inconveniências e a agravante de que aqui é ele despejado às carradas, portanto em quantidades imensuráveis. Que fazer, meu amigo? Mudar-me de novo a esta altura da vida, não é mais possível. Este o pleito supostamente legítimo que um simples escriba, não um poeta sexagenário (ah! meus sessenta anos, como diria o velho e saudoso Charles Chaplin) mas já octogenário, lhe envia, pedindo-lhe que se outros motivos não prevalecerem na solução do impasse, pelo menos possa no caso valer a velha e indestrutível amizade deste seu velho admirador "ex-corde".
(*) M. Paulo Nunes é escritor.
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