J. Coriolano.
Francisco Miguel de Moura*
Que são patronos e como são escolhidos os patronos de uma Academia? Não posso falar pelas demais. Felizmente ou não, existem hoje muitas Academias de Letras. Mas vou tentar esclarecer a prática adotada pela Academia Piauiense de Letras, padrão de todo o Estado, a qual tem por patrono Lucídio Freitas, por isto mesmo que é chamada de “Casa de Lucídio Freitas”.
A primeira tentativa de fundação de uma Academia de Letras, no Piauí, aconteceu em 1901. Mas foi somente a 30 de dezembro de 1917, quando remanescentes daquela primeira investida se juntaram a outros intelectuais e homens de letras, formando um grupo de 10, que se realizaria efetivamente a criação a Academia Piauiense de Letras.
Seus fundadores? Clodoaldo Freitas, Higino Cunha, João Pinheiro, Edison Cunha, Lucídio Freitas, Jônatas Batista, Celso Pinheiro, Antônio Chaves, Benedito Aurélio de Freitas e Fenelon Castelo Branco. Cada um deles escolheu um patrono para sua cadeira. Esses 10 primeiros patronos foram, respectivamente, José Manuel de Freitas, Anísio Auto de Abreu, Hermínio de Carvalho Castelo Branco, Areolino Antônio de Abreu, Alcides Freitas, David Moreira Caldas, Licurgo José Henrique de Paiva, José Coriolano de Sousa Lima (J. Coriolano), Teodoro de Carvalho e Silva Castelo Branco e Joaquim Sampaio Castelo Branco (Padre).
Com o desenvolvimento da sociedade piauiense, foi a Academia também crescendo e evoluindo. Certo é que não somente as 30 cadeiras criadas inicialmente foram sendo preenchidas, mais outras 10 foram acrescentadas, perfazendo hoje o total de 40 cadeiras, como toda Academia que se preza e se orgulha de espelhar-se na Academia Francesa.
A praxe é que cada primeiro ocupante da cadeira escolha o seu patrono.
Os outros 30 patronos da APL, escolhidos posteriormente à fundação, são: João Alfredo de Freitas, Antônio Coelho Rodrigues, Joaquim Ribeiro Gonçalves, Raimundo Alves da Fonseca (Cônego), Antônio Borges Leal Castelo Branco, Honório Portela Parentes, Luísa Amélia de Queirós Brandão, Gregório Taumaturgo de Azevedo, Deolindo Mendes da Silva Moura, João Crisóstomo da Rocha Cabral, Antonino Freire da Silva, Abdias da Costa Neves, Anísio de Brito Melo, Antônio Alves de Noronha, Vicente de Paulo Fontenele Araújo, Heitor Castelo Branco, João Francisco Ferry, José Newton de Freitas e Mário Faustino dos Santos e Silva.
Na verdade, os patronos são muito mais acadêmicos do que nós, titulares, porque seremos substituídos com a morte e deslembrados depois, visto que toda a atenção da sociedade se volta para os vivos. Aqueles, os patronos, pela ordem, são os primeiros e os numes tutelares das cadeiras, a quem devemos sempre prestar nossas homenagens.
Como, evidentemente, não posso falar sobre todos eles, no espaço reduzido de uma crônica de jornal, então escolho J. Coriolano para tecer algumas considerações e alinhar alguns dados, pois é o patrono da cadeira nº 8, a que ocupo. Ícone da nossa literatura, diria mesmo que, com seu livro póstumo “Impressões e Gemidos”, de 1870, torna-se o fundador da literatura piauiense. Antes dele, praticamente não havia o instituto da literatura em nosso meio, como a conhecemos hoje, pelo menos com tantos autores e livros e, sobretudo, leitores e estudiosos.
Não obstante a contradita de Herculano Moraes, que advoga a primazia de Licurgo de Paiva, com “Flores da Noite”, 1866, Recife, quero esclarecer que José Coriolano de Sousa Lima (J. Coriolano) escreveu, nas férias do 2º ano de Direito, em Recife, 1856, um admirável poemeto chamado “O Touro Fusco”, uma formidável obra prima, e publicou-o no ano 1859, na tipografia do Sr. José de Vasconcelos, conforme testemunho de David Moreira Caldas, organizador e prefaciador de “Impressões e Gemidos”, portanto 7 anos antes do livro de Licurgo de Paiva.
No tocante ao valor da poesia de J. Coriolano, creio indiscutível sua primazia. Seria suficiente citar aqui a opinião de Franklin Távora, no jornal “Gazeta de Notícias”, com o título “Um poeta do Norte”: “Na fiel pintura dos costumes do norte, José Coriolano excede Gonçalves Dias, musa eloqüente, generalizadora, erudita, e só encontra rival em Juvenal Galeno, sumamente popular quer na poesia, quer nos ensaios de dramas e romances, gênero em que devera ter hoje nome tão extenso quanto o que ganhou na poesia, se as condições do meio onde existe não fossem tão contrárias a mais vasto desenvolvimento mental e literário.”
