terça-feira, 27 de outubro de 2009

Amarante, SOS

Da Costa e Silva by Albert Piauí
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Há quinze dias vi neste espaço (Diário do Povo) um oportuno artigo do acadêmico-historiador Dagoberto Carvalho Júnior intitulado "SOS Amarante". Discreto apelo a que dediquemos mais atenção a essa amorável cidade da riba média do Parnaíba.

Faço coro com ele, que a conhece bem. Pesquisador, fez estudos sobre a cidade, quando ainda pouco se falava entre nós em políticas públicas de valorização do patrimônio histórico e cultural.

"Minha terra é um céu,
se há um céu sobre a terra".

São versos consagrados daquele que é considerado com razão o maior poeta brasileiro nascido no Piauí - A. F. da Costa e Silva.

E que terra-céu é essa? É Amarante, cara-metade piauiense da muito antiga Passagem de São Francisco, fundada, já em 1697, pelo sertanista situando currais.Amarante de Odilon Nunes, inigualado historiador da formação social do Piauí; Amarante de Clóvis Moura, inigualado historiador da insurgência negra no Brasil, conterrâneo de Auta Rosa; Amarante de Nasi Castro, cronista do cotidiano da vida sertaneja brotando do chão social em jorros de amarâncias; de E. Moura, A. Freire, E. Neiva, Cunha e Silva, Bizinha da Paixão, M. Barroso, F. Aires, Ribeiro Gonçalves, Socorro Leal e de centenas de outros cronistas, poetas e prosadores do povo, músicos dos melhores, cantadores, professores, remeiros e vareiros entre os milhares de operários de sua vida comum e comunitária. Empobrecidos, remediados, ricos. E até a primeira miss Piauí dali veio, segundo M. Vilarinho.

Mas toda cidade não é assim, plural, dialética, cantada e namorada por seus filhos e amantes? É verdade. Mas como lembra outro apaixonado da terra, Homero C. Branco, ali é AMAR/ante. Amar antes de mais nada. Eis a sua singularidade. E no andar do andor, Gonçalo foi levado a se juntar ali a Francisco.

Amarante tem um valioso conjunto arquitetônico, herança do tempo em que tinha um movimentado porto fluvial em francos intercâmbios comerciais e culturais com o mundo. O fim da navegação pelo rio em favor do irresponsável advento do automóvel foi economicamente negativo para ela, detendo seu crescimento material, impondo-lhe uma vida mais regrada e certo isolamento. Condição de isolamento e de baixo dinamismo que de certa forma explicam a conservação de seu patrimônio edificado, representativo do fim do século XIX, começos do XX.

Mas ouvi de um seu morador de hoje: "a cidade precisa de progresso em proveito de sua população atual". Ele tem razão. Contudo, essa idéia estúpida de progresso que age derrubando o casario velho, impondo o esquecimento das histórias do lugar, trazendo outras culturas de longe, esse "progresso" não deve interessar a ninguém. A atual geração não tem o direito de destruir o que os velhos amarantinos ergueram em sinal de grandeza da terra.

Minha mãe, nascida e criada ali bem perto entre os Fonseca da zona rural de São Francisco do Maranhão, tinha Amarante em sua memória tal uma luminosa fonte de beleza e experiência letrada. Isto é apenas um exemplo, de milhares possíveis, da lembrança positiva que tanta gente tem da cidade do mestre Odi. Recanto especial na história humana nesta região do ecúmeno.

Sabe-se que o Iphan cuida de medidas necessárias para fazer de Amarante uma cidade ainda melhor, preservando seu patrimônio histórico-cultural, material e imaterial. Melhor ainda, buscando pensá-la para que seu povo possa ter proveito, inclusive econômico, de sua condição de "cidade-monumento histórico". O que Amarante tem de singular da herança de sua cultura passada haverá de constituir diferencial do necessário desenvolvimento que seu povo de hoje precisa, nada impedindo que o antigo conviva com as mais avançadas conquistas da humanidade atual. Povo, municipalidade, Iphan, Conselho de Cultura e associações: SOS Amarante!

(*) FONSECA NETO, professor da UFPI, advogado, escreve às segundas-feiras no Diário do Povo.

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