segunda-feira, 9 de novembro de 2009

A lavadeira, a menina e o rio


O sabão gasto e fosco. Agachadas, saias entre as pernas, elas lavavam os molambos como se fossem novos. Depois os esfregavam na pedra esbranquiçada, alternando esse gesto com pequenas molhadelas, nas pontas, ora de um lado, ora de outro do tecido. A alguns metros, panos ensaboados e esfregados esperavam pelos raios para se tornarem mais brancos. Mergulhados na água, as peças desafiavam, majestosas e dançantes, a correnteza. As mulheres pareciam não pensar, repetiam o movimento com automatismo e zelo. Depois do ritual, os panos eram torcidos. Se grandes, tais como redes ou lençóis, a tarefa era coletiva; se pequenos ou íntimos, a labuta era individual. Depois, eram torcidos e arrumados cuidadosamente na bacia de alumínio. Uma a uma, elas faziam coques no cabelo e sobre este punham uma rodilha para amenizar o peso da bacia e acomodá-la melhor na cabeça. Algumas delas, antes desse ritual, tomavam um rápido banho, outras, davam as costas para a água pondo suas mãos franzidas e foscas para auxiliar na subida de seus utensílios areados e reluzentes. Poucas voltavam seus olhos para a água. Amanhã estariam de volta com outros trapos tão gastos como os de hoje. A menina aprendiz olha a cena. Logo seria uma daquelas muitas mulheres e então contaria ao rio, sem ser ouvida, suas mágoas, e, nesse meio tempo, também não o veria mais. Agora, ela ainda o via com interesse. Por isso, voltou sua cabeça, pelo menos uma vez, para se despedir de suas águas volúveis. Sua pele ainda não estava curtida de sol e seus olhos ainda fixavam o outro com interesse, ainda se movimentavam em busca do mundo. As mulheres, indiferentes ao rio e à menina, caminhavam em direção a suas vidas. Os semblantes eram fechados e nunca olhavam para os lados. Iam, conformadas, cumprir seu ritual de marasmo e amargura. Esperariam seus maridos taciturnos, que não lhes lançariam nenhum olhar, nem para amar, nem para cobrar. Em casa, acenderiam os fogareiros, a chaleira para o café. Os homens continuariam a picar o fumo. À noite, quem sabe, se importariam um pouco com elas, enquanto durasse o desejo. Amanhã, elas estariam novamente no rio, a alvejar os panos cerzidos, mas úteis. Continuariam, assim, seu embate, sem palavras, com as águas e com a vida.

3 comentários:

AirtonSampaio disse...

Curto e não mais bonito que a autora porque isso é impossível. GOSTEI!

Helena disse...

Esse mundo virtual é feito sob medida pra gente ter notícias das pessoas que temos apreço. Obrigada pelo comentário, mas não esqueça que a ação do tempo é forte. Rss. Abraço.

AirtonSampaio disse...

O tempo é mesmo implacável! Mas só para vinho ruim, assim como eu e o Kenard. Nem por humildade se bote nesse meio... E areje mais KruelKaverna.com com seus textos!