Outro ponto importante: Não obstante o livro de Licurgo de Paiva ter tido posfácio de Tobias Barreto, o que se justifica porque seu autor estudava em Recife, o livro de J. Coriolano foi póstumo e organizado aqui, por um grande professor e crítico literário, jornalista David Moreira Caldas, por isto, com muito mais razão, deve ter a preferência de nossa gente.
J. Coriolano nasceu em 30.10.1829 e faleceu em 24.08.1869, em Vila Príncipe Imperial (hoje Crateús), naquele tempo pertencente ao Piauí. Foi magistrado e por duas vezes eleito deputado provincial.
Com esses registros, espero que não me venham dizer que ele não era piauiense. É preciso ler seus poemas e senti-lo: J. Coriolano foi o mai s piauiense dos poetas piauienses de então, quer cantasse o amor ou a terra, o touro fusco ou a Deus. Portanto, se é necessário um marco histórico para a literatura do Piauí, não há melhor do que o do lançamento do livro “Impressões e Gemidos”, em 1870, por um grupo de amigos do poeta falecido, cujo acontecimento foi badalado em todo o Brasil através de críticas elogiosas nos jornais e revistas.
Se mais queremos saber, é só buscar o que diz a nova geração, a crítica de hoje, a respeito da obra de J. Coriolano, e dessa, em primeiro lugar vem um ensaio de José Pereira Bezerra, inserto em “Cadernos de Teresina”, dezembro/1996, pg. 82/85, onde é bem colocada sua poética como de fato avançada para o tempo, um poeta romântico- paisagístico que não se deixou levar apenas pelo chamado “conteúdo” mas cuidava bem da forma, para que sua escrita se perenizasse. Pereira Bezerra encerra seu estudo mencionado dizendo que o poeta José Coriolano de Souza Lima “captou a confirmação de uma consciência nacional a partir de uma consciência histórica e do macrocosmo homem-natureza-cultura, expressando a simplicidade dessa para-realidade que espelhava em seus olhos de homem sertanejo, porém capaz de fazer incisões marcantes na altura do seu tempo. Com ele o Piauí ganhou um poeta capaz de revelar as nuances de seu imaginário e a singeleza de suas cores, com o despojamento de quem mergulha numa fonte inexplorável do seu tempo.”
Um poeta da grandeza de J. Coriolano é senhor do seu tempo e marca o período romântico-popular de nossa literatura.
Os anos setenta e as décadas seguintes do século passado foram de efervescência, tanto no Piauí quanto no Brasil. Diga-se, entretanto, que não havia apenas um poeta, mas uma plêiade, pronta para o cultivo do mesmo gosto romântico e de sua vertente sertânico-popular. O próprio Licurgo de Paiva surgiu no meio dessa tempestade que varria os nossos céus, assim como Luísa Amélia de Queiroz Brandão. Já os poetas José Manuel de Freitas, Teodoro Castelo Branco e Hermínio Castelo Branco eram da área especificamente popular. Havia também alguns prosadores, mas citemos o mais importante: – Francisco Gil Castelo Branco.
Só no final do século viria a reação anti-romântica dos poetas da poesia filosófico-científica, do parnasianismo e finalmente do simbolismo - que, entre nós, só frutificaria no começo do novo século, com o peso de um Celso Pinheiro, principalmente.
Na verdade, os anos 70, 80 e 90 deram predominância ao romântico e ao popular sertanejo da poesia, sendo José Coriolano de Sousa Lima o poeta de maior envergadura do período. Acrescente-se que os que vieram antes de J. Coriolano não foram marcantes. José Manuel de Freitas não publicaria livro e trabalhava apenas a poesia popular, com pequenos toques de lirismo.
Já Leonardo das Dores Castelo Branco, conquanto deixasse a marca da quantidade, prejudicou a estética da subjetividade por uma ilusão da poesia científica.
Deixando-se de lado o poemeto “O Touro Fusco” como marco de uma época, lamenta-se é que “Impressões e Gemidos” não tenha tido reedição, porque considero frustrada a que o Plano Editorial do Piauí fez com o título de “Deus e a Natureza em José Coriolano”, 1973, em que pese a autoridade e a diligência do mestre A. Tito Filho.
É urgente, pois, que se faça uma nova edição de “IMPRESSÕES E GEMIDOS”, para as novas gerações de professores, estudantes e leitores de nosso Piauí. Seria uma forma de resgate da memória daquele que é considerado por muitos o PATRONO DA LITERATURA DO PIAUÍ.
*Francisco Miguel de Moura, escritor com mais de 20 livros editados, membro da APL e do Conselho de Cultura.
Endereço: Av. Juiz João Almeida, 1750 – Teresina – PI,
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